sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Sem Paz para os Ímpios

No Brasil, existem algumas máximas que parecem nos assombrar.  A do momento é que nada não é ruim o suficiente que não possa piorar.  A situação atual é algo como a tempestade perfeita, ou a conjunção de planetas para abrir um portal dos infernos direto no território brasileiro.  É claro que se compararmos a nossa situação com a de países como Venezuela e Síria, ela é melhor, mas muito longe de ser boa.

Desemprego recorde, déficit público alarmante, corrupção alastrada e um cenário político caótico mina as esperanças de milhões de brasileiros.  Foram necessários vários anos de uma ação persistente e completamente equivocada para se chegar nesse cenário, ele não foi criado da noite para o dia.  Por anos o Brasil viveu uma ilusão e se estruturou encima de um castelo de areia.  Não há solução instantânea para nosso inferno astral, mas vários esperam que isso venha a acontecer imediatamente.

Os partidários de Dilma Rousseff e toda a sua inépcia infinita chamam Michel Temer de golpista e traíra.  Golpe é a narrativa da esquerda para se esconder as atrocidades cometida pela ex-presidente com a economia da nação.  Traição pode até ser, mas se realmente Dilma e o PT confiaram em Temer, o que não acredito, isso foi de uma ingenuidade ímpar.  Nunca percebi o PMDB como aliado, mas sim um caronista momentâneo.  O PMDB é o partido de "onde há governo, sou a favor", mas há mais de 20 anos não se interessa em assumir esse poder, apenas orbitá-lo.  Os partidários de Temer não são de esquerda ou de direita, são a favor do poder e de poderem parasitar o poder.  Não existe ideologia em figuras como Renan Calheiros, apenas interesses, conflitantes com os dos demais brasileiros.  Isso não quer dizer que o PMDB compactue das ideologias absurdas de Dilma, muito pelo contrário, mas esses "detalhes" podem ser relevados mediantes acordos.

Quando um partido aceita compor a vice-presidência da chapa de outro partido, ou faz isso por coincidência de ideias e ideais, ou por interesses momentâneos mutuamente benéficos.  Conforme dito, não acredito na primeira opção.  Sobra a segunda opção, o que eram estes interesses do PMDB em se aliar a o PT geram diversas teorias, todas inquietantes.  Portanto, Temer não é o mentor das atrocidades de Dilma, mas foi no mínimo conivente com elas, por um preço alto.

A situação que Temer herdou é uma das piores possíveis.  Os fundamentos da economia brasileira sofreram processo de corrosão intenso, e é necessário um esforço e um sacrifício enorme para repará-los.  A equipe econômica escolhida por Temer é boa, aliás qualquer uma sem Guido Mantega, Alessandro Tombini, Nelson Barbosa ou de simpatizantes destes seria já melhor.  Esta nova equipe está com a visão analítica correta dos atuais problemas e propôs alguns remédios amargos, mas necessários, para a reparação necessária.  Limitar gastos, repensar a previdência e as leis trabalhistas são atitudes que à primeira vista parecem ser contra a população, mas pelo contrário são a favor.  O brasileiro se ilude que a farra promovida não era financiada com nosso dinheiro e pior com a capacidade do país gerar novos negócios e empregos.  Mas sempre existirão as tentações populistas de soluções fáceis para se resolver os problemas estruturais, com consequências graves, é claro.

E eis que surgem os problemas do PMDB.  O primeiro é que apesar do partido não compactuar com as crenças políticas do PT, até certo ponto diga-se de passagem, ele não fez nada para evitar essa nefasta política econômica, pior deu apoio para que elas fossem mantidas via aliança política nas eleições de 2010 e 14.

O segundo é que o PMDB é um partido de órbita do poder, desacostumado a lidar com as cobranças diretas da população, não sabe fazer oposição e na situação não sabe transmitir à população a gravidade da herança econômica maldita e a necessidade de se tomar medidas austeras.  Falta alguém como João Santana ao lado de Temer para explicar a todos nós os rumos que o país tem que tomar.  É claro que esse alguém não precisa ser pilantra como Santana, apenas saber comunicar como ele.

O terceiro problema do PMDB é a própria essência do partido, ou melhor dizendo a falta de uma essência.  O partido é um amontoado de políticos profissionais, alguns da pior espécie, sem ideais em comuns a não ser o de se agarrarem ao poder e de lucrarem com o poder.  A Lava Jato avança de maneira devastadora no establishment político de Brasília e as últimas delações apontam para o alto escalão do PMDB.

O Brasil, portanto, se encontra em uma situação onde o atual partido que ocupa o Poder Executivo, eleito popularmente diga-se de passagem, não sabe se comunicar, quando se comunica faz isso de maneira atabalhoada muitas vezes, tem membros de reputação horrível e por inferência participou do esquema de corrupção dos governantes anteriores...

A turbulência atual é grave e cria um ambiente perfeito para que apareçam aventureiros de plantão.  Nomes de políticos em ascensão variando do espectro de Marina Silva a Jair Bolsonaro preocupam e muito.  Não vejo nenhum deles com propostas lúcidas ou sérias para colocar o país no trilhos.  Aliás, o discurso destes é similar àqueles proferidos lá em 1989!  A oposição ao PT foi inepta ao deixar que o monopólio das virtudes fosse tomado, quase que por usucapião, por este partido, e agora se mostra inepta ao se organizar para dar um rumo ao país.  E para piorar, as denúncias da Lava Jato também avançam rumo à oposição.

O PT volta à sua origem, que é do partido que atirava pedras nos telhados alheios.  Numa audácia quase que inacreditável culpa a atual situação do país no PMDB.  Até o impeachment de Dilma a crise não existia, agora ela não só existe como é culpa das atuais PECs.  O pior é que esse modus operandi do PT é bem feito, ou seja, o partido devastado pela inépcia de Dilma e o mar de corrupção exposto passa a lucrar à medida que a percepção da população é de que a crise foi criada por Temer, problema crônico de memória curta do brasileiro, e de que todos os corruptos estão no PMDB.

Tirar Dilma do poder era necessário para se evitar o cataclisma, basta ver o que é Cuba na realidade.  Mas daí achar que os problemas acabaram é ingenuidade.  O que não faltam ao Brasil neste momento são problemas, de toda a sorte e magnitude.  O que me preocupa são os rumos que o Brasil pode tomar diante dessa situação.  Os ímpios não só não têm paz como são constantemente tentados pelo populismo barato.


terça-feira, 13 de dezembro de 2016

O Que os Americanos nos Ensinaram


Contrariando todas as expectativas, os eleitores americanos que compareceram às urnas em novembro de 2016 elegeram como presidente o empresário, dublê de apresentador de reality show, populista e fanfarrão Donald Trump.  Os simpatizantes da esquerda ficaram estupefatos enquanto a ala da direita mais extrema saudou a vitória de Trump contra a “comunista” Hillary Clinton.  Como isto aconteceu?  O cineasta de esquerda Michael Moore já havia previsto este resultado, redigindo uma análise que listava vários pontos que levariam a este desfecho, inclusive que o eleitor americano teria a chance de na urna “avacalhar” a eleição.  Algo semelhante ao que brasileiro faz elegendo Tiririca para o congresso.  O seriado The Simpsons já havia previsto há bem mais tempo a eleição de Trump.  E agora?  Quem viver verá…

Em 1956, em um encontro de líderes do primeiro mundo com o premiê soviético Nikita Khruschev em Moscou, este último proferiu “Nós vamos enterrá-los”.  Khruschev, que como Trump era desprovido de bom senso e freio na língua, previa que o “imperialismo americano” iria fracassar e o socialismo triunfaria nos EUA quando o proletariado americano insurgisse.  O oposto ocorreu com a implosão da União Soviética e do Pacto de Varsóvia entre os anos de 1989 e 91.  Economistas renomados como John Kenneth Galbraith já haviam previsto o fracasso da URSS anos antes de Mikhail Gorbachev tentar salvar seu país com a Glasnost e a Perestroika.  As razões para o fracasso soviético são muito bem documentadas, embora na América Latina tenha surgiu o bolivarianismo ou o socialismo do século XXI, uma tentativa desastrada de se fazer dar certo o que deu muito errado.

Esse fracasso ofusca e tira a atenção dos problemas do capitalismo.  A máxima que o capitalismo é o menos ruim de todos os outros sistemas tem fundamento apesar de renomados economistas e comentaristas de direita e liberais dizerem que o capitalismo é perfeito.  Estes têm defendido Trump acusando a imprensa de ser parcial e pró-esquerda.  Não vejo em Trump o político que vai promover uma agenda liberal nos EUA, muito pelo contrário.  Suas propostas são de proteção à indústria americana e isolamento de aliados e parceiros comerciais.  Dificilmente uma agenda condizente com os ideais econômicos liberais.  A nação fundada por forte movimentos migratórios e cuja economia prosperou baseada em fundamentos libertários, agora se encontra rumo a território desconhecido se Trump cumprir um terço de suas bravatas populistas.

O capitalismo é o modelo econômico adotado pela direita e ao meu ver é fundamentado em dois pilares: a democracia e a meritocracia.  O primeiro é o que garante, na teoria pelo menos, que o governo responde ao povo, que por sua vez tem o direito de mudar o governo caso este não esteja agradando.  Democracias tendem a produzir governos menos sufocantes para os governados, assim mantendo em patamares aceitáveis a burocracia, o controle governamental e os impostos, três itens que em excesso podem aleijar qualquer economia.  Basta, é claro, o povo eleger representantes que persigam estes ideais e não o contrário.

A meritocracia é o pilar que garante que os melhores profissionais e as melhores empresas triunfarão.  A meritocracia é cega e fria no sentido que esta avalia um profissional somente pela sua capacidade profissional e valor que agrega e seu empregador, e que também premia a empresa que consegue prosperar oferecendo a seus clientes o produto com melhor custo-benefício.  Não existe uma economia 100% meritocrática.  Empresas mantém funcionários incompetentes em altos cargos por avaliações equivocados dos gestores, ou até mesmo por estes funcionários possuírem bom relacionamentos pessoais com os superiores.  Práticas de dumping, cartel, vendas casadas e outros abusos de poder econômico também minam a meritocracia.  Quanto menos meritocrática for uma nação, mais frágil será sua economia.

As constantes queixas de americanos contra empresas que estabelecem suas indústrias em países com mão de obra mais barata, e contra imigrantes que aceitam condições de trabalho menos satisfatórias que aquelas impostas pelos sindicatos americanos, surtiram efeito e Trump pode ser considerado como uma consequência disto.  Ao se imaginar um país capitalista, os EUA vêm a mente de quase 10 em 10 pessoas.  Pois os capitalistas americanos não previram que o próprio sistema que estes endossam poderia causar danos a eles mesmo.  A meritocracia ditou que empresas americanas e os próprios consumidores americanos conduzissem o país a esta situação que deixou uma parcela da força de trabalho do país em situação difícil.

Este é o ponto que o capitalismo falha.  Ele prevê a recompensa para aqueles com mais méritos, mas esquecem que aqueles que não conseguiram atingir o sucesso, que pode ser simplesmente estar empregado, não aceitam na maioria das vezes este resultado.  Em uma ditadura como a da China, os "fracassados" não teriam vez, mas o capitalismo para dar certo e não ser desvirtuado deve ser estabelecido em uma democracia.  E nas democracias modernas, baseadas no conceito de sufrágio universal, os bem-sucedidos, os medianos e os fracassados têm poder igual de voto.  A própria democracia tem brechas permitindo que aventureiros e políticos mal-intencionados sabotem a democracia, por meio de votos daqueles não bem-sucedidos.  Não vejo Trump propondo um governo menos sufocante, pelo contrário.  Até mesmo a redução de impostos pode causar um aumento do déficit público americano, que pode ser compensado com juros maiores, ou até mesmo inflação.

Quem pensa que um eleitor faz uma escolha analítica e racional de seu candidato está muito enganado.  O eleitor muitas vezes vota usando o emocional, fazendo pouca análise e até mesmo como Moore disse "avacalhando".  Trump é o resultado do capitalismo e uma ameaça do capitalismo a si próprio.  O eleitor fracassado em sua maioria não pensa em se "reinventar" para ser bem sucedido no mercado de trabalho, é mais fácil e bem mais solidarizado atacar os seus atuais ou ex empregadores, o governo atual, o sistema, etc.  Nesse momento, o mesmo Freud que disse que o comunismo não daria certo deveria ter imaginado que a inveja e a necessidade de atenuar o fracasso podem falar mais alto.  Trump fez seu discurso dirigido a estes eleitores.

É preocupante que a nação mais poderosa do mundo tenha oferecido como principais candidatos Donald Trump e Hillary Clinton, é de uma pobreza de opção inquietante.  O mundo estará de olho em como os EUA serão conduzidos 4 ou 8 anos por Trump.  No longo prazo, o mundo tem de repensar o capitalismo, pois esse não é perfeito e sua contraproposta, o socialismo, é uma opção muito pior.

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Celebrando o Samhain

A popularização do Dia das Bruxas nessas terras é recente, lembro que há uns 10 anos atrás, um punhado de crianças tocou a campanhia do meu apartamento para proferir "Travessuras ou Gostosuras".  É mais ou menos a época que comecei a ouvir as críticas dos mais nacionalistas que estávamos adotando uma festa americana (ou estadunidense) em detrimento do nosso folclore nacional.  Só digo que esse povo cansa.

Em 2003, foi apresentado um projeto de lei para a criação do Dia do Saci a ser celebrado no 31 de outubro, ou seja, concorrendo diretamente com o Dia das Bruxas, popularmente conhecido pelo seu nome inglês Halloween, uma corruptela de All Hallow's Eve, ou simplesmente a véspera do Dia de Todos os Santos.  Até mesmo se tornou lei estadual em São Paulo e a cidade de São Luiz do Paraitinga incorporou este dia no calendário de festividades daquela cidade turística.

Muitos historiadores concluem que o formato do Halloween é o resultado do sincretismo religioso do cristianismo com religiões pagãs celtas.  As comemorações da véspera do Dia de Todos os Santos teriam absorvido vários rituais pagãos incluindo o celta Samhain, no qual se observava o fim da época da colheita.  Os celtas faziam oferendas aos espíritos no Samhain para que pudessem sobreviver a metade mais sombria do ano, o outono e inverno no hemisfério norte.  Alega-se que os escoceses e irlandeses se vestiam como espíritos para obter estas oferendas, ou talvez para enganar os próprios espíritos.

Nota-se que o Halloween é, portanto, uma comemoração celta, perpetuada por seus descendentes, escoceses, irlandeses e galeses, que foi absorvida pelos americanos, já que povos de origem celta, em específico os irlandeses, emigraram em massa para os Estados Unidos.  Esse país popularizou a comemoração para o resto do mundo, mas não o criou.  Da mesma maneira que os italianos não inventaram a pasta, mas popularizaram a invenção chinesa na Europa. 

O Brasil é um país cuja grande parcela da população tem ascendência europeia e que observa o cristianismo.  O Saci tem origem em mitos tupis-guaranis e foi modificado segundo historiadores pelos escravos brasileiros, daí ter se tornado uma criança mulata.  Apesar de ser uma das lendas mais populares do Brasil, o saci não tem um apelo tão forte no próprio Brasil quanto aos costumes celtas popularizados nos EUA.  Todas as minorias merecem respeito, mas a maioria merece igual respeito.  Impor uma data sem nenhum significado, pagão ou cristão, baseado numa figura de significado tênue para muitos é uma idiossincrasia.

No dia 31 de outubro, as crianças brasileiras não estão interessadas em saci e apesar de leis criadas, o Halloween ganhou força aqui.  Pode-se alegar que o brasileiro tem complexo de inferioridade e desprezo pelas próprias tradições, mas acredito que simplesmente o Halloween é um evento bem mais divertido e melhor comercializado que qualquer alternativa criada nestas bandas para o Dia das Bruxas.  Melhor teria sido tropicalizar o Halloween colocando o saci como uma opção para as crianças se fantasiarem.  Outros feriados cristãos, como Carnaval e as Festas Juninas, ganharam bastante força aqui no Brasil sendo tropicalizados.  Já o Thanksgiving, ou Dia de Ação de Graças, um dos principais eventos do calendário americano, tem uma importância mínima aqui, uma prova que não importamos tudo da terra do Tio Sam.

Os mais católicos, além de outros cristãos, reclamam que o Halloween é um rito pagão que celebra algumas figuras "pouco cristãs" como Satanás e Drácula.  Respeito quem opta por não prestar nenhum tipo de reverência a estes tipos de figuras, mas há de se dar crédito ao bom senso dos pais das crianças fantasiadas a caráter e também das crianças que crescerão sem se tornarem adoradoras do oculto.  E quanto ao Halloween ser um rito pagão, pergunto onde exatamente na Bíblia está a explicação para o Natal ter as renas de Papai Noel e para o coelho ser o personagem principal da Páscoa?  Esse povo também cansa.

No fim das contas, o crescimento do Halloween no Brasil mostra que ainda tem muita gente sem o que fazer e que decretos tentando moldar os gostos das pessoas são fadados ao mais retumbante fracasso.  Não lembro de ninguém comemorando Dia do Saci aqui no meu prédio!  De qualquer maneira, o Saci continua popular entre os fãs do Monteiro Lobato e a torcida do Internacional.

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

O Dilema da Daslu

Uma vez, me convidaram mais a minha esposa para fazermos compra na Vila Daslu, aquele shopping onde se comercializava produtos para as classes mais abastadas.  A minha resposta seria que eu iria de tênis velho, calça de camuflagem e camiseta do Che Guevara.  O meu sarcasmo não foi bem apreciado, porém, não deveria ter respondido daquela maneira.  O convite por si próprio era absurdo, pois jamais fomos propensos a gastar uma significativa parcela do salário em vestuário de ostentação.  Deboche à parte, vestir qualquer roupa que homenageie um genocida é um profundo desrespeito com as vítimas da sanha assassina de um falso herói cultuado por ignorantes de sua verdadeira história. 

Não ficaria surpreso se visse um ex-frequentador da Daslu vestindo uma camiseta do Che Guevara, até mesmo se fizesse isso dentro da própria Daslu ou atualmente em algum local frequentado pela mais alta classe da sociedade.  É a famosa Esquerda Caviar, debatida extensivamente por vários, que gosta de ostentar, mas diz se preocupar com os mais pobres.  Esse posicionamento sempre me deixou perplexo, ou deriva de culpa ou de inveja daqueles que têm ainda mais dinheiro, afinal a inveja não é um sentimento exclusivo aos mais pobres.  Os membros da Esquerda Caviar que gostam de vestir bonés e camisetas com o rosto do Che Guevara, invariavelmente se esbalda com roupas caras, carros de luxo e festas nababescas.  E ainda por cima, em mais um sinal de estranheza, gostam de ter um reconhecimento alheio pela riqueza que acumulam.

O monumento à ostentação que foi a Vila Daslu na Vila Olímpia realmente chocava, apelando tanto para a cobiça como para a inveja de quem não a frequentava.  Para mim era algo desnecessário, sendo que lojas nos Jardins Paulistano e no Shopping Iguatemi eram os verdadeiros rivais da Daslu de Eliana Tranchesi e atraíam sua clientela sem a ostentação escancarada concebida por Tranchesi.  Em uma cidade com um alarmante índice de criminalidade, a pior coisa é pintar um alvo nas costas sinalizando que tem dinheiro de sobra.

Claro que surgiram as críticas lá em 2005, quando a marca Daslu ergueu seu elefante branco à beira da Marginal Pinheiros.  Os "politicamente corretos (chatos)" alegavam que aquele elefante branco era uma afronta a todos os desfavorecidos.  Ou usaram este termo ou outro politicamente correto (imbecil) para criticar que os mais pobres, e até alguns menos ricos, não poderiam comprar calças jeans de mais de 5 mil reais.  Desdenhar da Daslu e de quem frequentava a Daslu era até divertido, mas ficava a curiosidade de como seria lá dentro e até como seria usar um dos produtos lá comercializados.

Muito pode ser dito a respeito de como o dinheiro afeta a vida das pessoas.  Existe o tal estudo, mal-interpretado por alguns, do economista Angus Deaton e do psicólogo Daniel Kahneman que afirmam que para salários acima de US$75.000,00 anuais, o dinheiro não aumenta a satisfação pessoal.  Independente do que estes pesquisadores quiseram inferir, dinheiro resolve uma miríade de problemas que a falta de dinheiro causa.  É da natureza do ser humano ambicionar o que os outros têm, como já diria a letra da música Sit Down do grupo inglês James "If I hadn't seen such riches / I could live with being poor".

Duas atitudes podem decorrer destas ambições, a primeira é aquela mais mesquinha propagada pela ala mais estúpida da esquerda mundial que é a de desdenhar da riqueza alheia e de como ela foi obtida, acusar os ricos de crimes por serem ricos e de toda sorte de males que afligem a humanidade.  Essas atitudes justificam a criminalidade sempre com o intuito corrigir injustiças sociais, seja lá o que isso realmente quer dizer, se apoderando da riqueza alheia.  Essa ala local da esquerda usa essa retórica para poder se eleger e de Brasília assaltar a riqueza alheia em larga escala.

A segunda atitude, mais construtiva, é a de a pessoa criar incentivos para si próprio para atingir este patamar de preferência pelo trabalho honesto.  Às vezes, esse tipo de ambição, é claro, resulta em trabalhos menos do que honestos.  Nações ricas e prósperas são motivadas pela vontade de seu povo de atingir patamares econômicos superiores aos atuais.  O declínio destas nações decorre de situações onde há acomodação ou, pior, usurpação da riqueza alheia, muitas vezes camufladas de impostos crescentes sobre os mais ricos e até de programas sociais de distribuição de riquezas.

O exemplo clássico é dado pelas nações alemã e japonesa que foram arrasadas após a derrota da II Guerra Mundial em 1945 e se reconstruíram.  Os asiáticos ainda sofreram os singulares ataques nucleares dos americanos e revidaram obrigando décadas depois o povo dos EUA a comprarem televisores da Samsung e a dirigirem carros da Toyota.

É claro, que há um terceiro grupo, bastante numeroso, que são aqueles que são indiferentes à opulência alheia.  Talvez esses sejam acometidos de um pouco de inveja ou vontade de exibir riquezas que não tem, mas esse sentimento não é dominante nestas pessoas.  Os que são completamente indiferentes são casos à parte, possivelmente são mais ricos que os antigos frequentadores da Daslu, sustentados pelo dinheiro alheio ou quem sabe são pessoas mais evoluídas espiritualmente.

Daquela época da Daslu se impondo na Marginal Pinheiros, lembro de um punhado de gente rica que não perdia a chance de ser desagradável ao exibir ostensivamente o que tinham para o resto da cidade, e mais ainda de um bando de gente chata e desocupada que ao invés de se preocuparem com seu trabalho ou as contas para pagar resolviam desdenhar da riqueza alheia.  No fim, veio a Operação Narciso em 2010, e a Daslu abandonou o elefante branco para voltar a ter a discrição necessária.

terça-feira, 6 de setembro de 2016

50 Tons de Flicts

O livro infantil "Flicts" do escritor Ziraldo foi editado pela primeira vez em 1969.  Descrevia os augúrios de uma cor que tentava descobrir sua identidade, até que ao final da estória se identifica com a cor do solo lunar, em suma "A Lua é Flicts!".  Na minha terceira série, há mais de 30 anos, encenamos uma peça da estória e, é claro, que como vários alunos quis ser Flicts, mas acabei com o papel do Laranja.  Nem cor primária consegui ser para minha decepção...

Naquela época, eram apenas 5 partidos, PDS, PTB, PT, PDT e PMDB, sendo que o primeiro e o último disputavam a hegemonia política brasileira, elegendo 22 dos 23 governadores na eleição de 1982.  O Brasil caminhava a passos constantes para sua redemocratização, sendo que o PDS abrigava os políticos aliados aos governantes militares e o PMDB englobava uma oposição amorfa e heterogênea, mas com amplo e crescente apoio popular.  O PT ainda não tinha a dimensão que atingiu no seu auge, mas apesar de não ser levado tão a sério, já assustava pelo radicalismo de suas propostas.  Curiosamente, o PT se aliou aos demais 4 partidos em vários momentos de seus quase 14 anos de governo, levando em conta que o PDS é o atual PP após várias mudanças de nome.  Eis a definição de fisiologismo.

Os tempos não eram fáceis no início daquela década, a inflação era altíssima, havia escândalos de mau uso de empréstimos subsidiados, o grau de endividamento da nação era exorbitante, a nossa indústria era sucateada devido ao alto grau de protecionismo e Brasília já era Brasília desde então.  Em muitos aspectos, os tempos eram tão ruins ou piores que agora.  Olhando sob esta ótica, é muito fácil se tomar pelo pessimismo, ou no mínimo pelo ceticismo quanto ao que virá pela frente.  Michel Temer apresentou um discurso no qual pelo menos faz um diagnóstico correto da atual situação e propõe atitudes contrárias àquelas de Dilma.  O problema é que Temer é cercado de políticos do pior naipe possível, alguns sobreviventes do final da ditadura e do início da redemocratização.  Basta ver que Renan Calheiros é líder do senado, tendo estado em posição de eminência no congresso há muito tempo.  O próprio Temer sempre esteve nessa posição, inclusive de aliança com governos anteriores.  O lema do PMDB parece ser "Hay gobierno soy a favor"!

Recentemente, muito se discutiu sobre as tendências de esquerda da maioria dos partidos brasileiros e de muitos congressistas.  Um post chamava o espectro partidário brasileiro, hoje em mais de 30 partidos, de "50 tons de vermelho".  É claro que há políticos presos a ideologias esquerdopáticas como Dilma, uma ex(?)-guerrilheira marxista, mas a maioria não é comunista exatamente, e sim criminosa e parasita, como vários políticos do próprio PT.  Quando se observa a existência do Partido Nacional Corinthiano, do Partido Ecológico Nacional e outras aberrações similares, a minha conclusão é que o espectro partidário brasileiro é formado por "50 tons de Flicts".  Enquanto a maioria dos brasileiros têm cores primárias ou secundárias, os habitantes de Brasília têm cores únicas e especiais.

Brasília parece existir em um mundo paralelo, como um planeta distante, uma dimensão paralela ou o mundo da lua mesmo, onde as regras aplicadas a nós não são válidas.  A conexão de Brasília com nossa realidade não é feita por rodovias ou por aeroporto e sim pelo verdadeiro sorvedouro do nosso dinheiro criado lá, resultando em leis e burocracias kafkianas.  A crise brasileira pode ser facilmente resumida em uma estatística, o PIB per capita do Distrito Federal é o maior de uma unidade federativa do Brasil e quase o dobro do segundo lugar, o estado de São Paulo.  É também simplesmente entre as principais cidades da América Latina, o maior PIB per capita.  Não é necessário recorrer a mais estatísticas para notar que o parque industrial e de serviços candango é medíocre e que a grande atividade de Brasília é a burocracia e o funcionalismo público, para não dizer corrupção.  A crise não atingiu tanto o Planalto Central pois o funcionalismo público é protegido por lei, às custas dos demais cidadãos, e os políticos detêm o poder de votar nos próprios salários.

Isso tudo não é novidade para a grande maioria da população brasileira, cansada da classe política, mas eleitora desta.  O problema é que estes "selenitas" que habitam o mundo da lua de Brasília são necessários para que se aprovem as reformas necessárias para tirar o país do atoleiro.  Como convencer um deputado, preocupado com sua reeleição em 2018, que as reformas previdenciária e trabalhista são mais do que cruciais, sem arriscar perder eleitores que tem medo dessas reformas?  Como fazer uma reforma tributária, sem que os governadores e prefeitos esperneiem com possíveis perdas de receitas?  E principalmente, como fazer uma reforma política, não aquela proposta por Dilma, que possa permitir que outras cores possam ser inseridas no espectro partidário político brasileiro?  Quem souber me avise.



quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Daqui para Frente

Ufa! Escapamos do cataclisma, que seria a reintegração da posse de uma chefe de nação sem a menor noção do que fazer, sem apoio para qualquer medida que viesse a tomar e, pior, com o histórico de atitudes que no curto, médio e longo prazo jogariam o Brasil para um precipício profundo.  Ou alguém não conhece a realidade desesperadora de nações como Venezuela e Cuba que tinham a admiração da cúpula do finado governo?  Mas colocar o último prego no caixão político de Dilma Rousseff não é suficiente para tirar o Brasil da crise ou até mesmo fazer que adentremos uma espiral virtuosa rumo ao desenvolvimento.  Nem Michel Temer, que por ser vice na chapa de Dilma por duas vezes mostra um grau preocupante de compactuação com os absurdos desta, será o responsável por nos guiar a "Terra Prometida".

Quem então nos guiará através do deserto da crise?  Aécio?  Marina?  Bolsonaro?  Nenhum deles, essa travessia cabe a todos nós, sem exceção.  Uma vez discutindo com um amigo na época de graduação, ele argumentou que o Brasil precisava de uma liderança que nos inspirasse para sermos melhor, porém argumentei que precisávamos nós mesmo sozinhos tomarmos a atitude necessária para engrenar.  Qualquer trabalhador que precise de um "grande líder" como chefe para fazer seu trabalho direito está precisando mesmo de um outro emprego ou repensar suas atitudes.  Será que nós como cidadãos precisamos de um grande presidente para fazermos a nossa parte?  É claro que, quando vemos nosso dinheiro de impostos ser gasto com MST, UNE, Porto de Cuba, ascensorista do senado e outros sorvedouros inúteis e imorais, fazer nossa parte é difícil, mas ainda é necessária.  Boas lideranças nos contagiam para darmos o nosso melhor, mas nem sempre isso é verdade.

Aqui uma boa liderança é considerada aquela que fornece uma miríade de benesses a seus liderados, dinheiro, saúde, dinheiro, moradia, tudo de graça.  Primeiro que não é de graça, já que nossa carga tributária beira os 40%, e então o brasileiro precisa entender que esta gratuidade custa é muito caro.  A quantidade de candidatos prometendo tudo isso para o povo só não é maior que os eleitores que exigem dos governantes essas gratuidades.  Prepotência minha à parte, quem quer moradia de graça e dinheiro fácil que vá ao Programa do Sílvio Santos!  O brasileiro precisa é arregaçar as mangas para conseguir o que quer.  Só tiramos Dilma do governo, pois fomos aos milhões para a rua pedir isso.  Saúde e educação são itens que podem ser considerados investimentos nos cidadão, então é um debate separado.

Essa mendicância endêmica serve de alimento para governantes populistas que prometem os céus para seus eleitores.  Só que o pedágio cobrado por esses é ineficiência e corrupção.  Mais dinheiro, o brasileiro vai ter quando o mercado de trabalho estiver mais aquecido resultando em mais empregos e maiores salários, menores custos para moradia vão vir com juros menores devido a uma redução do déficit público, materiais de construção mais baratos com uma profunda melhora da eficiência das nossas cadeias de produção, etc.

E o brasileiro precisa também se emendar em relação a sua moralidade, vide a notória carta de Mark Mason.  Observo que nos últimos tempos existe uma crescente intolerância contra aqueles que cometem delitos, mas a turma das "vítimas das injustiças sociais" é bem resistente e altiva.  E para piorar muitos de nós temos telhados de vidro.  A nossa conivência com pequenos (e não tão pequenos) delitos como sonegação de impostos, compras de produtos piratas, dinheiro para cervejinha dos guardas, entre outros, é inaceitável.  Esse tipo de conivência é a semente da corrupção, poucos nascem 100% pilantras, mas vão lentamente chegando a esta porcentagem.  O combate à corrupção tem duas etapas, a primeira é se extirpar os corruptos do poder e puni-los, a segunda é evitar que novos corruptos substituam os antecessores.

A pior desculpa possível para se cometer delitos é que outros cometem, ou que isso é justificável pois os delitos são contra os mais ricos.  E aí reside um grande mal do brasileiro, é culpar sempre os mais ricos.  Isso seria correto se esses ricos considerados fossem os políticos com seus salários e benefícios nababescos, porém o brasileiro gosta de apontar o dedo para a burguesia e o empresariado.  Pobre, operário, classe média, burguês e empresário estão todos no mesmo barco.  Ou trabalhamos juntos para mudar o futuro, ou já em 2018, outro populista corrupto é eleito para colocar o Brasil no rumo do cataclisma.

sábado, 30 de julho de 2016

A Muralha de Trump

Em 122 DC, o imperador romano Adriano construiu a famosa muralha em solo britânico que leva seu nome, a Muralha de Adriano.  A razão para a construção de tal fortificação é atribuída à necessidade de proteger os territórios romanos na atual Inglaterra contra invasões bárbaras como as realizadas pelos pictos.  Porém, este é um ponto de questionamento, uma vez que a obra em questão se localizava ao sul de áreas controladas pelos romanos.  A muralha tinha cerca de 120 km de extensão, altura e profundidade variando de 3 a 5 metros.  Essa obra foi precedida 20 anos depois pela muralha de Antonino, imperador romano e enteado de Adriano, localizada mais ao norte da mais famosa muralha e com cerca da metade da extensão da obra de seu padrasto. A muralha de Adriano serviu de inspiração até para a obra "As Crônicas de Gelo e Fogo" de George Martin.  Indago se essa muralha também serviu de inspiração para a promessa de campanha do candidato republicano Donald Trump à presidência americana.

Claro que Trump pode também ter se inspirado na Grande Muralha da China, obra ainda mais famosa que às romanas com extensão na casa dos milhares de quilômetros e cerca de 300 anos mais antiga.  Ou no infame Muro de Berlim criado para aprisionar alemães dentro do regime socialista imposto pelos soviéticos.  Ou ainda no polêmico Muro da Cisjordânia, que na verdade é composto em parte por cercas de arame farpados, criado ou para impedir terroristas palestinos de adentrarem território israelense, segundo israelenses, ou para Israel expandir as suas fronteiras dentro de território palestino, segundo os que são contra Israel.

O que difere a Muralha de Trump das demais fronteiras físicas artificiais é que esta tem o intuito de criar uma barreira entre dois países de relativo bom relacionamento com extensos laços econômicos, comerciais e culturais.  A Muralha de Trump se estenderá pelos quatro estados americanos, Texas, Novo México, Arizona e Califórnia, que tem fronteira com o México.  Sim, o país latino tem graves problemas sociais além de parte do território ser infestado e dominado por cartéis de narcotráfico, mas o mexicano não é nenhum bárbaro que pilhará Washington ou terrorista que se explodirá em pleno Central Park.  Sem contar que os criminosos mexicanos já fazem uso de túneis em cidades fronteiriças (San Diego / Tijuana e El Paso / Ciudad Juarez) e até de submarinos para burlarem a fronteira entre os dois países.  Indago se caso Trump chegue realmente à Casa Branca, se tal projeto realmente não seja vetado pelo Congresso.

Recentemente, estive trabalhando em Michigan, estado americano com alta taxa de desemprego e até mesmo decréscimo populacional em seu grande centro urbano de Detroit, e ouvi algumas críticas aos sindicatos locais.  Um gerente de uma planta elogiou os trabalhadores mexicanos por estarem dispostos a trabalharem mais e melhor do que os americanos, que fazem questão de usar os sindicatos para imporem condições aos empregadores.  Claro que existem empregadores que abusam e exploram da agonia dos imigrantes para imporem condições trabalhistas abusivas, mas é inegável que os sindicatos americanos prejudicam o mercado de trabalho americano.  Ao invés de construir uma nababesca muralha, Trump poderia rever as relações trabalhistas.  Mas aí surge o problema é que o trabalhador americano sindicalizado vota e o imigrante ilegal não...

Outra proposta é a de se proibir (ou dificultar) a entrada de muçulmanos nos EUA.  Entendo que é uma afronta à Constituição Americana, mas isso é um tema para debate mais extenso.  Trump depois aparentemente recuou dizendo que barraria somente os muçulmanos de países comprometidos com o terrorismo.  Como o próprio Bush filho disse após os ataques de 11 de setembro de 2001, os EUA tinham sido atacados por um covarde sem face, isto é o terrorismo não tem uma bandeira identificável.  Fala se até em dificultar a entrada de franceses e alemães, países que segundo Trump foram permissivos com a entrada de terroristas e, portanto, sofrem agora com este problema. 

Qualquer candidato que se promova por propostas tão polêmicas e as apresente como soluções simplistas para problemas complexos deve ser observado com cautela.  Quando o Levy Fidelix se baseia em um programa como a canalização do Rio Tietê e a construção do aerotrem, ele é engraçado pois não tem chance de vitória, mas usa do nosso dinheiro para promover esses absurdos.  Trump assusta pois lidera as pesquisas de intenção.  E fica a questão do que Trump realmente planeja fazer caso ganhe a eleição.

Suas propostas na área de saúde e de educação não são nada absurdas e sob certa ótica até mesmo sensatas, mas há outras que assustam bastante, mais até que a construção da Muralha de Trump.  O discurso de dificultar estrangeiros de trabalhar nos EUA servirá para que outros países contratem bons profissionais estrangeiros, assim alavancando empresas não-americanas e criando uma considerável penalização às americanas.  Os EUA possuem um formidável contingente de profissionais capacitados, mas historicamente sempre atraiu profissionais estrangeiros altamente capacitados que ajudaram o país a ser a potência que é.

Também assusta o discurso de punir empresas que resolvam transferir suas linhas de produção para outros países.  A ameaça de Trump de punir a Apple caso esta produza o iPhone fora dos EUA é benéfica para companhias estrangeiras que poderão se valer de produzir um telefone celular mais barato e no futuro comercializá-lo a preços mais competitivos em território americano e estrangeiro.  Ou será que Trump irá sobretaxar produtos de alto valor agregado?  Se Trump soubesse o que foi a Lei da Informática no Brasil!

Isso sem contar as mais bravatas de impor restrições aos chineses, esquecendo que estes têm alto grau de entrelace comercial com os EUA e de participação no mercado financeiro, inclusive financiando a dívida americana.  É de arrepiar pensar uma reunião entre Trump com o déspota ardiloso Vladimir Putin.  Para aqueles que não nasceram durante a Guerra Fria, este é um pensamento sombrio.

A história nos ensina que movimentos migratórios podem ser catastróficos para algumas nações, mas o que Trump propõe não é solução e pode em um curto prazo resultar em algumas melhoras para os americanos.  No longo prazo, esse tipo de postura tem um custo alto.  A última coisa que se quer são os EUA abraçando um populismo raso, xenofobia e isolamento.  Não é benéfico para o mundo civilizado e não se conhece nações que tenham prosperado nessas condições.


sábado, 25 de junho de 2016

A Catástrofe Britânica

Os fãs de ficção científica e leitores as obras de Isaac Asimov e Arthur C. Clarke vão lembrar que na maioria das estórias a raça humana e a Terra eram unificadas em uma única nação.  A série Jornadas das Estrelas vai então além, cria um universo no que não só essa unificação é consolidada na forma de uma utopia esquerdista onde não existe miséria, todos são felizes e o dinheiro foi abolido, mas como ela é expandida para outros planetas habitados por outras raças, como os vulcanos.  Todos eles vivendo de acordo com o American Way of Life.  Até Babylon 5 abraçou esse conceito, menos utópico, mas com as unidades imperiais não sendo substituídas pelas métricas e com o beisebol sendo mais popular que o futebol em Marte.

Viagens interplanetares, inteligência artificial, robótica avançada, contato com alienígenas e outros conceitos futuristas talvez só sejam atingidas daqui a séculos, mas a unificação da raça humana na Terra sob uma única nação deve demorar mais que estes.  O Brexit é a prova da dificuldade de se obter esta união, apesar de grandes avanços feitos nos últimos séculos e contínuos esforços para um maior entendimento entre os diferentes povos.  Os cidadãos do Reino Unido resolvem regredir um pouco mais no caminho desta maior união, mostrando que o ser humano tem resquícios sim de desconfiança dos seus vizinhos e que um sentimento saudável de nacionalismo se degenera facilmente em uma tendência ao isolamento.

A história da humanidade é repleta de exemplos em que povos mantiveram por séculos um ranço que resultaram em guerras, diásporas e movimentos separatistas.  O Canadá, por exemplo, em 1995 esteve muito próximo de se separar em dois, numa demonstração que mesmo em um país rico e com sólidos fundamentos democráticos, o conceito de união entre povos diferentes pode ser fugaz.  Mas um dos mais marcantes eventos é a Catástrofe.

Gregos e turcos nunca se deram.  Por séculos na Idade Média, os gregos do Império Bizantino travaram uma árdua e ineficaz batalha para conter primeiro o avanço dos turcos seljúcidas e depois dos turcos otomanos.  Antes mesmo da queda de Constantinopla em 1453, os bizantinos já estavam em acentuado declínio e foram subjugados pelos turcos por quase 400 anos.  Durante o jugo otomano, gregos e turcos não se miscigenaram muito, mas suas populações se misturaram consideravelmente.  Cidades como Constantinopla, Adrianópolis, Esmirna e Tessalônica eram habitadas por turcos e gregos em razoável harmonia.  Com a independência da Grécia em 1829, a tendência foi a de se piorar as relações entre estes povos.

Mas até o início da I Guerra Mundial, gregos e turcos ainda coabitavam as mesmas cidades, sendo estas em território grego ou turco.  Como o Império Otomano se uniu aos Poderes Centrais liderados pela Alemanha, houve receio dos turcos que os gregos morando dentro das fronteiras otomanas viessem a se tornar insurgentes.  O resultado foi o início da expulsão de vários gregos de território otomano e por fim o genocídio grego que só foi interrompido com a derrota otomana para os Aliados no final da guerra.  A Grécia sentindo a fraqueza de seus adversários, invadiu em 1919, um ano após o fim da I Guerra Mundial, o Império Otomano no intuito de se reconquistar territórios que historicamente pertenceram aos gregos.  Essa guerra local terminou em 1922 quando os turcos rechaçaram todo o avanço grego.  Ao fim desta guerra, o Império Otomano tinha sido dissolvido e a República da Turquia formada, mas havia o problema que mesmo com o genocídio grego, ainda haviam bastante gregos em território turco, e vice-versa!

A resolução para aquela situação é conhecida como a Catástrofe da Ásia Menor, no qual as populações turcas e gregas em territórios opostos foram deportadas simultaneamente.  A definição de quem era turco ou grego era baseada praticamente na religião do cidadão.  Apesar do jugo turco muçulmano sobre os gregos ortodoxos, os primeiros sempre foram tolerantes com a crença dos segundos.  Cerca de 300 mil gregos ainda permaneceram em Istambul, novo nome de Constantinopla, mas gradualmente foram forçados a emigrarem para a Grécia devido a perseguições dos habitantes locais e do próprio governo turco.  Apesar de Grécia e Turquia terem fechado um acordo de compensação entre os dois países, o prejuízo individual de cada um dos deportados é incalculável.  Gerações de cidadãos de repente se viram na situação de deixarem suas cidades natais para emigrarem para uma terra até um certo ponto estranha, praticamente sem bens e com um futuro incerto pela frente.  Cidades inteiras na região da Anatólia foram abandonadas, causando certo prejuízo à economia turca.

Não consigo vislumbrar os britânicos agindo como os turcos fizeram no passado, mas com certeza o Brexit vai causar problemas graves.  Milhares de trabalhadores estrangeiros com passaporte comunitário participando ativamente da economia britânica se encontraram da noite para o dia em uma situação à priori irregular.  Empresas alemãs, francesas, italianas, etc. em solo britânico, que empregam britânicos, também terão dúvidas de como a situação destas ficará.  Ninguém em sã consciência promoverá deportações em massa ou confiscos de propriedades de estrangeiros, mas espere um gasto enorme com advogados e burocracia para se resolver essa situação.  E esta deve ser regularizada rapidamente, pois sempre haverão os aproveitadores tentando obter lucro da confusão inicial.  O problema é que qualquer solução justa e sensata demorará para ser atingida.

Na antiguidade, a extensão de uma nação era limitada basicamente pela capacidade de se mobilizar tropas e distribuir alimentos em todo o território.  Com os avanços tecnológicos, essa capacidade foi aprimorada permitindo que as nações se tornassem mais íntegras e extensas.  Industrialização, globalização, integração das cadeias de suprimento, parcerias de pesquisa entre outros fatores contribuíram para que desde o fim da II Guerra Mundial não houvessem mais conflitos entre os principais atores do cenário político mundial.  Sim, é claro que EUA e URSS não chegaram "as vias de fato" pelo temor da destruição mútua também.  Mas houve avanço notáveis desde então no quesito de integração entre as nações.

Mas o que impressiona, é que mesmo apesar de todos estes avanços, continuamos suspeitando de nossos vizinhos, às vezes com razão mesmo.  Quanto mais fragmentada for a humanidade, mais difícil será a resolução de problemas que espreitam no horizonte, como escassez de recursos naturais.  Aliás esse é um bordão repetido por vários que no instante seguinte criticam americanos, argentinos, russos, japonenses, ou seja lá quem for a vez de serem criticados.  Basta esse vizinho falar uma língua diferente, ter uma religião diferente ou não parecer conosco.  Gregos e turcos ainda brigam hoje por território no Mediterrâneo, mesmo ambos sendo membros da OTAN.  É difícil mesmo...


terça-feira, 31 de maio de 2016

A Rotação da Terra e o Burro na Sombra

Tentei mas não descobri de onde vem a expressão “amarrar o burro na sombra”.  Mas o significado é bem conhecido.  É o de estar com a vida ganha.  O detalhe é que muitos esquecem que devido à rotação da Terra, as sombras mudam de lugar durante o dia, o que pode ocasionar em o equídeo em questão ficar exposto ao sol.  Conheço alguns amigos e colegas que mesmo sabendo do “deslocamento do Sol no horizonte”, não se preocupam em procurar novas sombras.  Alguns se queimam, outros conseguem sobreviver a este momento de exposição passando certo sufoco.

Ao visitar uma fazenda de crocodilos na Austrália, lembro-me do guia falar que os crocodilos faziam basicamente duas coisas: armazenar energia e se reproduzir, o que ele admitiu serem as suas favoritas.  Podemos extrapolar para boa parte da população que existe uma tendência natural de procurarmos nos acomodar ao longo do tempo.  Outros não conseguem sequer imaginar a sua vida resumida a estas atividades prosaicas, precisam estar sempre progredindo ou sentindo que estão progredindo, apesar de poderem estar estagnados.  Esses diferenciados são necessários à civilização, pois graças a estes, negócios são gerados, avanços científicos são desenvolvidos e empregos são criados.

Mas e os demais que querem “armazenar energia”, o que os leva a se acomodarem?  Apesar de todo guru de RH tecer uma miríade de conceitos do que deve ser feito para se progredir na carreira, a verdade é que muitos não querem ou não enxergam nisso uma prioridade.  Um bom supervisor não necessariamente quer ser um gerente, e um bom gerente não necessariamente quer ser um diretor.  Quanto mais se ascende na carreira, mais responsabilidades serão incumbidas, mais tempo será consumido no trabalho, e mais será exigido das capacidades do profissional.  Conheço bons profissionais que simplesmente não almejam qualquer tipo de promoção, gostam do que fazem, até se dedicam mais do que o necessário.

Dois problemas surgem com esse tipo de atitude, o primeiro mais óbvio é de se expor à concorrência de profissionais mais jovens com mais ambição e menor custo muitas vezes, o que pode fazer com que a empresa promova uma “reciclagem”.  Funções com baixo grau de complexidade e na qual a experiência do profissional é pouco exigida são onde profissionais estão mais vulneráveis a serem “reciclados”.  Os acomodados algumas vezes superestimam suas importâncias em uma empresa e menosprezam a capacidade e o ímpeto de recém-formados.  Esses acomodados até não acreditam que vão se aposentar como assistentes e auxiliares, mas são tomados por uma letargia que os impedem de se mexerem.  Algumas empresas institucionalizam esses acomodados numa simbiose frágil, muitas vezes por receio de não encontrarem alguém no mercado de trabalho que possua a mesma dedicação, ou até pela formação de um vínculo emocional do patrão com o empregado.  No Brasil, esse tipo de simbiose é perigosa devido à nossa obtusa legislação trabalhista, uma vez que um funcionário antigo tem em várias ocasiões aumentos consecutivos de salário (dissídios) acima do crescimento da empresa, além do crescimento da multa rescisória do FGTS.   

O segundo problema é o de se menosprezar as lentas, mas constantes, mudanças na macroeconomia e no mercado de trabalho.  O maior erro que um funcionário pode cometer é o de se achar imprescindível à sua empresa.  Poucos são capazes de enxergar mudanças e tendências no mercado de trabalho que podem resultar até na extinção de setores da economia.  Mas a minha impressão é que menos ainda são aqueles dispostos a tomarem atitudes para se recolocarem mesmo sabendo de riscos eminentes.  Quantos bons datilógrafos perderam seus empregos quando as empresas começaram a passar a usar processadores de texto tipo Word Perfect ou Microsoft Word?  Acredito que alguns deles mesmo sabendo do avanço da informatização, não acreditaram que seriam atingidos.  Outras vezes, o sinal dos tempos não precisa ser no macro, basta ser no micro, a empresa pode estar dando sinais de que promoverá cortes, mas são poucos que buscam refúgio em águas menos turbulentas.  Preferem agonizar por meses imaginando se vão ser demitidos ou não.  Em tempos de crise como a atual, fico surpreso que aqueles que mais procuram headhunters, empresas de recolocação, agências de emprego e outros são aqueles que estão desempregados.

Procurar emprego não é uma tarefa fácil e é demorada.  Exige dedicação, tempo e também resgatar contatos para se fazer o famoso networking.  Quantos de nós, ao final do dia queremos simplesmente relaxar com a família, assistir TV e nos desligarmos do trabalho ao final do dia?  E quantos de nós iremos ao final do dia redigir currículos ao gosto de empresas e agências na esperança que dentro de meses isso resulte em uma oferta de emprego?  É mais cômodo tocarmos o dia a dia no local de trabalho e torcer pelo fim das tormentas de momento e ignorar os fatos.  Além do que, quem quer perder as férias acumuladas ou na pior hipótese perder 40% de multa do FGTS depositado?  Mesmo que o prejuízo do desemprego seja superior a multa, essas tentações momentâneas fazem com que muitos fiquem na sombra mesmo com o Sol se movendo no horizonte.

É claro que a precipitação é um mau motivador para tomarmos atitude, às vezes passamos de um emprego com situação momentânea ruim para um emprego com situação permanente pior.  Há que sermos cuidadosos de não se mudar de emprego com frequência alta para não ganharmos a pecha de mercenário, no qual as empresas contratantes terão sérias dúvidas do comprometimento do funcionário.  Mas alguns sinais que o sol está se movendo devem ser observados: ociosidade, disparidade com a idade média dos equivalentes, estagnação em tarefas simples, distanciamento da chefia, entre outros bem menos sutis.  Observado isto, é hora de se procurar uma nova sombra.

As empresas devem tomar cuidado em não criar climas de insegurança generalizada e nem em exigir que todo funcionário almeje ser o diretor superintendente um dia, erro ainda comum cometido pelas chefias e os departamentos de RH.  Empresas que promovem excessivas “reciclagens” reduzem o moral de seus quadros, resultando em possíveis perdas de bons empregados, e incorrem no risco de contratarem substitutos pouco qualificados.  Afinal, os primeiros a saírem de empresas em turbulência são os mais qualificados, pois tem mais capacidade de se recolocarem, e só depois os acomodados.  Este é o motivo que as reciclagens devem ser feitas com muito critério e cautela.

Mas as empresas não são família e nem resort no Caribe para providenciar conforto e acomodação para seus empregados.  A sensação de tranquilidade e acomodação quem deve procurar somos nós e não esperar que isso venha de uma empresa.  É claro que é sempre bom trabalharmos em um local onde temos respeito e reconhecimento do histórico, da experiência e do legado de anos de bons serviços, mas não devemos esperar que isso seja certo e merecido.  Civilizações entraram em declínio por se acomodarem em situações transientes e o mesmo raciocínio é válido para nós.


terça-feira, 19 de abril de 2016

E Agora Michel?


Aleluia!  Demorou, mas finalmente foi dado o primeiro passo concreto para se apear do poder o PT retirando seu membro mais inepto, Dilma Rousseff, da posição onde o maior dano poderia ser causado.  Tudo indica que o Brasil vá ser comandado nos próximos anos por Michel Temer.  Não adianta espernear dizendo que ele não recebeu nenhum voto para presidente, pois Itamar Franco, Jango Goulart e outros também não receberam, mas assumiram o posto por terem sido eleitos vice-presidentes.  O brasileiro tem de ter mais critério para eleger presidentes e também mais atenção em quem está votando para vice-presidente, pois há sempre a chance deste vir a assumir o cargo de presidência.

Discussões à parte, Temer deve assumir em algumas semanas a presidência, a não ser que o Senado resolva recolocar o país em estado de convulsão não admitindo a denúncia aprovada na Câmara.  E então vem a pergunta que os brasileiros deveriam estar fazendo: e agora Michel, o que vais fazer?  Tirando os petistas de carteirinha, não havia dúvida que Dilma estava cavando um poço mais fundo para atolar o país, mas será que Temer sabe o que fazer para nos tirar do poço?  Quais as medidas que devem ser tomadas de imediato e no médio prazo para que possamos respirar e termos esperança?

Primeiro, o Brasil precisa mostrar para o mundo que é um país sério e que tem profundo respeito pela democracia.  É claro que parte da imprensa estrangeira, desprovida da mínima coerência e diligência, ou simplesmente por má fé mesmo, acredita que os motivos para o afastamento de Dilma são frágeis e que o que houve é um quase golpe.  É necessário escancarar as atrocidades fiscais cometidas nestes 5 anos de Dilma e pelo menos indicar que o Poder Executivo vai se comprometer em respeitar a Lei de Responsabilidade Fiscal, algo que o mercado financeiro e as agências de risco vão estar de olho.  E claro, esse comprometimento é necessário para que os contribuintes não tenham que ver sua renda diminuída por mais impostos ou inflação.  Não vai ser nada fácil.

De qualquer maneira, o novo governo deve mostrar um alinhamento com as mais sólidas democracias e se afastar de ditaduras e protoditaduras.  Mais claramente, adotar uma postura de distância de Cuba e Venezuela enquanto estes países mantiverem regimes de supressão de liberdades individuais.  A proximidade obscena do PT com Castro, Chávez, Maduro entre outros, além de repugnante, sempre me fez indagar se Lula e amigos queriam implantar no Brasil regimes semelhantes.  Ter conversas mais estreitas com países como EUA, os da Comunidade Europeia, Japão e outros não só demonstra uma postura diferente como permitirá uma possibilidade de se abrir canais de comércio com nações ricas no futuro, algo que empresários sérios nesse país desejam para ampliar seus negócios, gerar mais riquezas e empregos.

Também de imediato, Temer pode reduzir drasticamente os gastos com o “Bolsa Companheiro”, que é talvez um dos maiores sorvedouros de recursos do Brasil.  O governo do PT tem cerca de 20 mil cargos distribuídos para funcionários não concursados.  Conhecendo a qualidade do governo de Dilma e o caráter dos altos dirigentes do PT, creio que a maioria desses funcionários deve ser composta por parasitas que além de não fazerem nada de útil, atrapalham o bom funcionamento das instituições.  Isso sem contar a dinheirama que é despendida com os “movimentos sociais”, sindicatos e similares como CUT, UNE, MST, etc.  Uma auditoria de quanto dinheiro foi gasto com essas pragas e como foi gasto este dinheiro seria desejável, mas se pararem de gastar com estes já ajudará em muito o resto do país.

Depois disso, as coisas se complicam e bastante.  Temer e seu partido nunca me passaram a impressão de serem discípulos de uma administração da coisa pública eficiente, correta e responsável, aliás, a impressão que tenho do PMDB é bem oposta.  O PT passou anos aparelhando, inchando e sucateando a administração pública e está na hora de um choque de competência para que essa combalida administração pública comece a fazer bem para o país ao invés de travar o nosso crescimento e infernizar nossa vida.

O país tem leis ou arcaicas ou absurdas que dificultam a economia e a geração de empregos.  A nossa legislação trabalhista é cheia de “direitos trabalhistas” que fazem que qualquer empregador sensato pense bastante antes de contratar alguém que implicitamente terá uma miríade de benefícios sem necessariamente em contrapartida ter de mostrar um desempenho no emprego.  A nossa previdência está quebrando, se já não estiver quebrada, mas todos os brasileiros querem ganhar muito quando aposentados e gastar pouco para contribuir antes da aposentadoria.  O nosso sistema tributário parece ter sido escrito pelo próprio Franz Kafka, não só se gasta um absurdo de impostos como também se perde muito tempo pagando impostos.  Reformas trabalhistas, previdenciárias e tributárias são urgentes, mas não vejo os velhacos que infestam o PMDB tendo essas reformas como objetivo.  Se Temer não cogitar essas reformas, dificilmente o Brasil poderá alçar voos mais altos que aqueles de uma galinha.

A nossa infra-estrutura está sucateada graças às ideologias burras do petismo, bem como a sanha de poder meter a mão no dinheiro público, e precisamos modernizar estradas, ferrovias, aeroportos, portos, etc.  Relançar PACs ou algo similar seria no mínimo deprimente. O país não tem dinheiro, então que os recursos para esta modernização sejam originários do setor privado.  Se Temer for adepto da retórica nacionalista míope, podemos esperar que as previsões do filme “De Volta para o Futuro – Parte 2” se concretizem e que em breve não precisemos de estradas ou de usinas elétricas.  Acho improvável...

E por último, mas igualmente importante, um combate implacável à corrupção endêmica do país.  O governo brasileiro precisa ser menor e mais transparente.  Os gastos públicos devem ser menores e precisam ser informados ao público.  O PT torra a nossa grana com hospedagem em hotéis caros, aluguéis de limusines, voos de primeira classe e esconde esses gastos do público.  É simplesmente inaceitável.  Apesar do PMDB não ser nenhum campeão de lisura, fica a esperança que Temer implemente os mínimos mecanismos para o escrutínio de como nossos impostos são gastos.

Estes são alguns dos pontos que Michel Temer e seu novo governo devem abordar nos primeiros momentos.  Há muitos outros como redução do número de ministérios, retomada das privatizações, independência do Banco Central, que também são igualmente necessários e importantes.  O novo governo deve levar a crise a sério, saber articular uma união entre os partidos que se opuseram à Dilma e tentar colocar de novo o país no eixo.  Pior do que não sairmos da crise nos próximos anos, é termos de cogitar a possibilidade de ter alguém eleito em 2018 que nos coloque de novo no fundo do poço.  Michel, não nos desaponte!

segunda-feira, 28 de março de 2016

Como Chegamos Até Aqui?



Recentemente, o americano Mark Manson fez um razoável sucesso e barulho nas redes sociais ao publicar uma carta aberta aos brasileiros relatando no seu entendimento o porquê da antiga Terra de Santa Cruz não dar certo e de nossas tentativas de vôos de águia se transformarem em de galinha.  Lista entre os problemas de nós brasileiros o desrespeito às regras e a complacência com aqueles que desrespeitam as regras, e também cita até a vaidade como um desses problemas, uma vez que nós brasileiros gastamos nossos recursos e tempo em adquirir bens caros sem necessidade.  Realmente, esse último item é verdadeiro, pois nos EUA por preços muito mais acessíveis podemos comprar estes mesmos bens desnecessários.  Pode-se rebater os argumentos de Manson, mas no fundo sabemos que muito do que ele escreveu é verdade apesar de suas conclusões serem um pouco exageradas e incompletas ao meu ver.

À medida que as páginas policiais ditam o rumo de nossa política e economia, o Brasil tem se unido para apear do poder a quadrilha que lá se instalou e tirar a economia do fundo do poço.  Aliás, este é um poço que Dilma insiste em cavar para nos afundar mais ainda.  É provável que consigamos expurgar a encarnação viva da incompetência que habita o Palácio da Alvorada, e que isso traga um alívio momentâneo para nossa combalida economia resultando em maior geração de empregos, menos inflação e menor recessão, mas o que impede de nós continuarmos aumentando este poço?  Para responder isto, o brasileiro deve tentar entender como chegamos até aqui.

Manson afirma que toleramos a desonestidade alheia e endêmica desta terra, o que poderia explicar o porquê de tantos políticos serem corruptos.  Embora políticos corruptos não sejam exclusividade do país, aqui temos uma categoria de políticos corruptos resilientes de fazer inveja a qualquer outro país.  Renan Calheiros e Paulo Maluf são provas vivas que de norte a sul deste país meter a mão no dinheiro público com frequência não resulta em punições eficazes da justiça e nem em reprovação pública.  Porém, nada se compara a reeleição de Lula em 2006 após o escândalo do Mensalão.  Isto é uma mácula na história brasileira no qual o povo brasileiro não pode culpar ninguém mais além de si próprio.  Usando de uma lógica que alternava entre a ignorância consciente e o mais puro cinismo, o eleitorado brasileiro não condenou nas urnas Lula.  A aprovação de um político complacente, para não dizer participante, com um escândalo de corrupção daquela magnitude foi o sinal verde para que a administração do PT avançasse mais ainda encima do patrimônio brasileiro.  Mas mesmo assim a opinião pública aprovou e celebrou a condenação dos demais envolvidos no Mensalão numa demonstração de incoerência.

Lula é dotado de uma esperteza incomum e um carisma singular, o que infelizmente ele usou para eleger Dilma em 2010.  Esta é uma pessoa com um carisma de um morcego e uma liderança de um rinoceronte.  E mesmo com a economia desandando, o brasileiro decidiu reeleger Dilma em 2014.  Como?  As promessas de campanha de Dilma eram tão absurdas que uma análise simples mostrava que o país estava na beira do precipício.  Será que o brasileiro é tão crédulo assim para acreditar em um populismo do mais rasteiro possível?

Aí entra minha percepção dos verdadeiros problemas do Brasil.  Somos um povo que acreditamos em milagres, principalmente se eles vierem do governo.  Esse é para nós uma entidade mística que do éter pode transformar pobreza em riqueza.  Se não faz isso é porque se interessa em defender os interesses dos ricos.  E é claro, no Brasil acredita-se que a pobreza é resultante da exploração dos pobres pelos ricos.   Enquanto um empresário que gera negócios e empregos for visto como um explorador da massa operária, o país estará condenado à estagnação.  Afinal qual o investidor vai querer abrir um negócio, com risco de ser associado a um vilão?  Mais fácil ser especulador ou investir em negócios em outro lugar.  O PT soube e sabe explorar essa percepção equivocada, resultando em vitórias eleitorais.  A inépcia crônica e vergonhosa da oposição fez com que até a reeleição de Dilma o PT fosse o partido dos pobres e os outros demais os partidos dos ricos exploradores.

Mas o que é chocante é que a percepção equivocada da situação não foi exclusiva da população mais pobre e humilde, ela foi compartilhada por uma considerável parcela de pessoas mais instruídas.  E até mesmo pelo mercado financeiro, afinal foi após o Mensalão, em 2008, que a bolsa atingiu 72 mil pontos, patamar jamais repetido, ganhamos grau de investimento, mostrando como as agências de risco são pouco confiáveis, o dólar atingiu um patamar de quase R$1,55, mostrando que até o estrangeiro é equivocado, e a The Economist mostrou o Brasil decolando.  É claro que o mercado financeiro e a The Economist em 2014 tinham revisto por completo a opinião da administração petista, mas isso demonstra como na teoria instituições mais esclarecidas são capazes de menosprezar o efeito nocivo de políticas populistas comandadas por pessoas e organizações com objetivos escusos.

A euforia que assolou o país durante o governo Lula cegou os lúcidos, resultando na nossa incapacidade de reconhecer que era insustentável a manutenção da verdadeira farra promovida então.  Quando se demos conta que beirávamos o precipício, faltou a oposição ser mais incisiva e altiva para minar a campanha de Dilma em 2014.  A vitória dela foi apertada, mas ela ocorreu para a mais completa desgraça brasileira.


Agora o Brasil luta para não sucumbir à tempestade que nos assola, luta para o país não regredir quase 30 anos em termos econômicos e luta para que os corruptos de plantão tenham a punição merecida.  Quando Collor foi destituído em 1992, lutávamos pelas mesmas coisas e em 10 anos colocamos um dos políticos mais corruptos e nefastos no poder.  O PT alega que a corrupção é uma senhora antiga.  Na verdade, o PT não inventou a corrupção, mas ele é fruto de nossa permissividade com práticas pouco éticas com a coisa pública.  Esse é um momento de reflexão que o país deve passar por, para que nunca mais façamos o mesmo erro.  Para isso é necessário admitir que o povo brasileiro errou e identificar o que temos de mudar.

domingo, 31 de janeiro de 2016

O Paradoxo Inuit



O jovem americano Christopher McCandless em 1990 resolveu largar sua vida de recém-formado em história e antropologia, suas possessões e sua família para trás e se aventurar pelos EUA afora como um nômade vivendo uma vida “mais simples”.  Seu objetivo era adentrar a natureza selvagem no Alaska, onde veio a falecer sozinho em 1992.  Para quem viu o comovente filme de Sean Penn, Na Natureza Selvagem, a estória de McCandless é familiar.  O que o filme retratou incorretamente foi a maneira que McCandless morreu, pois enquanto o filme mostrou que McCandless morreu ao ingerir alimentos venenosos, as autoridades concluíram que McCandless morreu de inanição.  Independente de qual versão se acredita, McCandless pagou um preço pelo seu despreparo e evidente desconhecimento de como sobreviver em um ambiente mais inóspito que aqueles em que vivemos.

Apesar de alguns poderem imaginar por desconhecimento geográfico que McCandless morreu próximo ao Polo Norte, na verdade ele faleceu no coração do Alaska, no Denali, ainda longe do Círculo Polar Ártico e ainda mais longe do Oceano Ártico.  Se McCandless encontrou dificuldades em uma área ainda não tão inóspita, imaginem como é a vida daqueles que sobrevivem nos confins do mundo, no litoral do Oceano Ártico.  Não falo dos estabelecimentos como Barrow no Alaska que apesar de ser no litoral do Ártico, é abastecida com produtos de áreas mais habitáveis, e sim dos inuítes, ou esquimós, que sempre viveram ali.  Apesar dos Yupiks não serem Inuítes, o termo Inuit é o aceito perante os aborígenes do Alaska, norte do Canadá e Groenlândia, pois estes consideram Esquimó um termo pejorativo.  A vida dos inuítes é realmente mais simples na teoria, apesar de seus costumes, não tem que se preocupar com que carreira irão seguir, contas bancárias, declaração de imposto de renda, parcelas do carro em atraso, reuniões de condomínio, etc.  As únicas preocupações é sobreviver caçando focas, raposas e outros animais, evitar morrer de frio no inverno (e até no verão) e se reproduzirem, é claro, para manter a continuidade da espécie.  Alguns inuítes mais idosos preferem o suicídio a se tornarem um estorvo para as famílias.  A vida é bem mais simples para estas comunidades, mas é muito mais dura.

Uma comunidade inuit isolada da sociedade é talvez o mais próximo que se possa chegar de um socialismo utópico.  Não há acúmulo de riquezas, e mesmo que algum inuit consiga carregar uma quantidade absurda de peles de raposas e outras quinquilharias, estas terão uma liquidez limitada na “economia inuit”.  Todos devem trabalhar em prol da reduzida comunidade, e existem líderes para colocar um mínimo de organização e foco nas atividades inuítes.  Pobreza e miséria ocorrem quando a comunidade é incapaz de encontrar alimentos.  As crianças inuítes tem como aspiração se tornarem grandes caçadores ou se conformarem em realizar as necessárias tarefas domésticas.  Não há espaço para improdutividade em uma comunidade inuit, pois isso pode significar não haver alimento para sobrevivência no dia seguinte, portanto não existem inuítes acomodados sem trabalhar recebendo  benefícios do governo.

A nossa sociedade, incluindo a brasileira, avançou consideravelmente desde o início da História, permitindo que a produção de alimentos seja mais farta e que não demande, na maioria das vezes, tanto do nosso tempo.  Essa fartura permitiu que pudéssemos nos concentrar em outros aspectos da nossa vida, como nossa saúde (na teoria pelo menos), educação para nós mesmos e nossos filhos, incrementar o conforto de nossos lares, e até mesmo em lazer.  As nossas sagradas férias são comuns, mas imagino que para um inuit ter férias tem que ter caçado uma baleia, para o desespero dos ambientalistas, para poder ter um mês de alimento pelo menos.  O que impressiona na nossa sociedade é a complexidade das atividades que são requeridas para que possamos produzir esta quantidade de alimentos, além dos outros bens e serviços que consumimos.  Enquanto a complexidade da atividade econômica inuit é encontrar os alimentos, a nossa chega ao nível de modificar o DNA destes, para o desespero dos “eco-chatos”, e realizar previsões metereológicas mais precisas para antever os eventuais contratempos da natureza selvagem, que continua a nos incomodar.  Um único inuit pode ser capaz de cuidar de toda a atividade econômica da comunidade, enquanto que nós só seremos capazes de cuidar de uma parcela reduzida da atividade da nossa sociedade.  Às vezes nações inteiras são incapazes de suprir todas as necessidades de sua população e precisam importar bens.

A complexidade da atividade econômica cada vez mais requer uma maior capacitação da força de trabalho, conhecimentos mais específicos e uma versatilidade que vai além da capacidade de vários profissionais.  A impressão que tenho é que no futuro, existirão profissões que demandarão uma formação que um indivíduo só poderá atingir quando tiver 40 anos, mas é claro que o departamento de RH da empresa almejará um jovem de 22 anos, ou menos, com toda essa capacidade.  Para aqueles que de repente percebem que suas proficiências não estão mais em alta no mercado de trabalho, pois a atividade econômica apesar de não ser um ser vivo é orgânica e mutável, fica o desafio de desenvolver novas proficiências para se adequar às demandas.  É similar a uma comunidade inuit descobrir que as focas desapareceram dos arredores e terem de procurar a vários quilômetros de distância outras focas ou outro animal que possa servir de alimento.  Apesar de termos muitas mais demandas de profissões diferentes, muitos de nós por falta de capacitação, por preconceito do mercado de trabalho estamos condenados a tantas oportunidades profissionais como aquelas disponíveis para os inuítes.

Sim, mesmo nos dias de hoje há miséria e escassez de alimentos em alguns lugares.  Mas apesar disso, enquanto podemos consumir mais de 3000 calorias em um dia, para o desespero dos nutricionistas de plantão, enquanto um inuit consumirá isso se esbaldar na carne mais gordurosa de uma obesa foca.  Hoje em dia, aqui no Brasil podemos comprar salmão na feira, algo impensável antes do Chile criar este peixe em suas fazendas, pois importar esse peixe era somente para os mais abastados.  Isso é um exemplo de como a oferta de alimentos é diversificada a preços acessíveis ao longo dos anos.  Outros produtos são barateados ao longo dos anos graças ao avanço tecnológico e também à maior capacitação dos profissionais envolvidos na cadeia produtiva, inclusive a de serviços mais complexos.

Nações que se aventuraram pelo socialismo encontraram o fracasso retumbante justamente pela essência equivocada deste modelo que julga que é possível domar e entender a complexidade da atividade econômica e das necessidades do mercado de trabalho.  É claro que essa crescente complexidade vem a criar um desafio enorme para as nações diante da exigência de um capital humano cada vez mais aprimorado, sendo que aquelas que tiverem o melhor capital humano se sobressairão em um possível detrimento de outras.

Muitos inuítes estão sendo assimilados pelas sociedades americanas (no Alaska), canadenses e dinamarquesas (na Groenlândia).  Ao executarem tarefas com um mínimo de complexidade, são capazes de acumular riquezas, pelo menos muito mais que em comunidades isoladas e nômades, para que possam comprar alimentos sem ter que caçá-los.  Se estes inuítes forem sensatos o suficiente, poderão até acumular riquezas para adquirirem alguns dos bens e serviços que estas sociedades norte-americanas disponibilizam a seus cidadãos.

O paradoxo inuit é que a ciência e a maior capacitação do ser humano nos proporcionam muito mais que o isolamento e o estilo nômade podem oferecer, mas mesmo assim muitos de nós não se adequamos às mudanças do mercado de trabalho, com o agravante que muitas vezes não somos nem adequados para as tarefas mais simples.  Afinal quantos de nós conseguiríamos sobreviver 1 ano ao norte do Círculo Polar Ártico?  Não saberíamos caçar focas, fazer casacos de pele de raposas e o mais provável que seríamos comida de urso polar.  O progresso de nossa sociedade nos tornou inábeis para algumas tarefas primordiais essenciais.  Christopher McCandless mostra que não estamos nenhum pouco preparados para um retorno à Natureza Selvagem.  Por mais tentador que seja nos livrar de todos os problemas que temos, somos dependentes do supermercado, do seguro médico, do posto de gasolina, entre outros serviços disponibilizados pela nossa sociedade moderna.  Mesmo que venhamos a se mudar para o "meio do mato".


sábado, 23 de janeiro de 2016

De Edirne à Colônia


Os 2.170 km que separam as cidades de Colônia na Alemanha e Edirne na Turquia podem ser percorridos em cerca de 21 horas passando por outros 6 países.  Ambas cidades foram fundadas pelos romanos na antiguidade, mas outra coincidência pode ser traçada entre as duas por incidentes envolvendo imigrantes.  Colônia recentemente foi marcada, na última Véspera de Ano Novo, pela onda de ataques sexuais a cerca de 100 mulheres locais por grupos formados por refugiados da Síria e imigrantes ilegais, pelo menos os que foram identificados pela polícia local pertenciam a estas categorias.  Este foi um episódio marcante que chocou a Europa e também a opinião global e que tem várias similaridades com a histórica Batalha de Adrianópolis travada no ano de 378 DC.

No século IV, os bárbaros começaram a ser cada vez mais incômodos ao Império Romano, que já havia se dividido em dois.  Os constantes embates com os romanos na fronteira dos dois impérios erodiriam a integridade da nação mais poderosa da Idade Antiga.  Entretanto, os bárbaros passavam longe de ser uma comunidade unida e amistosa entre si.  Os temidos Hunos avançavam da Ásia para o Leste Europeu obrigando os povos desta região a se deslocar para outras áreas, entre eles os Godos que começaram a emigrar para dentro do território romano, em específico ao sul do Rio Danúbio nos Balcãs.  A motivação dos godos era em parte semelhante à dos sírios fugindo do terror praticado pelo Estado Islâmico em suas terras.

Inicialmente, o movimento migratório iniciado em 376 era satisfatório para ambas as partes, os godos poderiam obter refúgio dos hunos em território romano e os romanos compensariam o seu encolhimento demográfico usando os godos para se tornarem soldados, fazendeiros e trabalhadores necessários para reerguer a decadente economia do império.  Mas o tratamento injusto dispensado pelas autoridades romanas locais aos godos rapidamente colocou os dois povos em pé de guerra.  Os romanos subestimaram a quantidade de refugiados godos que atravessaram o Danúbio e não tinham comida suficiente para alimentá-los.  Para piorar, os governadores locais começaram a cobrar preços exorbitantes pelos alimentos, forçando os godos a até venderem suas crianças como escravos.  Enquanto os romanos deslocavam suas tropas para confrontos com os iranianos, um novo inimigo surgia no coração do império, que menosprezou a capacidade de organização dos imigrantes e também a capacidade militar destes.

Temendo pela agressividade dos godos, que se rebelaram e começaram a saquear cidades romanas, o imperador romano oriental Valente chamou de volta suas tropas no Oriente Médio e pediu ajuda à sua contraparte ocidental, seu sobrinho Graciano, que enviou reforços para lidar com as crescentes hostilidades.  Graciano havia obtido vitórias contra tropas bárbaras no oeste europeu o que causou inveja em Valente.  Em 6 de agosto de 378, ainda sem os reforços ocidentais, Valente foi informado de uma tropa de godos se aproximando da cidade de Adrianópolis, atual Edirne.  Movido pela tentação de obter uma vitória contra os godos sem o auxílio de Graciano, Valente resolveu atacar os godos, que eram comandados por Fritigern, um líder godo que os romanos já tentaram assassinar anteriormente.  O que Valente não contava era que a informação do número de godos era incorreta, na verdade as tropas de Fritigern eram mais numerosas que o informado.  O líder godo ainda tentou um acordo com os romanos, mas Valente apesar de conselhos para esperar os reforços rejeitou o acordo e marchou para o combate.  Após várias horas de caminhada, as tropas romanas chegaram aos arredores de Adrianópolis exauridas debaixo de um sol castigador e contra uma tropa mais numerosa e muito mais bem equipada que se imaginava, e bem descansada.  O massacre era um resultado mais do que previsível diante de tanta prepotência e falta de preparo por parte dos romanos.  O imperador Valente foi morto, as tropas foram dizimadas, sem contar que os godos incapacitaram a produção de armas pelos romanos por um bom tempo naquela região.   Os godos com tropas reforçadas até mesmo com hunos continuaram atacando cidades do império apesar de não conseguirem vitórias contra as principais fortificações romanas.  Um acordo entre os povos beligerantes foi obtido posteriormente em 382, no qual os godos obtiveram vantagens importantes como novos “cidadãos” romanos.  Em 410, os visigodos saquearam Roma, em mais um passo para o declínio do império, um resultado do fracasso completo da estratégia de incorporar uma população estrangeira à nação romana.

Movimentos migratórios sempre existiram e continuarão existindo, nações foram formadas graças a estes, a cultura de um país pode se beneficiar em muito, isso sem contar que muitas vezes imigrantes contribuem significativamente para a força de trabalho do país.  O Brasil se beneficiou e muito dos movimentos migratórios ao longo dos séculos.  Hoje, o país possui uma cultura diversificada e rica graças a estes imigrantes.  A imigração é benéfica quando ela adiciona à nação, quando as gerações de imigrantes são assimiladas dentro da população local.  Mas se a imigração cria “uma nação dentro de uma nação”, os problemas surgirão como a história do Império Romano nos ensina.

Muito se mudou, para melhor, entre 376 até os dias atuais.  Hoje seria impensável, ainda bem, imigrantes vendendo crianças como escravas, mas a falta de preparo das autoridades da nação que recebe os imigrantes não mudou muito para o espanto geral.  Como os godos, os refugiados sírios chegaram à Europa em número maior que se previa e sem um planejamento adequado para estes serem absorvidos pelo mercado de trabalho local.  Em grandes números, os imigrantes tendem a se isolar da população local.  Xenofobia e discriminação não resolvem e até agravam, em algumas vezes, o problema.  Aliás, genocídios são iniciados a partir de preconceito como a história nos ensina.  Mas achar que os problemas de discriminação serão resolvidos só com boas intenções é ignorar as possíveis consequências de uma imigração maciça e desordeira.

Os romanos queriam soldados, enquanto a comunidade europeia procura profissionais com um certo grau de qualificação.  Muito se fala que os refugiados sírios possuem alto grau de instrução e podem trabalhar em empregos para o qual o encolhimento demográfico da Europa subtraiu profissionais.  Não duvido que hajam sírios bem formados e competentes, agora achar que a maioria da população tem essa capacidade é exageradamente otimista ao meu ver, ainda mais para um país com uma posição tão medíocre no índice de educação da ONU.  O resultado é que um mercado de trabalho exigente como o europeu não tem vagas para tantos refugiados, que vão acabar se ocupando de tarefas menos qualificadas que os europeus não gostam de realizar, isso se estas estiverem disponíveis.  A barreira da língua é outra que atrapalha e isola os imigrantes, dificultando a integração destes com a população local.  Mas a barreira cultural é o maior problema, ainda mais vindo de uma região onde os direitos das mulheres e a liberdade religiosa são pouco respeitados.  Qualquer concessão nesses pontos por parte dos europeus devido a “diferenças culturais” é inaceitável.  Os padrões de sufrágio, liberdade e direitos existentes nas nações desenvolvidas são aqueles que os imigrantes devem se adequar e não vice-versa.  O império da lei não pode ser alterado.


Os ataques às mulheres em Colônia mostram que há um conflito étnico existente em progresso e uma evidente subestimação do problema pelos europeus.  Como Valente em 378, a polícia local de Colônia não quis reforços e perdeu o controle da situação.  A postura “paz e amor” dos governos europeus não é eficaz e atiçará ainda mais a extrema direita, que é por definição xenófoba.  Não há solução fácil e nem evidente para este problema, sendo que este ainda pode se agravar.  E os ataques terroristas em Paris mostram que os bárbaros já cruzaram o Danúbio há muito tempo.


quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Direitos e Deveres de Martin Shkreli



O “Hitler dos remédios” foi um dos vários apelidos que o especulador americano Martin Shkreli, CEO da Turing Pharmaceuticals, ganhou após sua notória decisão de aumentar de US$13,50 para US$750,00 o preço do comprimido do medicamento Daraprim em junho de 2015, após comprar os direitos relativos a este dos Laboratórios Impax.  A medida repentina afetou severamente aqueles que dependiam do medicamento para combate de doenças como malária e toxoplasmose, no caso da última uma infecção oportunista comum em pacientes com AIDS.  Além de receber inúmeras críticas de associações médicas e farmacêuticas, de políticos americanos de todo o espectro desde Hillary Clinton até Donald Trump, Shkreli obteve bem mais que os habituais 15 minutos de fama, na verdade vários meses de infâmia.  Contratou lobistas e relações públicas, mas para certas atitudes e situações, não há marketing que resolva, nem João Santana faz milagre.  Recentemente, Shkreli foi preso por acusações de fraude, não relacionadas à celeuma do Daraprim, mas independente de sua culpa ou não, quem julgá-lo vai levar em conta, mesmo que inconscientemente, a ganância desenfreada de Shkreli demonstrada.

O que Shkreli fez com os usuários do Daraprim é claramente imoral e beira a chantagem descarada mesmo, por mais que teça inúmeras explicações para justificar o aumento abusivo.  Mas fica o questionamento, até onde vai o dever de um fabricante de medicamento em fornecer a um preço justo um produto mais que necessário para uma clientela que necessita deste para sobreviver, e até onde esse dever interfere com o direito de um dono de negócio de julgar como vender seus produtos e serviços e até mesmo de interromper o fornecimento destes produtos e serviços.  Shkreli mereceu todos os apelidos que ganhou nos últimos meses, mas sob certa ótica seguiu a regra os seus direitos como empresário.  Pergunte a qualquer outro empresário se ele gosta de sofrer ingerência governamental ou popular sobre como conduz seu negócio e com certeza obterá a mesma resposta: um não categórico.

A verdade é que o empresariado tem que ao tomar essas medidas controversas ter duas coisas em mente: primeiro esse tipo de medida é no mínimo antipática e deve ser evitada para se poupar o próprio empresário, e segundo que a longo prazo esse tipo de medida é pouco inteligente, para não dizer burra, pois apesar dos ganhos imediatos instiga a sociedade e o mercado a procurarem alternativas.  Publicidade negativa atrapalha e pode até castigar um negócio severamente, mas algumas vezes tem um efeito limitado.  Lembro quando a Microsoft era considerada uma corporação nociva por estar destruindo a concorrência com práticas abusivas, algo com bastante fundamento aliás, porém poucos ousavam em não usar o Word e o Excel para não incorrerem no risco de criar problemas para outros usuários.  Mas o risco maior é para o empresário.  Outra vez, Shkreli vai sentir o gosto dessa publicidade negativa em seu julgamento.  Além do que esse tipo de atitude serve para atrair carreiristas políticos que gostam de explorar essas situações.  Por muito menos Eliana Tranchesi foi presa por sonegação fiscal e condenada por 94 anos e meio.  Tranchesi passou a ter um alvo pintado nas costas no momento que inaugurou seu elefante branco em São Paulo, a Daslu.  Por mais que não fosse exatamente antipática, a ostentação desnecessária é interpretada como uma afronta por vários.

Na Idade Média, enquanto o Império Bizantino definhava e o Império Otomano conquistava os territórios por onde passavam as rotas das especiarias, os reinos ocidentais procuravam rotas alternativas para se atingir a Índia.  Com a queda de Constantinopla em 1453, os otomanos impuseram tarifas altas para os mercadores, impulsionando de vez as grandes navegações, marcando assim o início da Idade Moderna.  A necessidade sempre foi e será a mãe da invenção, conforme disse Platão, e tentativas de monopolizar um determinado produto ou serviço sempre foram contornadas com a criação de alternativas.  Tanto que a Imprimis Pharmaceuticals em outubro de 2015 anunciou a fabricação de um medicamento genérico que custa US$1,00.  Shkreli deveria ter aprendido com a OPEP a sempre estabelecer os preços de acordo com o mercado, em específico para não deixar produtos alternativos se tornarem mais economicamente vantajosos.  A própria Microsoft viu seu monopólio ser derrubado nos últimos anos.

Em um país onde o livre mercado é um pilar fundamental, a atitude de Shkreli é na verdade um atentado a este pilar.  Tentar lucrar com o desespero alheio é uma justificativa para ingerência.  O bom senso deveria prevalecer nestas situações, mas infelizmente ele é de difícil regulação.  Fabricantes de medicamentos como qualquer ramo de negócios têm direito ao lucro, os pesquisadores que muitas vezes gastam décadas e a vida tentando sintetizar uma droga específica que pode vir a demorar até mais para ser aprovada para uso têm direito a não terem após seu sucesso sua patente quebrada em nome de “um bem maior” para a comunidade.  A livre concorrência é e sempre será a melhor solução para os Shkrelis da vida e seus espasmos monopólicos de curta duração.