Na Segunda Guerra Púnica (218 – 201 AC), o
comandante cartagenês Aníbal aterrorizou os romanos invadindo a península
itálica inesperadamente pelo norte com um exército formidável que era famoso
pelos elefantes de guerra. Os romanos
tiveram que enfrentar por quase 15 anos o exército de Aníbal em seu território, no qual o cartagenês infligiu várias derrotas às forças locais.
Na história de Roma, excluindo a fragmentação do império nos séculos IV e
V, jamais houve tamanha adversidade enfrentada pelos romanos como esta que os
cartageneses impuseram. Mesmo assim, os romanos conseguiram se sustentar e defender como
possível contra uma força superior em seu território e obtiveram vitórias
contra os cartageneses em outras frentes de guerra. No final, Aníbal foi obrigado a abdicar de
suas posições na península itálica e retornar a Cartago para defendê-la, pois os
romanos contra-atacaram invadindo território cartagenês. A Batalha de Zama, na atual Tunísia, marcou o final deste
conflito com o sucesso romano e uma imposição de reparos de guerra duríssima
aos cartageneses.
O temor que os norte-africanos voltassem às
armas para um novo conflito e o ressentimento contra aqueles que quase os
derrotaram imperou em Roma nos anos pós-guerra.
O senador romano Catão, o Velho, freqüentemente entoava em latim “Delenda
est Cartago”, ou seja “Destruam Cartago”.
O ódio romano aos cartageneses foi o que causou a Terceira Guerra Púnica
(149 – 146 AC), que foi deflagrada pela absurda exigência romana aos
cartageneses de destruírem a própria cidade.
Após quase 3 anos de sítio, os romanos tomaram Cartago, dizimaram a
população local, escravizaram os sobreviventes e queimaram todas as construções. Diz a lenda que os romanos salgaram o solo
local para impedir que Cartago fosse reerguida, algo jamais comprovado e
atualmente desacreditado. Cartago foi
reerguida sob o jugo romano para ser destruída de novo pelos árabes em 698 DC. Hoje, Cartago faz parte da região
metropolitana de Túnis na Tunísia.
Em 1985, os prefeitos de Roma, Ugo Vertere, e
Cartago, Chedly Klibi, assinaram oficialmente o tratado de paz entre as duas
cidades que tecnicamente estavam em guerra desde o final da Terceira Guerra
Púnica. Foi um evento simbólico, obviamente,
mas cercado de certa pompa, pois refletia um gesto de paz e uma mensagem que há
momentos que conflitos devem terminar e não ser reacendidos. Seria insólito uma Quarta Guerra Púnica entre
italianos e tunisianos! Fico imaginando os
tunisianos inflados pela Primavera Árabe em 2011 exigindo reparações históricas
aos italianos por suas mazelas. Talvez
os italianos também exigissem reparações pelo terror em seu território causado
pelos elefantes de Aníbal. A Tunísia
desde a conquista romana, passou pelo domínio de vândalos, gregos, árabes, turcos
e franceses. Apesar da destruição de
Cartago ser comparada ao ataque à Hiroshima na Segunda Guerra Mundial, não há
dívida histórica a ser paga, há muito tempo.
Vindo para o cenário brasileiro, o conceito de
dívida histórica tem ganhado força nas últimas décadas. Em 2012, o STF julgou constitucional o
sistema de cotas raciais adotado pela UnB, como maneira de corrigir “distorções
históricas”. O fato da mais alta corte
ter se manifestado dessa maneira só aumentou o discurso de várias indivíduos, grupos
e entidades de orientação esquerdista que temos uma dívida histórica com as
minorias. Em um país de 43% de pardos e
7% de negros, fica a dúvida de quem é realmente minoria.
Recentemente, em mais um arrastão realizado no
Rio de Janeiro, (pseudo-)intelectuais e políticos de esquerda vieram à defesa
dos marginais alegando, outra vez, alegando que estes são discriminados socialmente e economicamente. No Facebook, onde reina as mais profundas
bobagens de esquerda, e de direita também, alguns mais imbecis ousam dizer que
os celulares roubados dos banhistas eram itens de ostentação da burguesia e que
os marginalizados tinham direito a um pouco de felicidade. Mas me estarreceu um post que dizia que o
primeiro arrastão foi promovido pelos portugueses em 1500!
Por mais que o post comparando o descobrimento
do Brasil com os arrastões nas praias cariocas seja levado a sério por uma
pequena parcela, isso mostra uma lógica perigosa que é insuflada neste país,
principalmente nos governos lulopetistas.
Os nativos americanos realmente foram vítimas de atrocidades nas mãos de
portugueses e espanhóis, principalmente destes últimos, mas se passaram 515
anos do descobrimento do Brasil e o momento é do país caminhar unificado para o
futuro. Além do mais, posso não ter as
estatísticas étnicas dos marginais, mas o que parece não foi nenhuma tribo
indígena que praticou o crime... E mesmo que fosse, algo que aconteceu há séculos não justifica sob qualquer hipótese esse tipo de crime sob o a fachada de reparação histórica.
O preconceito e o racismo são chagas da
sociedade que realmente existem e devem ser combatidos, mas o conceito de
dívidas e distorções históricas é um precedente perigoso para se criarem mais
distorções como as que já se multiplicam no país. Basta ver o caso da desocupação da Reserva da
Raposo do Sol em 2007 em Roraima, onde fazendeiros foram expulsos de suas propriedades
e vários indígenas que trabalhavam para os fazendeiros ficaram desempregados e
tiveram de deixar a reserva para procurar um sustento. A desocupação foi consolidada pelo STF também
e mostra um dos maiores perigos existentes para as instituições
brasileiras. Juristas com nítida
inclinação à esquerda em posições de tomada de decisões, como os do STF, podem
usar essa argumentação tosca, mas razoavelmente difundida, para se criar
instabilidade jurídica e ampliação de conflitos, ao invés de aproximação entre
os distintos.
O Brasil atual é um país democrático com amplos,
e exagerados, direitos individuais garantidos pela Constituição. Práticas como escravidão e ataques a aldeias
indígenas são ilegais, além de abomináveis, e não são praticadas pela maioria
da população há muito tempo. E quem
pratica algum desses crimes deve ser algo de ação da polícia e da justiça. Não sei qual o valor cobrado desta tal dívida
histórica, mas é repudiável a ideia de querer se passar um boleto para uma
parcela da população que não deve nada a nenhuma “minoria” de pessoas auto-declaradas discriminadas que
nasceram livres em um país que concede direitos plenos. Enquanto todos nós, sem
exceção, não abraçarmos a noção que somos todos iguais, apesar de diferentes, e
o que o Brasil menos precisa é de cizânia, o Brasil vai continuar caminhando
para o futuro com freio de mão puxado. O
conceito de dívida histórica é muito útil para aqueles que querem justificar
suas mazelas em função do sucesso alheio e um pretexto terrível para a
criminalidade. Afinal, qual o objetivo
de quem cobra essa dívida histórica, destruir o Leblon e outros bairros
burgueses? Salgar a praia de Ipanema? Queimar a Barra da Tijuca? Romanos e cartageneses precisaram de mais de
2000 anos para assinarem um tratado de paz, já aqui queremos rasgar a
Constituição e criar novas regras para atender um revanchismo caduco.