quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Celebrando o Samhain

A popularização do Dia das Bruxas nessas terras é recente, lembro que há uns 10 anos atrás, um punhado de crianças tocou a campanhia do meu apartamento para proferir "Travessuras ou Gostosuras".  É mais ou menos a época que comecei a ouvir as críticas dos mais nacionalistas que estávamos adotando uma festa americana (ou estadunidense) em detrimento do nosso folclore nacional.  Só digo que esse povo cansa.

Em 2003, foi apresentado um projeto de lei para a criação do Dia do Saci a ser celebrado no 31 de outubro, ou seja, concorrendo diretamente com o Dia das Bruxas, popularmente conhecido pelo seu nome inglês Halloween, uma corruptela de All Hallow's Eve, ou simplesmente a véspera do Dia de Todos os Santos.  Até mesmo se tornou lei estadual em São Paulo e a cidade de São Luiz do Paraitinga incorporou este dia no calendário de festividades daquela cidade turística.

Muitos historiadores concluem que o formato do Halloween é o resultado do sincretismo religioso do cristianismo com religiões pagãs celtas.  As comemorações da véspera do Dia de Todos os Santos teriam absorvido vários rituais pagãos incluindo o celta Samhain, no qual se observava o fim da época da colheita.  Os celtas faziam oferendas aos espíritos no Samhain para que pudessem sobreviver a metade mais sombria do ano, o outono e inverno no hemisfério norte.  Alega-se que os escoceses e irlandeses se vestiam como espíritos para obter estas oferendas, ou talvez para enganar os próprios espíritos.

Nota-se que o Halloween é, portanto, uma comemoração celta, perpetuada por seus descendentes, escoceses, irlandeses e galeses, que foi absorvida pelos americanos, já que povos de origem celta, em específico os irlandeses, emigraram em massa para os Estados Unidos.  Esse país popularizou a comemoração para o resto do mundo, mas não o criou.  Da mesma maneira que os italianos não inventaram a pasta, mas popularizaram a invenção chinesa na Europa. 

O Brasil é um país cuja grande parcela da população tem ascendência europeia e que observa o cristianismo.  O Saci tem origem em mitos tupis-guaranis e foi modificado segundo historiadores pelos escravos brasileiros, daí ter se tornado uma criança mulata.  Apesar de ser uma das lendas mais populares do Brasil, o saci não tem um apelo tão forte no próprio Brasil quanto aos costumes celtas popularizados nos EUA.  Todas as minorias merecem respeito, mas a maioria merece igual respeito.  Impor uma data sem nenhum significado, pagão ou cristão, baseado numa figura de significado tênue para muitos é uma idiossincrasia.

No dia 31 de outubro, as crianças brasileiras não estão interessadas em saci e apesar de leis criadas, o Halloween ganhou força aqui.  Pode-se alegar que o brasileiro tem complexo de inferioridade e desprezo pelas próprias tradições, mas acredito que simplesmente o Halloween é um evento bem mais divertido e melhor comercializado que qualquer alternativa criada nestas bandas para o Dia das Bruxas.  Melhor teria sido tropicalizar o Halloween colocando o saci como uma opção para as crianças se fantasiarem.  Outros feriados cristãos, como Carnaval e as Festas Juninas, ganharam bastante força aqui no Brasil sendo tropicalizados.  Já o Thanksgiving, ou Dia de Ação de Graças, um dos principais eventos do calendário americano, tem uma importância mínima aqui, uma prova que não importamos tudo da terra do Tio Sam.

Os mais católicos, além de outros cristãos, reclamam que o Halloween é um rito pagão que celebra algumas figuras "pouco cristãs" como Satanás e Drácula.  Respeito quem opta por não prestar nenhum tipo de reverência a estes tipos de figuras, mas há de se dar crédito ao bom senso dos pais das crianças fantasiadas a caráter e também das crianças que crescerão sem se tornarem adoradoras do oculto.  E quanto ao Halloween ser um rito pagão, pergunto onde exatamente na Bíblia está a explicação para o Natal ter as renas de Papai Noel e para o coelho ser o personagem principal da Páscoa?  Esse povo também cansa.

No fim das contas, o crescimento do Halloween no Brasil mostra que ainda tem muita gente sem o que fazer e que decretos tentando moldar os gostos das pessoas são fadados ao mais retumbante fracasso.  Não lembro de ninguém comemorando Dia do Saci aqui no meu prédio!  De qualquer maneira, o Saci continua popular entre os fãs do Monteiro Lobato e a torcida do Internacional.