sexta-feira, 2 de março de 2018

Enfrentando a Juniorização

A vida começa depois dos 40!  Esta é uma frase um tanto disseminada para animar aqueles que adentram os 40 anos tentando fazê-los diminuir o foco na juventude que vai ficando para trás.  Conheço gente que sente bastante saudades de outras épocas e outros que fazem vários planos para a segunda metade da vida, afinal o tempo é implacável e não adianta muito olhar para trás mesmo. Em outras épocas, a idade dos 40 era razoavelmente avançada, uma vez que o tratamento para enfermidades era bem precário e os constantes conflitos bélicos entre as nações reduziam significativamente a expectativa de vida da população.  Hoje temos tratamentos bem eficazes para doenças que antes eram letais, e desde 1945 não há um conflito de grandes proporções que resulte em milhões de mortos, como foi a Segunda Guerra Mundial.  Isso traz alguns novos (ou nem tanto) desafios para os "quarentões" que vislumbram muitas vezes quase meio século a mais de vida pela frente.  Entre estes desafios estão aqueles da vida profissional já que a aposentadoria nesses tempos modernos está sendo empurrada para a casa dos 70 anos por necessidade.

O derradeiro debate entre os dois candidatos à presidência em 2014 foi marcado pela pergunta de Elisabete Timbó, uma economista de 55 anos, que queria saber que medidas os candidatos pretendiam tomar para auxiliá-la já que estava há 2 anos sem emprego, situação comum a vários outros brasileiros.  Enquanto Dilma sugeriu de maneira obtusa e até mesmo cínica que obtivesse uma qualificação maior fazendo um curso no PRONATEC, Aécio Neves argumentou que primeiro era necessário resolver problemas macroeconômicos para que a economia crescesse para que houvesse geração de empregos qualificados.  Por mais sensata que tenha sido a resposta de Aécio, em específico se for comparada com a bobagem (mais uma) proferida por Dilma, esta é uma resposta um tanto evasiva que não aborda um problema que a macroeconomia tem impacto menor na carreira do profissional mais maduro do que Aécio inferiu.

Empresas que se tornam grandes conseguem isso porque em algum instante souberam se organizar adequadamente, inclusive no que diz respeito ao seu organograma.  Dificilmente veremos uma empresa de mais de 1000 funcionários ter uma razão de subalternos para gerentes (ou supervisores) pequena, se isso ocorrer, recomendo sair logo, pois não só está fadada ao fracasso como o ambiente de trabalho deve beirar o insuportável.  Isso significa que empresas bem-sucedidas possuem um afunilamento considerável na sua estrutura, mantendo assim uma maior agilidade em tomadas de decisões estratégicas e uma folha salarial em patamares saudáveis.  Ascender verticalmente em um organograma não é fácil, e nem deveria ser, o que tem um efeito sensível no horizonte profissional dos funcionários da empresa.  Há aqueles que com a experiência, adquirem um considerável conhecimento técnico e, mesmo não gerenciando subalternos, passa a ser responsável por certas decisões táticas.  É a notória carreira em Y.

Naturalmente, a cada ano as universidades formam vários novos profissionais na casa dos 20 anos que procuram o seu primeiro emprego, isso sem contar aqueles que se formam já empregados.  Salvo situações em que a economia cresce significativamente, a entrada dessa nova geração de profissionais só é possível se as empresas abram novas vagas a partir da dispensa de funcionários mais velhos.  Este processo é apelidado de juniorização.  No Brasil atual, a juniorização ganhou ares de irresponsabilidade com a substituição de pessoas chaves em um organograma por funcionários pouco qualificados mas que aceitam menores salários, o que agrava a situação desses funcionários mais velhos.  De qualquer maneira, essa reciclagem nas empresas é mais do que esperada, por mais cruel que possa parecer.  Sobra o desafio de profissionais de mais de 40 anos, como a Sra. Timbó, de como fazer para sobreviverem à juniorização ou à reciclagem.

Quando se formamos de um curso superior, é bem comum o contato para realizarmos as fatídicas dinâmicas de grupos para preenchermos as vagas na base do organograma de uma empresa.  Normalmente, os melhores recém-formados vão atrás de vagas em grandes empresas, pois estas possuem planos de carreira, ou pelo menos alegam possuir.  Depois dos 30 anos, esses contatos são menos frequentes, a mobilidade entre empresas ocorre por networking, ou seja contato com outros profissionais.  Redes sociais com perfil profissional, como o LinkedIn, facilitam este networking e a migração de profissionais entre empresas.  Depois dos 40 anos, a situação fica mais complicada.  Esses contatos ficam cada vez mais escassos, exceto para aqueles que conseguem sobreviver ao afunilamento natural na empresa.  Muito se alega que há preconceito com profissionais com mais idade para funções mais prosaicas, mas há um certo mérito na procura de um perfil de profissionais mais jovens.  Na teoria estes tem mais energia e disposição para o trabalho, sem contar que aceitam salários menores.

Aqui começa o desafio dos quarentões juniorizados ou a ponto de serem juniorizados.  No Brasil, há um agravante que decorre do efeito deletério dos vários aumentos salariais impostos por dissídios.  Como este aumento é obrigatório as empresas, funcionários com mais tempo de casa tem salários maiores e se não tiverem uma produtividade condizente com o salário serão fatalmente alvo de demissões, salvo é claro algumas exceções.  Outros problemas apresentados por funcionários mais velhos são a acomodação, a desmotivação por eventual estagnação e a falsa sensação que são parte integrante e insubstituível da empresa.  Muitos funcionários mais velhos quando percebem que vão sucumbir ao afunilamento ainda por cima preferem esperar a demissão ao invés de procurarem outro emprego.  Este é outro efeito deletério das leis trabalhistas brasileiros, pois incentivam estes funcionários a esperarem por pacotes de demissão que a curto prazo são polpudos, mas a médio prazo podem minar a carreira destes.

Como funcionários mais velhos ganham naturalmente mais que os mais novos, empresas ficam mais do que tentadas a juniorizarem seus cargos.  Do outro lado, conheço desempregados que recusaram trabalhos por considerarem o salário oferecido não digno à sua formação e experiência.  Muitas vezes empresas exploram mesmo as adversidades de um profissional desempregado oferecendo não só um salário ruim, mas como um trabalho igualmente ruim.  Recusar a oferta é um direito deste profissional, mas este corre o risco de ficar fora do mercado de trabalho por tempo alto, o que reduz significativamente a chance deste se recolocar.  Outros profissionais até aceitam salários reduzidos, mas algumas empresas desconfiam que este profissional queira só minimizar o prejuízo e vá procurar outro emprego logo que seja contratado, o que é bem comum.

O que fazer então?  Uma possibilidade é uma mudança de carreira, o que não é fácil. O profissional deve não só encarar uma mais do que provável redução salarial como também ter a humildade de encarar um aprendizado intensivo decorrente desta mudança.  Sem contar que nem todas as carreiras aceitam estas mudanças facilmente, o empregador pode preferir evidentemente um recém-formado a um quarentão aberto a novas experiências.  Outra possibilidade, muito comum neste país, é o profissional virar concurseiro e tentar ingressar no funcionalismo público.  Concursos tem como característica não fazer nenhuma distinção dos candidatos quanto à idade, aliás em alguns o critério de desempate é justamente o de maior nota.  Porém concursos não são fáceis e diante de um quadro de déficit primário, espera-se que o governo tenha o bom senso de contratar novos funcionários se e somente se for necessário isto. Uma das alternativas mais populares é a do profissional investir o dinheiro da rescisão em algum negócio como restaurantes, comércios e serviços.  Alguns dão certo, muitos perdem dinheiro que não tem.  Tocar um negócio não é fácil e muitas vezes exige mais dedicação que aquela dispensada no emprego anterior.

Na minha humilde visão, uma alternativa que torna viável o emprego destes quarentões, cinquentões e sessentões vítimas da juniorização são vagas em pequenas e médias empresas.  Nestas empresas o plano de carreira é extremamente limitado, mas muitas vezes um profissional mais experiente é aquele que é ideal para a empresa.  O perfil de vaga muitas vezes exige o desempenho de funções mais mundanas, mas também exige conhecimento que recém-formados não têm.  Funcionários novos podem procurar rapidamente sair de empresas sem possibilidade de carreira, mas outros mais velhos podem aceitar essa realidade.  Basta o profissional juniorizado ter humildade e não possuir ego frágil.  Algumas dessas empresas são verdadeiras armadilhas, digo isso por experiência própria, que tirarão a saúde mental do profissional, mas outras são boas de trabalhar.  O salário pode até ser inferior àquele pago anteriormente, mas é infinitamente maior que zero, e tempo dispensado ao trabalho é algumas vezes inferior aquele necessário para a aventura de um negócio próprio.  O aproveitamento destes profissionais depende muito destes não serem presunçosos e presos a um passado que pode nunca voltar.

Sim a economia tem que crescer para que mais oportunidades surjam, mas também é necessário neste país uma sensível desburocratização e incentivo ao empreendedorismo.  No momento, o Brasil é o país onde é lucrativo ter um cartório e empresários são considerados por muitos como exploradores dos trabalhadores.  Para que os quarentões possam sobreviver no mercado de trabalho com mais dignidade, é hora de se mudar esta visão.