terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Um Longo Caminho pela Frente



No dia 22 de novembro de 2015 os argentinos foram às urnas e elegeram o liberal Mauricio Macri como seu presidente.  Para os demais latinos americanos, em específico os brasileiros, cansados do populismo da turma do Foro de São Paulo e dos demais bolivarianos e socialistas que infestam essas bandas, a eleição de Macri foi motivo de comemoração e um alento de esperança.  É um marco que significa a derrocada do bolivarianismo e, portanto, a recolocação dos países acometidos de populistas de esquerda em um caminho virtuoso.  Muita calma nesta hora, pois o caminho que a Argentina terá de percorrer é longo e traiçoeiro.

Há 100 anos atrás, a Argentina era uma nação com renda per capita superior a de países como Itália, Dinamarca, Japão, Espanha, ocupando a notável 7ª posição neste ranking.  Mas nenhuma economia sólida é capaz de resistir a políticas populistas que no longo prazo corroem quaisquer conquistas.  Uma crescente participação do governo na economia com estatizações de setores industriais lentamente empurraram a Argentina para a medíocre 53ª posição em renda per capita.  Continuam na frente do Brasil, mas para um país que tinha esse valor 400% maior que o nosso, uma vantagem de quase 50% mostra que as coisas degringolaram muito ao sul do Rio da Prata.  Uma análise completa da decadência argentina resultaria em várias teses de doutorado extensas, passando pelos inúmeros equívocos das lideranças argentinas.  Mas o que chama atenção é que Macri é o primeiro liberal eleito lá em mais de 100 anos, mesmo que em alguns destes anos o governo tenha passado por atrozes e nocivas ditaduras militares.  Os demais eleitos foram todos populistas do naipe de Cristina Kirchner.

A conclusão que se chega é que apesar da escassez de lideranças políticas responsáveis por lá, o povo argentino abraçou o populismo barato até agora como um paradigma de boa governança.  A situação do país é crítica, a economia está emperrada, a inflação está em quase 25% ao ano pelas estimativas não-oficiais, o crédito do país está arruinado desde a moratória forçada de 2001, e para piorar a imagem junto aos investidores veio a estatização da YPF realizada em 2012, a imprensa livre foi minada por Cristina Kirchner, a justiça foi aparelhada e infiltrada por populistas, o país sofre com desabastecimento de produtos industrializados devido a inúmeras barreiras comerciais, sendo que algumas delas existem graças a uma conivência inaceitável do governo brasileiro.  O desafio de Macri é recuperar o país diante de um cenário muito difícil.  Sem crédito na praça e com uma gastança desenfreada, a Argentina precisa de recursos para crescer e mostrar que é merecedora da confiança de investidores.  A iniciativa de Macri de querer acionar a cláusula democrática contra a Venezuela no Mercosul é não só louvável como um acertado primeiro passo.

O mundo precisa perceber que o liberalismo veio para ficar na Argentina e o primeiro passo é demonstrar que o país não quer se associar com uma nação como a Venezuela que notoriamente cerca os direitos individuais mais básicos e é uma protoditadura.  Os demais passos são mais complicados.  A negociação com fundos abutres que em 2014 conseguiram na justiça americana a exigência que os títulos argentinos sejam pagos em sua totalidade é um desafio maior que a postura adotada perante a Venezuela.  Isso sem contar que qualquer país que queira migrar do socialismo ou do populismo barato para uma economia liberal precisa lidar com uma inevitável parcela da população acostumada a receber privilégios sem uma contrapartida.  Reformas liberais demoram para surtir efeitos, ainda mais em países devastados economicamente, mas afetam rapidamente aqueles acostumados a ganhar sem produzir.

No curto prazo, decisões populistas são bem sucedidas e tentadoras, mesmo que o posterior desastre seja certeiro.  Quando 48% da população vota em Daniel Scioli, candidato do kirchnerismo / peronismo / bolivarianismo, isso é uma demonstração que boa parte da população não estará muito propensa a aceitar medidas de saneamento da economia necessárias como privatização de estatais, redução de privilégios trabalhistas, corte em programas assistencialistas, etc.  O maior desafio de um país em crise não é tomar decisões amargas, é convencer a toda população que todos sem exceção terão de amargar essas decisões.  Arrisco ainda a dizer que entre os eleitores de Macri estão vários desiludidos com o kirchnerismo, mas não com o populismo.  Isso quer dizer que surgindo outro candidato populista, descolado de Cristina Kirchner, pode vir a bater de frente com Macri e reverter qualquer avanço conquistado.

Toda esta análise sobre a Argentina pode ser aplicada ao Brasil feitas algumas modificações devido a percursos históricos diferentes entre os dois países.  Mais do que nunca temos de estar atentos aos nossos vizinhos.  As dificuldades de Macri podem ser as mesmas enfrentadas por qualquer político que venha a substituir Dilma e sua agenda populista e incompetente.  A principal oposição ao PT é ainda o PSDB com sua agenda “encima do muro” e com algumas lideranças desgastadas.  Um maior desgaste a ser infligido aos tucanos aumenta a chance de um aventureiro populista vir a ascender em um cenário de devastação econômica como o enfrentado neste país.

Nunca torci pela seleção argentina, mas torço muito para que o país saia do buraco que se encontra.  É importante que isso ocorra para que o Brasil tenha em quem se espelhar para nos livrarmos das nossas pragas populistas.  Mas para tal os argentinos terão de enfrentar muitos percalços neste caminho longo.  Tomara que consigam.  E tomara que Macri realmente adote uma agenda liberal e não caia em tentação populista.


domingo, 15 de novembro de 2015

A Fortuna de um Saco de Batatas



Uma vez no escritório onde trabalhava, foi organizado um bolão para apostar na Mega-Sena que tinha o prêmio acumulado.  Nossa chefe ficou sabendo do bolão e pediu para também participar, alegou que se fosse bem sucedida a aposta, ela não queria ir trabalhar sozinha no departamento na semana seguinte.  Todos nós já devemos ter ouvido piadas, estórias ou delírios de colegas, amigos e familiares do que fazer se ganhássemos vários milhões de reais, passando por mansões, carros, viagens e até investimentos de longo prazo.  Mas não conheço ninguém que tenha falado que pretendia fazer um curso de especialização para investir na carreira, se dedicar mais ao trabalho, apesar de existirem, aliás a grande maioria gostaria no primeiro ato pedir demissão.  Alguns até pensam em abrir um negócio próprio para se ocuparem, mas uma boa parte pensa em relaxar e aproveitar.  Obviamente que não foi bem sucedida a aposta e todos os participantes foram trabalhar, minha ex-chefe inclusive.  Mas fico imaginando a cena insólita de uma segunda-feira no qual chegaria para trabalhar com o departamento vazio.  Para empresa seria um completo desastre e, dependendo da quantidade de ganhadores, até significaria uma inevitável falência.

Na obra-prima de Scott Adams, O Princípio Dilbert, o último capítulo é dedicado ao sistema concebido por Adams de OA5, em inglês Out at 5, ou seja no qual ele defendia que os funcionários saíssem às 17:00, pois longas horas de trabalho implicariam mais funcionários desmotivados e descontentes no trabalho.  Exageros à parte, afinal todo o universo do Dilbert era engraçado por ser justamente exagerado, Adams tem um ponto válido.  Nem todos nós temos motivações ou condições de nos tornarmos milionários, condição que para se chegar demanda na esmagadora maioria das vezes esforço, dedicação, diligência e sacrifício.  A motivação para se gastar horas do dia, e da vida, longe de casa, aturando algumas vezes superiores intragáveis é que receberemos um salário não-milionário, apesar do esforço, dedicação, diligência e sacrifício, para podermos sobreviver e até guardar algo para o futuro.  Tire a necessidade desta pessoa dispender este tempo para sobreviver e guardar algo para o futuro, e esta pessoa não terá mais essa motivação para trabalhar.  Claro, alguns realmente gostam do que fazem, não sabem o que podem fazer com o tempo livre, possuem um senso de civismo diferenciado e, portanto, trabalham por motivações diferentes.  Não devemos julgar nem aqueles que sonham em se aposentarem com o prêmio da loteria e nem aqueles que apesar de não admitirem não iriam mudar a rotina.  Mas as motivações mudariam na situação de se ganhar um prêmio polpudo.

Desde que me conheço como brasileiro, sempre ouvi que se achássemos petróleo ou outros minerais preciosos, como o nióbio (!), seríamos ricos.  Lula no auge do seu populismo bradou que tínhamos achado um bilhete de loteria premiado com pré-sal.  Sempre tive dúvida se realmente achamos este bilhete premiado, apesar da certeza que muitos do governo lulopetista acharam uma verdadeira mina na Petrobras para rapinar e pilhar durantes estes 13 anos.  Mas partindo do pressuposto que realmente ganhamos um bilhete de loteria naquela época, o que faríamos com este dinheiro?  Sempre ouvi que se achando petróleo, o povo brasileiro seria rico e membro da OPEP.  Isso significaria que todos seríamos milionários e poderíamos em tese parar de trabalhar e nos aposentar?  Que poderíamos ter um padrão de vida igual ao de países do primeiro mundo sem ter os mesmos índices de produtividade, nível de educação e consciência cívica?  Os tais dos royalties do petróleo do pré-sal foram alvo de acalorado debate no congresso brasileiro.  Mesmo sem sabermos se era economicamente viável explorar ou não esse petróleo, vários queriam participação nessa possível renda.  Estados milhares de quilômetros distantes do litoral fluminense pleiteavam parte do prêmio do suposto bilhete premiado, enquanto o governo fluminense tentava enxotar essa turma alegando que sem esse dinheiro não haveria as Olimpíadas de 2016.  Argumentos a favor e contra a distribuição dos royalties proliferam, mas pelo menos para mim ficou claro algo, se é que já não estava antes, nós os brasileiros, não só a classe política, preferimos discutir a distribuição da riqueza alheia a discutir o que realmente é necessário fazer para o país entrar nos trilhos.  Não lembro de ter visto esse tipo de empenho para se realizar reformas previdenciária, trabalhista e tributária.

É mais do que sabido que países como Japão, Finlândia, Holanda, entre alguns outros, são ricos sem terem ganho bilhetes premiados da loteria.  Alguns países membros da OPEP são também ricos, mas seus índices culturais, educacionais e até mesmo sociais são medíocres.  Basta olhar a Venezuela para se ver que petróleo não se traduz em riquezas e nem em mais justiça social.  Na verdade, enquanto um povo se ater aos princípios mercantilistas da Idade Média e Moderna, esse povo estará condenado à mediocridade.  Somente uma sociedade empenhada em gerar riquezas pelo trabalho, e enfatizo pelo trabalho qualificado, conseguirá ser próspera.  Não precisamos de uma sociedade composta por workaholics, mas sim por pessoas que acreditam que não há caminho fácil para o sucesso.  Apesar de uma esmagadora maioria desejar ser premiada na loteria, não podemos ficar sentado esperando isso acontecer.  Se o Brasil não achar petróleo, ou até nióbio, suficiente em seu território, isso não quer dizer que seremos condenados à pobreza crônica.

Lembro do clipe da música Rubão da banda Charlie Brown Jr no qual é mostrado um pobretão achando uma carteira recheada de dólares e ao invés de se investir em seu futuro, o sujeito resolve torrar em festas, carros e mulheres.  Nunca consegui descobrir se a banda quis fazer uma apologia à “virtude da pobreza”, ou ridicularizar aqueles que acham que por descobrirem um punhado de dinheiro irão ser eternamente milionários.  Mas existem muitos que sonham em ganhar uma “grana fácil” para não fazer nada, é só pesquisar e ver quantos parentes de artistas e esportistas bem sucedidos se penduram nestes.  Apesar que há alguns artistas que quando se tornaram famosos resolveram colocar todos os seus familiares para trabalhar em seus negócios, e estes foram o que mais prosperaram.  Na minha experiência de vida, dinheiro que é ganho fácil nunca tem seu valor reconhecido, e quanto menos alguns não trabalham, mais eles exigirão daqueles que trabalham.  No dia em que ficarmos todos milionários por termos achado bilhetes premiados de loteria, petróleo abundante no país ou até por termos todos parentes ricos, seremos todos miseráveis, pois ninguém vai querer trabalhar.  Se todo mundo relaxar e resolver não trabalhar mais, quem irá  produzir alimentos, vestimentas, energia, etc?  Daí vai acontecer que nem um antigo colega de trabalho meu profetizava, quem tiver um saco de batata vai ser o realmente milionário.  

sábado, 3 de outubro de 2015

Delenda est Leblon

Na Segunda Guerra Púnica (218 – 201 AC), o comandante cartagenês Aníbal aterrorizou os romanos invadindo a península itálica inesperadamente pelo norte com um exército formidável que era famoso pelos elefantes de guerra.  Os romanos tiveram que enfrentar por quase 15 anos o exército de Aníbal em seu território, no qual o cartagenês infligiu várias derrotas às forças locais.  Na história de Roma, excluindo a fragmentação do império nos séculos IV e V, jamais houve tamanha adversidade enfrentada pelos romanos como esta que os cartageneses impuseram.  Mesmo assim, os romanos conseguiram se sustentar e defender como possível contra uma força superior em seu território e obtiveram vitórias contra os cartageneses em outras frentes de guerra.  No final, Aníbal foi obrigado a abdicar de suas posições na península itálica e retornar a Cartago para defendê-la, pois os romanos contra-atacaram invadindo território cartagenês.  A Batalha de Zama, na atual Tunísia, marcou o final deste conflito com o sucesso romano e uma imposição de reparos de guerra duríssima aos cartageneses. 

O temor que os norte-africanos voltassem às armas para um novo conflito e o ressentimento contra aqueles que quase os derrotaram imperou em Roma nos anos pós-guerra.  O senador romano Catão, o Velho, freqüentemente entoava em latim “Delenda est Cartago”, ou seja “Destruam Cartago”.  O ódio romano aos cartageneses foi o que causou a Terceira Guerra Púnica (149 – 146 AC), que foi deflagrada pela absurda exigência romana aos cartageneses de destruírem a própria cidade.  Após quase 3 anos de sítio, os romanos tomaram Cartago, dizimaram a população local, escravizaram os sobreviventes e queimaram todas as construções.  Diz a lenda que os romanos salgaram o solo local para impedir que Cartago fosse reerguida, algo jamais comprovado e atualmente desacreditado.  Cartago foi reerguida sob o jugo romano para ser destruída de novo pelos árabes em 698 DC.  Hoje, Cartago faz parte da região metropolitana de Túnis na Tunísia.

Em 1985, os prefeitos de Roma, Ugo Vertere, e Cartago, Chedly Klibi, assinaram oficialmente o tratado de paz entre as duas cidades que tecnicamente estavam em guerra desde o final da Terceira Guerra Púnica.  Foi um evento simbólico, obviamente, mas cercado de certa pompa, pois refletia um gesto de paz e uma mensagem que há momentos que conflitos devem terminar e não ser reacendidos.  Seria insólito uma Quarta Guerra Púnica entre italianos e tunisianos!  Fico imaginando os tunisianos inflados pela Primavera Árabe em 2011 exigindo reparações históricas aos italianos por suas mazelas.  Talvez os italianos também exigissem reparações pelo terror em seu território causado pelos elefantes de Aníbal.  A Tunísia desde a conquista romana, passou pelo domínio de vândalos, gregos, árabes, turcos e franceses.  Apesar da destruição de Cartago ser comparada ao ataque à Hiroshima na Segunda Guerra Mundial, não há dívida histórica a ser paga, há muito tempo.

Vindo para o cenário brasileiro, o conceito de dívida histórica tem ganhado força nas últimas décadas.  Em 2012, o STF julgou constitucional o sistema de cotas raciais adotado pela UnB, como maneira de corrigir “distorções históricas”.  O fato da mais alta corte ter se manifestado dessa maneira só aumentou o discurso de várias indivíduos, grupos e entidades de orientação esquerdista que temos uma dívida histórica com as minorias.  Em um país de 43% de pardos e 7% de negros, fica a dúvida de quem é realmente minoria.

Recentemente, em mais um arrastão realizado no Rio de Janeiro, (pseudo-)intelectuais e políticos de esquerda vieram à defesa dos marginais alegando, outra vez, alegando que estes são discriminados socialmente e economicamente.  No Facebook, onde reina as mais profundas bobagens de esquerda, e de direita também, alguns mais imbecis ousam dizer que os celulares roubados dos banhistas eram itens de ostentação da burguesia e que os marginalizados tinham direito a um pouco de felicidade.  Mas me estarreceu um post que dizia que o primeiro arrastão foi promovido pelos portugueses em 1500!

Por mais que o post comparando o descobrimento do Brasil com os arrastões nas praias cariocas seja levado a sério por uma pequena parcela, isso mostra uma lógica perigosa que é insuflada neste país, principalmente nos governos lulopetistas.  Os nativos americanos realmente foram vítimas de atrocidades nas mãos de portugueses e espanhóis, principalmente destes últimos, mas se passaram 515 anos do descobrimento do Brasil e o momento é do país caminhar unificado para o futuro.  Além do mais, posso não ter as estatísticas étnicas dos marginais, mas o que parece não foi nenhuma tribo indígena que praticou o crime...  E mesmo que fosse, algo que aconteceu há séculos não justifica sob qualquer hipótese esse tipo de crime sob o a fachada de reparação histórica.

O preconceito e o racismo são chagas da sociedade que realmente existem e devem ser combatidos, mas o conceito de dívidas e distorções históricas é um precedente perigoso para se criarem mais distorções como as que já se multiplicam no país.  Basta ver o caso da desocupação da Reserva da Raposo do Sol em 2007 em Roraima, onde fazendeiros foram expulsos de suas propriedades e vários indígenas que trabalhavam para os fazendeiros ficaram desempregados e tiveram de deixar a reserva para procurar um sustento.  A desocupação foi consolidada pelo STF também e mostra um dos maiores perigos existentes para as instituições brasileiras.  Juristas com nítida inclinação à esquerda em posições de tomada de decisões, como os do STF, podem usar essa argumentação tosca, mas razoavelmente difundida, para se criar instabilidade jurídica e ampliação de conflitos, ao invés de aproximação entre os distintos.

O Brasil atual é um país democrático com amplos, e exagerados, direitos individuais garantidos pela Constituição.  Práticas como escravidão e ataques a aldeias indígenas são ilegais, além de abomináveis, e não são praticadas pela maioria da população há muito tempo.  E quem pratica algum desses crimes deve ser algo de ação da polícia e da justiça.  Não sei qual o valor cobrado desta tal dívida histórica, mas é repudiável a ideia de querer se passar um boleto para uma parcela da população que não deve nada a nenhuma “minoria” de pessoas auto-declaradas discriminadas que nasceram livres em um país que concede direitos plenos.  Enquanto todos nós, sem exceção, não abraçarmos a noção que somos todos iguais, apesar de diferentes, e o que o Brasil menos precisa é de cizânia, o Brasil vai continuar caminhando para o futuro com freio de mão puxado.  O conceito de dívida histórica é muito útil para aqueles que querem justificar suas mazelas em função do sucesso alheio e um pretexto terrível para a criminalidade.  Afinal, qual o objetivo de quem cobra essa dívida histórica, destruir o Leblon e outros bairros burgueses?  Salgar a praia de Ipanema?  Queimar a Barra da Tijuca?  Romanos e cartageneses precisaram de mais de 2000 anos para assinarem um tratado de paz, já aqui queremos rasgar a Constituição e criar novas regras para atender um revanchismo caduco.

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

A Dura Realidade dos Fatos

Muitos não lembram que em 1998, o mundo financeiro foi abalado pela moratória russa declarada pelo então presidente daquele país, Boris Ieltsin.  Foi o suficiente para causar pânico nos investidores e acelerar a ascensão do protoditador Vladimir Putin.  O agravante foi que a Rússia atraiu investimentos estrangeiros ávidos por maiores retornos aceitando um risco maior.  Investidores de renome e pouco juízo quebraram a cara.  Em 2001, a Argentina foi a bola da vez.  Deram tantos poderes extraordinários para o ministro Domingo Cavallo tentar salvar o que não dava par ser salvo e a economia da Argentina veio abaixo.  Neste período turbulento, que já havia se iniciado em 1997 com a crise dos Tigres Asiáticos, o mundo dos prognósticos econômicos parecia ter virado ao avesso.  Ninguém conseguia fazer uma única previsão sensata, muito menos as agências de avaliação de risco. 

O Brasil naquela época foi considerado o próximo caloteiro, afinal o país estava vulnerável de acordo com as próprias palavras de Pedro Malan em 1999 e foi sugado para o olho do furacão financeiro.  Agências de risco que falhavam constantemente nos tratavam com séria descrença.  As reservas cambiais eram baixas, pois o Banco Central em ano eleitoral inutilmente tentou segurar a cotação do dólar após a moratória russa.  Para piorar havia uma oposição irresponsável que prometia calote e centralização do câmbio.  O PT crescia nas pesquisas e não tinha como qualquer agência de avaliação de risco nos avaliar bem com esse tipo de “promessa”.  Mas quando em 2001 houve o “Apagão”, tinha gente até consultando almanaque para saber se ia chover mais ou menos em 2002 o que permitiria ou não que o Brasil pudesse crescer de novo.  Nada pior que investidor em pânico, não sabe o que fazer, tem medo de perder dinheiro, tem medo de arriscar, tem medo de não fazer nada, e quando faz algo, é besteira na certa.  Em suma, não raciocina e age de maneira completamente emocional.  Veio a crise de 2008, e as agências de risco mostraram toda a sua capacidade de errarem, chego a julgar que nesses casos quem usasse de serviço de cartomante talvez fosse mais bem orientado.

A realidade e a idealização da realidade são duas coisas distintas.  Lembro que além das crises financeiras dos anos 90, naquela época participava de várias dinâmicas de grupo em busca de emprego melhor.  Não que algumas dinâmicas de grupo não tenham sido bem feitas, mas participei de algumas dinâmicas que beiravam o insólito, conduzidas nitidamente por profissionais medíocres e que se julgavam os experts em psicologia e administração.  A realidade era que os candidatos não deveriam confrontar estes profissionais “meia boca” e sim saber como lidar com eles e se portar para receber uma boa avaliação, afinal o objetivo era ser contratado e não apontar os erros daqueles picaretas.  Agências de avaliação de risco com históricos de erros não deveriam ser tão levadas a sério, mas são.  Então qualquer nação soberana que queira atrair investimento estrangeiro terá que lidar com Standard & Poor’s, Moody’s e Fitch.  Fundos de investimento têm cláusulas em seus estatutos de não investir em países com avaliações baixas, abaixo do grau de investimento.  Isso não é pouco dinheiro, e sim muito dinheiro, a ponto de Dilma ter que aturar um ministro “neoliberal” e “ortodoxo” como Joaquim Levy e dispensar Guido Mantega, alguém com previsões ainda mais absurdas.  Não adianta espernear, temos que nos saber portar diante destes profissionais para sermos bem avaliados, mesmo que boa parte deles seja picareta, inclusive porque existem outros que não são.

Lamentavelmente, nos preparamos mal para as “dinâmicas” com as agências de risco.  Beira o ridículo enviar um orçamento com déficit para o congresso, e isso por só próprio já era merecedor de rebaixamento.  Mas o problema é que desde algum tempo, o Brasil vem dando sinais de falta de seriedade com as finanças públicas.  Ganhamos o grau de investimento em 2008, porque, após anos de uma política monetária séria com comprometimento com superávit, pagamento de dívidas e respeito ao investidor, mostramos merecer esse grau.  Agora, com anos de maquiagem das contas públicas, pouca preocupação com o crescente déficit nas contas públicas, não tinha como não sermos rebaixados.  Não adianta apontar os erros passados das agências de avaliação de risco, os erros do país atuais são gritantes e evidentes.  Mesmo porque ainda que os investidores continuem agindo sem muito critério ou racionalidade, o Brasil demonstra sinais que qualquer um com bom senso não queira investir aqui.  Tanto que o governo está agora desnorteado, sem ter ideia do que fazer para ficar “bonito na foto de novo” e desesperado para conseguir aprovar qualquer remendo para tentar algo parecido com um ajuste fiscal.  Aumento de impostos, manutenção no cargo de um desprestigiado Joaquim Levy, cortes pouco substanciais na pesada máquina do governo não enganam mais.  O governo entendeu meio tarde a realidade destas avaliações e a seriedade  de um rebaixamento.

A realidade é que o capital financeiro está com aversão ao Brasil.  Os investidores são muitas vezes irracionais e se baseiam na opinião de quem já errou bastante.  Mas não são tão irracionais a ponto de investirem em países cujos líderes dão demonstrações inequívocas de amadorismo.  Agora o estrago está feito, mas não precisou ser feito pelas agências de avaliação de risco, bastaram 13 anos de PT.

sábado, 5 de setembro de 2015

A Conquista dos Planetas dos Herbívoros

O recente acidente com o caminhão transportando 110 porcos em Carapicuíba causou uma comoção, até um certo ponto grande, em virtude do sofrimento dos animais presos debaixo das ferragens.  O “final feliz” para os porcos resgatados é até emocionante.  O sofrimento alheio, mesmo de animais, é algo que deve ser evitado e combatido, embora nesse caso não houve dolo e sim um acidente.  Apesar dos porcos terem como destino o matadouro, estes devem ser respeitados até o fim.  Algumas religiões até exigem rituais específicos para abates de animais, mostrando o devido respeito a estes animais, por sinal merecido.  Não existe justificativa para tortura e sadismo, mesmo que o animal venha a se tornar salame ou rosbife e, portanto, em touradas sempre torço pelo touro.

Antes essas exibições de crueldade eram aplaudidas quase que unanimemente, mas à medida que a (parte da) raça humana evoluiu, rodeios, farras e espancamentos de animais em gerais estão sendo condenados publicamente, e mesmo assim ainda existem os fãs destas barbáries.  O direito dos animais ganhou uma atenção maior recentemente, mas fica a dúvida de até onde eles têm direitos.  Bovinos e suínos são mamíferos artiodáctilos que possuem uma inteligência limitada, mas considerável e sentem dor e tristeza.  Seria justo condená-los a uma vida de cárcere cujo encarcerador decide quando estes serão executados?  Dizem que porcos são ótimos animais de estimação, o que torna quase impossível algum dono de porco de estimação comer presunto.  Quem assistiu Babe e City Slickers talvez tenha virado vegetariano.  Quem gosta do The Smiths, provavelmente concorda que Meat is Murder.  Duvido que algum dono de cachorro vá à Ásia e procure comer carne de cachorro em restaurantes.

Quem estudou ecologia, a ciência e não o modismo, sabe que porcos e vacas ocupam o segundo nível na pirâmide trófica, acima apenas dos seres autótrofos, os vegetais.  O ser humano no seu despertar não estava no topo desta pirâmide, mas escalamos até o topo basicamente eliminando os nossos predadores.  Estou para conhecer alguém que queira, em sã consciência e livre de hipocrisia, ter um nível trófico acima do nosso atual.  Se todos nós nos tornássemos vegetarianos, então o ser humano deixaria de ser o predador dos porcos e das vacas, e estes por sua vez se tornariam nossos competidores.  Para se minimizar o sofrimento animal, a pirâmide trófica teria dois níveis só.  Faço a pergunta, existiria alimento suficiente para 8 bilhões de pessoas, 2 bilhões de vacas e 1 bilhão de porcos (populações estimadas)?  Isso sem contar os outros herbívoros existentes. Vale lembrar que planejamento familiar não é exatamente um forte do reino animal e, portanto, alguns animais sem um controle por predadores tendem a se tornarem pragas.  Os quase inúmeros roedores e insetos ao longo da história sempre competiram por alimentos conosco, e muitas vezes nos derrotaram.

Sem predadores, os herbívoros podem até se expandir além da capacidade de geração de alimentos pelo ecossistema, para esse caso Thomas Malthus estaria certo, o que causaria uma inevitável escassez de alimentos, possível extinção de vegetais e futura fome disseminada entre os herbívoros.  Se nos tornássemos todos vegetarianos, a motivação de prover alimentos para nossos novos competidores desapareceria e, pior, apareceria bastante motivação de lutarmos com eles pela quantidade limitada dos alimentos disponíveis.  Aliás, de acordo com a ecologia, duas espécies não ocupam o mesmo nicho ecológico.

E a pergunta que não quer calar, mesmo que a raça humana se torne herbívora, o que fazer com os seres carnívoros?  Nos aliamos a dois seres, cães e gatos, por estes possuírem hábitos carnívoros.  Aliás, os nossos amigos felinos são exclusivamente carnívoros.  E ainda não ouvi falar de cachorro vegano.  Imagino que depois do homem, os maiores predadores de vacas e porcos são os cães e os gatos, ou algum defensor dos animais tem outra explicação para a origem das rações para cães e gatos?  Na Idade Antiga, para se controlar a população de roedores que dizimavam colheitas estocadas em celeiros, os gatos foram introduzidos à sociedade para manter sob controle esse tipo de praga.  Pode se dizer que a humanidade prosperou graças a eles e suas sanhas assassinas.

A evolução das espécies aqui neste planeta começou com seres autótrofos e depois surgiram os heterótrofos, como nós.  Por definição, a sobrevivência dos heterótrofos depende da alimentação de outros seres.  Vai demorar um pouco para alguém descobrir como os seres humanos, e cães e gatos, possam fazer fotossíntese.

Crueldade é algo indesculpável, definitivamente não é kosher.  Os ativistas devem continuar sua luta por um tratamento justo aos animais, inclusive àqueles que servirão de alimentos.  Mas até alguém me responder o que fazer para me tornar um ser autótrofo e como ensinar às vacas e aos porcos que todos temos direito aos alimentos, eu vou assumir publicamente minha posição na pirâmide trófica.  Respeito a opção alheia, mas continuarei apreciando churrasco.  Mesmo que um dia, H.G. Wells venha a ter razão e meus descendentes se tornem elóis, ou seja alimentos dos morlocks, conforme retratado na obra A Máquina do Tempo.

sábado, 8 de agosto de 2015

Da Elba à Ferrari



No dia 14 de julho de 2015, os franceses comemoraram a data da queda da Bastilha, simbólico evento que é considerado o início da Revolução Francesa.  Aqui no Brasil assistimos ao espetáculo pirotécnico da Polícia Federal conduzir uma busca nas residências do ex-presidente e atual senador alagoano Fernando Collor de Mello em Brasília e em Maceió.  Nesta ação integrada à Operação Lava-Jato foram encontrados uma Ferrari, um Porsche e uma Lamborghini.  Na teoria, não há nada de ilegal em possuir carros esportivos, desde que tenham sido adquiridos usando recursos legais e estejam devidamente regularizados perante a lei.  Fica a dúvida de onde Collor pretende andar com estes carros em Maceió, já que as ruas do bairro da Jatiúca não são adequados para se desenvolver altas velocidades, inclusive no quarteirão da residência dele há uma lombada que é uma verdadeira “assassina de suspensões”.  Imagino que se ele tentar passar por esta lombada com um dos seus (ex-)carros o prejuízo será grande.

Em se tratando de Collor, não dá para esperar que as coisas estejam dentro dos conformes, muito menos que a imprensa e a opinião pública tenham um jugamento imparcial dele depois do que aprontou durante sua passagem na presidência do país.  Como atenuante do desastre administrativo, deve-se lembrar que Collor recebeu o país na beira do precipício.  Segundo o ex-presidente do Banco Central, Ibrahim Eris, na verdade o Brasil já estava dentro do precipício.  A inflação em fevereiro de 1990 atingiu inacreditáveis 80% ao mês, a moratória declarada por Sarney arruinou a reputação brasileira por mais de uma década, nossas reservas cambiais eram uma fração da atual, etc.  Medidas drásticas eram necessárias, e surgiu o tal do revólver com uma bala só.  O problema era que quem atirou tinha uma mira muito ruim e não só errou o alvo como atingiu toda a população, que rapidamente passou a odiar Collor com todas as forças.

O confisco do dinheiro declarado no início de seu governo não só arruinou financeiramente várias famílias e jogou o Brasil em uma recessão sem precedentes, como também foi uma forma disfarçada do governo dar um calote generalizado na população brasileira.  Afinal o dinheiro confiscado foi remunerado em quase 1% para um mês de 80% de inflação!  Seu plano deveria ser estudado como exemplo de fracasso, pois em menos de 1 ano, o volume de dinheiro em circulação já havia sido retomado e a inflação disparou de novo.  Não dava para levar a sério um governo cercado de ministros de 5º escalão para baixo como Zélia Cardoso.  Rapidamente, o congresso se tornou hostil ao frustrado caçador de marajás que habitava a Casa dos Jardins Suspensos da Dinda, não só criando enormes dificuldades para um mínimo de governabilidade como procurando um pretexto para abreviar o mandato de Collor.  Qualquer motivo, como a notória Fiat Elba, serviria para expurgar alguém que a BBC definiu como o presidente playboy do Brasil.  O impeachment veio com um alívio de uma nação que simplesmente não suportava mais a aventura de alguém tão despreparado e amador, mas também com uma oportunidade de vários opositores tentarem lucrar com a euforia que assolou o país com a destituição de Collor.

Do lado positivo, Collor deu início a uma abertura do nosso mais do que fechado mercado e também às privatizações.  Este também tentou enxugar o número de ministérios extinguindo vários existentes na época de Sarney e unificando outros, resultando num total de 13, número que foi inflacionado no governo de seu vice-presidente Itamar Franco.  O Brasil mostrou resiliência e em um pouco mais de 4 anos com o Plano Real voltou a crescer e domou a inflação.  Servem de alento essas memórias que podemos emergir de crises sérias.

Quase 24 anos depois da derrocada de Collor, Dilma enfrenta um índice de rejeição de fazer inveja ao fluminense radicado em Alagoas, bem como um congresso hostil que a sabota com todas as forças não pensando se prejudicará o país ou não, apesar de enterrar as aspirações bolivarianas de Dilma e do PT.  Dilma não tem o olhar de alguém alucinado como Collor mas tem um péssimo temperamento e uma incapacidade ímpar de conseguir expressar qualquer pensamento lógico.  Como Collor, Dilma não consegue mais transitar pelo país sem ser vaiada ou insultada, a população simplesmente cansou da “Mandioca sapiens”.  É possível, infelizmente, que Dilma consiga terminar seu segundo mandato pois possui ainda um mínimo de sustentação partidária.  Dilma não recebeu o país na beira do precipício mas fez um notável trabalho de conduzi-lo até lá.  Fica a reflexão: quem foi o pior presidente Collor ou Dilma?  Qual aquele que mais estragos causou ao país?

O PT foi peça importante no embate com Collor durante o governo deste último.  A lógica ditaria que Collor estivesse na oposição do atual governo tentando lucrar com as auguras da atual presidente.  Mas como coerência e falta de vergonha na cara são raras neste país, Collor notoriamente se tornou aliado do PT!  No país da piada pronta, nos divertimos vendo que o escândalo da simpática Elba se tornou um delito menor perante ao incidente onde foram encontrada uma verdadeira coleção de carros esportivos.  Talvez alguém um dia contabilize, mas fica a impressão que Collor lucrou mais com o dinheiro alheio como senador de Alagoas do que como presidente.  Após seu calvário pós-impeachment, Collor foi até defender o aero-trem de Lavyr Fidélix no horário eleitoral, hoje é defendido por PT, PC do B, blogueiros chapas brancas entre outros.  O fato de Collor ter ressurgido com relativo sucesso é uma mostra de que o país passa por uma crise moral séria com efeitos sob certa ótica mais deletérios que aqueles decorrentes do famingerado Plano Collor.

Qualquer um que teve seu dinheiro confiscado, para não dizer roubado, em 1990 vai sempre repudiar Collor, mas o estrago de Dilma, e até mesmo de seu antecessor Lula, é menos evidente, apesar de não ser exatamente sutil.  Dilma e o PT difundiram país afora uma mentalidade que a culpa da miséria no país é da classe rica, que exclui os milionários e bilionários membros da alta cúpula do partido, que os problemas do país podem ser resolvidos com soluções simplistas como redução forçada de juros e de preços administrados, além de exarcebar rixas entre as regiões brasileiras e a animosidade racial.  Não que essas crenças já não existissem, mas elas foram amplificadas perigosamente.  Isso sem contar que programas de assistência social foram convertidos em programas de compra de votos, alianças foram feitas com a escória do planeta e ainda por cima ajuda a regimes ditatorias estão sendo fornecidas com dinheiro do contribuinte.  O pior foi ver o PT convencer o eleitorado que como estava “do lado do povo”, a corrupção praticada pelo partido era aceitável.  O Brasil endossou uma quadrilha em 2006 ao re-eleger Lula, ao invés de rejeitá-la como em 1992.

Mesmo que Dilma seja destituída, vai demorar para se livrarmos da crença que a distribuição de riquezas – dinheiro da classe média alta destinado em pequena parte para os miseráveis e em maioria para a elite (parasitas do governo) – é a meta superior de todo o governo e não fomentar um crescimento sustentável que possa impulsionar a população a pegar carona nele.  Cuspimos na cara de países com estreitos laços sociais e econômicos como a Itália para nos tornarmos aliados de protoditaduras como a da Venezuela.  Apesar de toda a rejeição à Dilma, boa parte da população ainda acredita nas bandeiras que o PT sempre defendeu, só não acredita que o PT seja mais capaz de realizá-las.  O prejuízo moral é incalculável.

Devemos nos atentar sim que o símbolo da corrupção deixa de ser um carro popular para ser um esportivo de alto luxo importado.

sexta-feira, 3 de julho de 2015

A Triste Infância de Pedro



Pedro não foi o filho primogênito, na verdade teve dois irmãos que morreram antes de ele nascer, mas foi o que assumiria os negócios do pai no futuro.  Além dos irmãos, Pedro teve quatro irmãs.  Seu pai ficou viúvo quando Pedro tinha um ano e casou de novo, casamento que rendeu a Pedro outra irmã.  Mas nesse tempo seu pai manteve casos extra-conjugais com outras mulheres e teve mais 6 filhos com 3 amantes.  Órfão de mãe, Pedro ainda sofreria um outro golpe duro ao ver seu pai lhe abandonar aos 5 anos de idade, que por vontade própria partiu para cuidar de interesses próprios em terras distantes.  Mal conseguiu se despedir de seu pai que veio a falecer quase 3 anos depois.  Ao invés de brincar com outras crianças, Pedro teve que assumir os negócios do pai. 

É claro que por ter 5 anos, Pedro foi auxiliado por alguns amigos e colegas de seu pai, entre eles uma simpática mulher, Mariana de Verna, que Pedro formou um dos poucos laços afetivos durante a sua infância e sempre se referiu a ela como “Dadama”.  A rotina de Pedro era intensa, quando não estava aprendendo o ofício de seu pai, estava estudando.  A sua rotina o isolava de amigos e inclusive de suas irmãs, sendo que uma delas, Paula, faleceu 2 anos após o abandono do pai.  Quem o conheceu, o retratava como uma criança triste e solitária, que chorava com frequência e que era de difícil agrado.

Na ausência do pai, os negócios da família não iam bem.  José Silva, homem de confiança do pai, foi encarregado de cuidar destes negócios e de criar Pedro, mas não perdurou nesta função por muito mais que 2 anos.  Ele era autoritário e se indispôs rápido com Dadama e outros, sendo substituído por Manuel Andrade, alguém que não tinha a inteligência de José, mas de mais fácil trato.  Após 2 anos, outro tutor Diogo Antônio assumiu o posto, mas durou outros quase 2 anos deixando Pedro aos cuidados de Pedro Lima.  Este também não era exatamente um tutor dos mais bem quistos e seus rivais se articulavam para derrubá-lo junto com o seu grupo.

Apesar das tragédias familiares, do abandono de seu pai, o isolamento das irmãs e de outras crianças, a dura realidade de assumir uma responsabilidade enorme quando muito jovem, Pedro era considerado um adolescente de caráter e responsável.  Quando os negócios do pai estavam cada vez mais turbulentos, Pedro foi solicitado para assumir o comando.  É claro que a noção da enorme responsabilidade que viria com a emancipação ainda não era bem compreendida por Pedro, mas perguntado sobre o que queria, ele não titubeou e tomou a frente dos negócios.  Tinha 15 anos quando isto ocorreu.

Claro que Pedro de Alcântara não era pobre, não se tem relatos que era abusado pelo pai ou outro adulto, e indagado posteriormente sobre sua decisão de assumir antecipadamente o trono brasileiro, Dom Pedro II falou que foi manipulado graças a sua inexperiência e imaturidade.  Independente disso, Dom Pedro II teve uma infância difícil o que o tornou uma pessoa amarga, mas não o transformou em um tirano ou em um psicopata.  Mesmo se julgando inexperiente e imaturo, Dom Pedro II conseguiu dar estabilidade política após um período tumultuado com direito a várias rebeliões eclodindo Brasil afora.  Alguns historiadores o consideram o maior brasileiro de todos os tempos, o que não é uma unanimidade.  De qualquer maneira, é inegável o legado que Dom Pedro II deixou para o Brasil, firmando este como uma nação única apesar do vasto território.

Quase 175 anos depois da emancipação de uma adolescente para assumir um dos maiores, senão o maior “rabo de foguete” deste país, o congresso discute a questão da maioridade penal.  Como assim?  Em 1841 a população aclamou a ascensão do jovem imperador, e em 2015 87% dos brasileiros são a favor da redução desta maioridade penal.  Quer dizer que os adolescentes da época do tumultuado início do império brasileiro eram mais maduros e preparados que os atuais?  Houve uma involução social no qual estes adolescentes se tornaram pessoas inaptas de terem caráter, responsabilidade e empatia?  Claro que não.  Notadamente houve enorme avanço na estupidez e na hipocrisia de alguns sociólogos, educadores, artistas picaretas e outros que julgam que alguém como o Champinha algum dia vai poder se redimir e se tornar um cidadão de bem.  A maioria esmagadora da população sabe que crueldade e sadismo são traços que infelizmente não desaparecem quando se completa 18 anos e nem ascendendo socialmente e economicamente na vida.  Aliás, quando Champinha foi preso, vários populares, que não aparentavam nem um pouco serem sócios do Pinehiros ou Paineiras, quiseram linchá-lo.


Os políticos de partidos de esquerda ou progressistas realmente mostram estar completamente desconectados da realidade brasileira.  Se apegam a teorias do bom selvagem, como as de Jean Jaques Rousseau, e demonstram uma complacência enorme com jovens que apesar da idade, são capazes como qualquer adolescente, sabem muito bem a consequência de seus atos.  É claro que com 16 anos, muitos somos incapazes de tomar decisões sábias, mas são cientes dos limites que uma sociedade civilizada tolera.  Os que votaram contra a redução da maioridade penal deveriam ter ido na escola para estudar História do Brasil e entender sim que adolescentes são capazes de serem responsáveis, mesmo sem muita maturidade e experiência.  Espero que Dom Pedro II não esteja se revirando em seu túmulo.

domingo, 28 de junho de 2015

A Difícil Vida das Baratas



O renomado escritor austro-húngaro Franz Kafka (1883-1924) fez sucesso descrevendo estórias onde relatava os peculiares dramas dos protagonistas submetidos a situações absurdas como processos no qual sequer sabiam da acusação (O Processo, 1925) e até se transformarem em insetos gigantes (A Metamorfose, 1915).  Nesta última obra, existe até hoje um debate sobre qual inseto o protagonista Gregor Samsa se transforma, embora exista uma crença disseminada que foi uma barata.  No Brasil após o finado grupo Inimigos do Rei ter criado a “pérola” musical “Uma Barata Chamada Kafka” em 1989, essa crença foi consolidada.  Alguns estudiosos consideram que na verdade Samsa tenha se transformado em um besouro.  A discussão entomológica se Samsa havia se tornado ou um blatódeo ou um coleóptero é bizantina, mas necessidade desta é representativa do que o termo kafkiano significa, sendo que este se estende até outras situações cotidianas no qual indivíduos enfrentam principalmente a burocracia.

Talvez se Kafka tivesse conhecido o Brasil, ou outro país infestado de insetos burocratas mais danosos que as baratas, talvez repensasse suas obras literárias ou simplesmente tivesse mais inspiração para escrever o triplo de estórias que escreveu!  Nós gostamos de criticar o governo em todas as suas instâncias pela sua lerdeza intrínseca e quantidade de procedimentos criados por indivíduos sem o menor comprometimento em facilitar a vida alheia.  Basta acompanhar as atividades padrão de qualquer vereador neste país para notar que geralmente se não estou votando em mudança de nome de rua ou de praça estão criando uma lei para dificultar a vida das “baratas” (nós), isso quando não estão dilapidando o erário público!  O termo burocracia é originário do século XIX e significa o governo dos escritórios, ou simplesmente o governo daqueles que passam o dia distante do cotidiano das situações que legislam.  A burocracia é importante quando é um instrumento para análise, estratégia e organização de um governo ou uma empresa, mas jamais poderá ser o propósito final.

Gostamos de reclamar dos burocratas, mas nem sempre percebemos que muitos de nós trabalhamos em escritórios e às vezes criamos dificuldades para as baratas.  Na verdade, a mentalidade burocrata não é exclusiva do governo e empresas privadas também sofrem deste mal.  Scott Adams criador do impagável personagem de quadrinhos Dilbert foi um ácido crítico de empresas que populam em seus quadros funcionários que não geram nenhuma receita e infernizam o trabalho daqueles que geram receitas.  Um exemplo era quando o protagonista vai para o departamento de contabilidade da empresa e lá é aprisionado em um escritório que mais parecia uma galeria subterrânea das trevas com vários demônios trabalhando, e no final Dilbert se transforma em um demônio, ao invés de uma barata.  Na minha experiência profissional, e de muitos outros também, me deparei várias vezes com situações absurdas em vários graus.

Lembro de quando o departamento de desenvolvimento de processos no qual trabalhava adquiriu um medidor de umidade de grãos com o propósito de assistir os clientes da empresa no processo de secagem de grãos.  Era um equipamento caro, cerca de US$5.000,00, que na teoria deveria sempre ser transportado com devida nota fiscal.  Quando éramos chamados para visitar um cliente e avaliar o processo, o prazo para o início do serviço era curto e impreterivelmente inferior ao necessário para emissão da nota fiscal que podia demorar mais de uma semana.  Entendia que para a empresa o mais importante era a assistência ao cliente e não a conformidade à burocracia, então pedia a secretária para assinar uma autorização de saída do medidor do prédio e viajava até o cliente com este medidor em situação irregular.  É claro que não era o certo, mas a letargia da burocracia irritava, não só a mim, e o risco de uma contravenção pesava menos que o prejuízo de insatisfazer o cliente.

Em outra situação recente, um membro do departamento de TI de outra empresa que trabalhei falava sobre os procedimentos e os serviços de seu departamento para uma platéia.  Falou sobre a criação da nuvem da empresa no qual os funcionários poderiam arquivar documentos para acessá-los em qualquer computador.  Depois mencionou que a norma da empresa restringia somente à gerência o acesso aos drives USB nos computadores da empresa para evitar que arquivos sensíveis fossem copiados em dispositivos externos.  Foi quando um colega fez a pergunta que passou pela cabeça de todos: por que essa proibição se o funcionário poderia simplesmente mandar o arquivo para a nuvem?  O sujeito gaguejou e foi incapaz de fornecer uma resposta, disse que teria de rever os procedimentos internos.  Na verdade, além da nuvem, os funcionários podiam enviar por e-mail qualquer arquivo sensível para qualquer endereço eletrônico!  Mas a proibição de acesso aos drives USB servia para dificultar recebermos arquivos de clientes e fornecedores que eram importantes ao trabalho diário.

Estes são dois exemplos, e tenho outros, de que a burocracia não pode ditar o ritmo de atividades diárias e nem ser um convite para que as pessoas a burlem simplesmente para poderem exercer suas atividades diárias.  É difícil dizer se um burocrata dificulta às vezes a vida alheia por instrução de um superior, ou simplesmente porque não se importa mesmo, ou até porque se satisfaz criando dificuldades e exercendo autoridade sobre outros.  Uma empresa onde a burocracia se torna cada vez mais pesada, confusa e lenta é uma empresa que sofrerá em várias frentes com perda de competitividade, aumento de custos e até com fuga de bons funcionários para outros empregos.  Em suma, o mercado pune severamente aqueles que julgam que criar procedimentos é o âmago de qualquer negócio, ao invés de bons produtos e serviços. 

E esta é uma razão para qual os governos deveriam ser mínimos e a maioria das estatais deveriam ser privatizadas.  Quem já trabalhou com a Petrobras sabe que ela têm, infelizmente, várias outras atividades além de extrair e refinar petróleo, sendo que uma notória é a publicação de normas de engenharia, construção, etc.  Algumas delas são até boas e úteis, mas conheço pessoas dentro da Petrobras que já me falaram que até os funcionários procuram burlar algumas normas mas tem medo de fazer isso e tentam empurrar a responsabilidade da rebeldia para outros.  O curioso é que já presenciei empresas privadas adotarem informalmente as normas Petrobras em suas atividades.  Por mais útil que isso possa ser em devidas oportunidades é um risco de incentivar uma desnecessária burocracia.

Governos devem ser enxutos pois justamente carecem do incentivo de serem “simplificados”, se a burocracia afetar o desempenho do governo (déficit primário), há sempre a opção de aumentar os impostos ou criar moeda gerando inflação.  A estabilidade do emprego de funcionários públicos, apesar de ter sido elaborada por boas intenções, dificulta uma reestruturação da burocracia oficial e incentiva muitos destes a não procurarem melhorar os serviços prestados.  É claro que existem exemplos onde o governo melhorou e muito os seus procedimentos, mas no geral o Brasil tem muito o que caminhar.  É difícil explicar a um estrangeiro o que é um despachante e que um cartório pode ser um negócio lucrativo.

Nós as baratas sofremos com este cotidiano de dificuldades criadas, muitas vezes sem se saber o porquê delas simplesmente existirem.  Mas é bom reconhecer que quase todos temos uma propensão a criar dificuldades e temos de ser incentivados a agir de maneira contrária.  Qualquer sociedade que incentivar em demasia seus membros a se tornarem criadores de procedimentos é uma sociedade que taxará estes com perda de de produtividade e tempo, sem contar a drenagem de bons profissionais que podem ficar tentados a deixar empregos produtivos por uma burocracia lucrativa.

quarta-feira, 27 de maio de 2015

A Descoberta de Leif Erikson



O explorador islandês Leif Erikson segundo os dados históricos mais precisos viveu de 970 a 1020.  Não é exatamente alguém lembrado pela maioria das aulas de história como Cristóvão Colombo, mas Leif esteve na América quase 500 anos antes de Colombo.  Suas viagens são contadas, com certo grau de imprecisão, na Saga de Erik o Vermelho e na Saga dos Groenlandeses.  Os motivos para as Américas falarem em sua grande maioria espanhol, inglês e português ao invés de uma língua nórdica são vários e merecem uma certa reflexão.

No ano 1000, em plena Idade Média, as principais nações européias estavam fragmentadas e sofriam para repelir os vários invasores bárbaros.  Espanha e Portugal travavam lutas por sua independências dos invasores árabes que dominaram por quase 500 anos a Península Ibérica.  A França apesar de Carlos Magno se fragmentou em vários feudos por volta desta época.  A Inglaterra também feudal lutava contra as constantes invasões vikings, sendo que estes naquela época chegaram a estabelecer domínio sob parte de território inglês que incluía a cidade de York.

Os vikings eram grandes exploradores, segundo relatos estiveram além da Grã-Bretanha no norte da África, Sicília, Rússia, Ucrânia e até em Bagdá.  Mas foram imortalizados na memória popular pelo terror que os saques em território inglês impunham na população local.  Apesar das pilhagens, os vikings tinham uma extensa rede de comércio pela Europa e oeste da Ásia, avançados conhecimento de navegação e tecnologia naval.  Os povos nórdicos estabeleceram colônias em ilhas do Atlântico Norte como as Faroe e principalmente na Islândia.  Mas não pararam por aí e estabeleceram uma colônia na Groenlândia, inicialmente mal-sucedida.  Tecnicamente a maior ilha do mundo já é no continente americano, então a data da primeira colônia americana é, de acordo com relatos das sagas, 985 quando Erik o Vermelho chegou à ilha americana com 14 navios.  A primeira colonização da Groenlândia durou pouco mais de 500 anos, por motivos ainda não esclarecidos a população nórdica naquela ilha simplesmente sumiu.

O mais impressionante é que o filho de Erik o Vermelho, Leif Erikson, foi além de seu pai.  Após ouvir relatos de um outro navegador, Bjarni Herjólfsson, de ter avistado terras ao oeste da Groenlândia, Leif montou sua expedição para descobrir estas terras.  Chamou seu pai, mas este pelos relatos caiu de um cavalo e não embarcou na expedição por ter machucado o pé.  Mesmo assim Leif reuniu cerca de 35 corajosos para ir além da Groenlândia.  Leif e seus bravos seguidores chegaram na América, no atual leste canadense, em três locais sendo que o último deles foi batizado de Vinlândia, que alguns acreditam ser na ilha canadense de Terra Nova.  Atualmente, acredita-se que a Vinlândia seria no Golfo do Rio São Lourenço, no Labrador.  Os relatos das duas sagas são um tanto questionáveis, mas acredita-se que a viagem de Leif tenha sido em torno de 1001.  Leif e seus irmão exploraram a Vinlândia por quase uma década, tentaram criar um pequeno estabelecimento em solo americano, mas notadamente não foram bem sucedidos.  Um de seus irmãos, Thorvald, foi morto em um confronto com nativos americanos em 1004 e outro, Thorstein, morreu antes de zarpar da Groenlândia para a Vinlândia.  Apesar de relatarem uma terra rica em salmão, uvas e madeira, o fato é que a colonização nórdica fracassou.  Hoje o que resta na são as ruínas de L’Anse aux Meadows na Terra Nova, uma aldeia que talvez tenha sido construída para reparos nos navios dos exploradores nórdicos.

Algumas hipóteses podem ser tecidas para explicar este fracasso, vários historiadores atribuem às hostilidades entre os nativos e os exploradores o fato destes últimos desistirem de se aventurar mais no continente americano.  Acredito que os povos nórdicos naquela época não tinham recursos para se aventurarem tão distante.  Os vikings tinham seus negócios focados na Europa e na Ásia, e um empreendimento tão distante era nada atrativo.  A população nórdica pelas estimativas históricas não deve nem ter chegado perto de 1 milhão de habitantes.  Simplesmente não havia nórdico suficiente para se colonizar muito além da Islândia.  O custo de se trazer produtos da Terra Nova seria proibitivo em comparação com os custos de produtos semelhantes oriundos da Europa e da Ásia, o que traria inevitáveis prejuízos.  E, é claro, Erik o Vermelho e sesu filhos apesar de todo o empreendedorismo não tinham capacidade e nem o conhecimento de criar uma indústria local, estabelecer um diálogo com os nativos americanos, divulgar sua descoberta, comercializar os produtos americanos em outros locais, em suma faltou marketing para eles serem bem sucedidos.

O fracasso da primeira colonização na Groenlândia mostra que havia uma limitação para a expansão colonial nórdica.   Quando Colombo chegou à América, quase 500 anos depois de Leif, a Espanha tinha um contingente maior de recursos para investir naquela empreitadas, sem contar a motivação de buscar novas rotas de comércio após a queda do Império Bizantino e a dificuldade em se restabelecer as rotas pelo Oriente Médio.  Inglaterra e Portugal também foram bem sucedidos na colonização do continente americano, enquanto França e Holanda tiveram resultados pífios em comparação com estas três nações.  A Rússia também chegou ao continente americano bem depois mas desistiu oficialmente da empreitada vendendo o Alaska para os americanos.  Este aliás um negócio à primeira vista ruim para os russos dado a quantidade de ouro e petróleo naquelas terras, mas justificável sob a ótica que era difícil o acesso de Moscou ao Alaska uma vez que a rota de suprimentos teria de atravessar o vasto e pouco desenvolvido norte do continente asiático.

A primeira descoberta da América nos deixa a lição que nem sempre os pioneiros de um avanço tecnológico ou de uma descoberta científica serão aqueles que colherão os louros do sucesso.  No Brasil, podemos lembrar que fomos pioneiros no uso de etanol como combustível de automóveis, mas isso não garantiu que nos mantivéssemos na vanguarda da tecnologia sucroalcooleira.  Apesar das condições ótimas para o cultivo da cana de açúcar, passamos pelo vexame de importar etanol.  Pode-se dizer que o Brasil dormiu no ponto.  Não é um fracasso retumbante como a colonização nórdica na América, mas algumas questões são levantadas para justificar termos sido ultrapassados.  Faltou ao Brasil uma busca maior por aprimoramento tecnológico, recursos humanos necessários para se pesquisar mais sobre este processo, tanto no aspecto tecnológico como mercadológico, e também uma visão empresarial mais arrojada e menos acomodada.  Não custa lembrar que este último fator resultou na década de 1990 na reversão da frota que era quase de 90% de carros a etanol para quase 90% de carros a gasolina, após os usineiros deixarem todos os consumidores sem etanol nos postos para produzir açúcar.  É claro que as condições macroeconômicas atuais não favorecem tanto o etanol, mas certamente o Brasil deveria estar em melhor colocado.

Vários exemplos podem ser comparados com este fracasso histórico.  Nações, empresas, indivíduos muitas vezes serão pioneiros em algum momento, mas sem os recursos necessários rapidamente perderão a dianteira.  Os cientistas brasileiros que conseguirem nestas terras ter a capacidade de triunfar diante de tantas adversidades muito provavelmente serão convidados para continuarem suas pesquisas em outros países com melhores condições, algo que já é bem comum diga-se de passagem e não exclusivo ao Brasil.  Faltam recursos de todos os tipos para o Brasil desenvolver inúmeros tipos de tecnologias pioneiras.  Empresas pequenas que desenvolvem novos produtos são muitas vezes compradas por empresas bem maiores que possuem recursos financeiros muito mais abastados.  Basta ver o que aconteceu com o Waze e o WhatsApp recentemente adquiridos por Google e Facebook.  Na contramão, pode se lembrar da Netscape que resolveu enfrentar a Microsoft e se deu mal.

Acredito que se Leif Erikson tivesse nascido 500 anos depois, teria sido contratado ou pelos ingleses ou pelos espanhóis para tocar expedições para a América.

Do Desespero à Euforia e de Volta ao Desespero



Quem vivenciou a redemocratização neste país na segunda metade da década de 1980 vai lembrar de  alguns peculiares momentos que foram enfrentados naquela época.  Muitos deles nada agradáveis, como hiperinflação, recessão, escândalos de corrupção, mas também houve uma enorme euforia com o Plano Cruzado, esta turbinada pela recém vivência da eleição de Tancredo Neves em 1985.  Lá nos idos de 1986, José Sarney e o finado ministro da fazenda Dílson Funaro vieram com um plano simples para conter inflação, que já passava dos 200% ao ano: proibir aumento de preços.  Era uma solução simples que rapidamente foi espalhada pelo país, surgindo os vários “fiscais do Sarney” para coibir os “vilões”, como gerentes de supermercados que “queriam esfolar a população”.  Para quem ficou impressionado com as manifestações recentes, talvez não se lembre o que foram consumidores gritando diante das câmeras e “fechando estabelecimentos em nome de Sarney”.  Não é necessário lembrar que essa solução simples e absurdamente equivocada não duraria além da eleição geral de 1986, algo parecido com que houve no ano passado.  O governo Sarney terminou com uma inflação mensal de 80% em 1990.  Era o desastre.

A ditadura militar alavancou o PMDB à condição de partido que iria trazer o Brasil para o caminho da liberdade e também da prosperidade.  As barbeiragens do governo Sarney, a herança maldita da ditadura militar e a obsessão de Ulysses Guimarães pela presidência enterraram o PMDB que se transformou no atual monstrengo que ele é.  Além dos efeitos nocivos na economia, a crise daquele governo afetou em muito a população brasileira.  O Plano Cruzado devastou várias pessoas e empresas que embarcaram no otimismo desenfreado e depois se viram endividadas até o pescoço.  Desemprego e depauperação sempre foram e serão difíceis de se lidar.  Mas nunca devemos menosprezar os efeitos psicológicos deflagrados por crises econômicas e políticas.

Atualmente vivemos uma onda de mau humor e inconformismo, ou por termos assistido a eleição de Dilma sabendo do desastre que viria ou por termos acreditado nas promessas dela.  Negação, raiva, desespero, depressão e aceitação são os cinco estágios que alguém enfrenta quando se depara com a notícia que irá morrer eminentemente.  Acredito que estes estágios se apliquem também a outras perdas pessoais e também para a população diante de uma situação ruim que se instaura no país.  A negação veio durante o Plano Cruzado quando nos deparamos com sérios indícios que aquela aventura acabaria mal, a raiva veio em seguida quando Sarney enfrentou vários protestos e manifestações além de ver sua popularidade ser dizimada, e o desespero veio com a eleição de 1989 para presidente.

Os momentos mais vulneráveis que alguém enfrenta durante a vida são aqueles no qual está desesperado.  O pânico e a vontade irracional de remediar ou reverter uma situação de desespero faz com que as pessoas tomem decisões erradas.  Todos já ouvimos estórias de pessoas que acreditam em verdadeiros charlatões para resolverem problemas de saúde, dinheiro e afeto.  Basta olhar a TV aberta durante a madrugada para testemunhar a quantidade de charlatões prometendo o céu na terra para se ter uma ideia do quão perigoso é o desespero.  Quando uma população está desesperada, os charlatões são até mais perigosos.  Basta ver os três mais votados e suas propostas de governo em 1989.

O que Lula e Leonel Brizola, respectivamente segundo e terceiro mais votados, propunham era o decreto de arruinar economicamente o país por um bom tempo.  Tanto que Lula jamais cogitou durante seus mandatos dar calote na dívida externa, estatizar bancos privados, ou aumentar irresponsavelmente o salário mínimo.  Mesmo assim ele nos endividou mais ainda, pilhou os bancos estatais e aumentou vergonhosamente o salário de alguns seletos companheiros!  Já Brizola nem programa de governo tinha...

Mas o Brasil elegeu notoriamente Fernando Collor, alguém que vinha com a promessa de modernidade e com a fama de Caçador de Marajás.  O fato que Alagoas, onde governou, jamais ter se livrado de seus “marajás” era indício que Collor não seria a solução.  E lembro de um que debochadamente prometeu desfilar de elefante para receber o seu salário de funcionário público fantasma.  Collor por mais que as pessoas esqueçam tocou durante sua campanha em pontos que realmente são necessários para colocar o país nos trilhos.  Foi um dos poucos que prometeu austeridade fiscal, diminuição da máquina governamental e privatização das estatais.  É claro que a ausência de suportação política no congresso, uma equipe econômica incompetente, acessos de megalomania e enorme ganância para enfiar a mão no dinheiro público fizeram com que seu governo fosse um fracasso de bilheteria e terminasse antes do que o previsto.  Além de não ter matado a inflação com um tiro só e ter substituído seus ministros “imexíveis”, Collor nos jogou em uma recessão sem paralelo (ainda).  Pelo menos deu início às privatizações neste país e derrubou algumas proteções comerciais medievais, tudo isso a um preço muito caro.  Depois do desespero da eleição de 1989, veio a depressão com a dura realidade do governo Collor.  Ainda bem que nunca chegamos ainda no estágio da aceitação.

Lula também chegou ao poder em 2002 sob uma enorme onda de euforia neste país.  Testemunhei várias pessoas que acreditaram que o país finalmente elegeu o líder que nos colocaria no caminho da virtuosidade.  Euforia enorme que cegou boa parte da população que não se atentou à vertiginosa escalada da corrupção e à deterioração dos fundamentos econômicos.  O resultado foi que Lula conseguiu empurrar à população Dilma e toda a sua incompetência.  Beira o inacreditável que alguém como ela tenha sido reeleita neste país.

O Brasil se encontra em uma situação extremamente delicada.  A crise política impede que se resolva a crise econômica.  O país precisa que se resolva problemas estruturais gravíssimos como falta de infra-estrutura, de educação e de escassez de mão-de-obra, de segurança pública entre outros.  A nossa reputação com o exterior, onde estão potenciais investidores, está arranhada seriamente pela incompetência e atitudes equivocadas na política de relações exteriores.  Necessitamos urgentemente de reformas políticas, tributárias, previdenciárias e trabalhistas.  O combate à corrupção tem de ser intensificado para muito além da Petrobras.  Tudo isso demandará muito tempo para ser feito, talvez décadas, o que privaria pelo menos uma geração de ver um país melhor.


O desespero de vivenciar um país com uma economia abalada que afeta seriamente a vida de vários é um risco sério para todos nós.  O que não faltam são aventureiros neste país com promessas de resolver quase que imediatamente todos os nossos problemas.  Collor foi um que foi rapidamente expurgado, recebeu o país em frangalhos e nos quebrou mais um pouco.  Lula recebeu o país em melhores condições e promoveu uma verdadeira farra com o dinheiro alheio.  Deixou Dilma na presidência além de inúmeros outros esqueletos.  Cabe aos brasileiros não se desesperarem e nem se deixarem levar por euforias momentâneas.  O país só caminhará para frente com muito trabalho árduo e sacrifício de todos, pobres e ricos.

sexta-feira, 15 de maio de 2015

A Combinação Tóxica de Orgulho com Irresponsabilidade



Credibilidade é algo que se conquista a duras penas e se perde rápido se não se tomar cuidado.  Quem não entende isso, sofre as consequências durante a vida.  As nações também precisam ter credibilidade, não só dos seus líderes mas principalmente de seu povo.  O maior mal da democracia é que se o povo escolhe mal, a credibilidade da nação, do povo e dos líderes é afetada.  Lá no final da década de 1980, o país se encontrava em caos financeiro tendo um panorama de hiperinflação, dívida externa astronômica e algo que poucos comentam que era um duradouro e danoso déficit fiscal.  Qualquer país que não queira sofrer com inflação e endividamento, tem que atacar o déficit fiscal, pois esses dois problemas são decorrentes do déficit.  O governo também pode aumentar impostos, como está fazendo agora, para atenuar este problema, mas há um limite para se cobrar impostos e após um ponto a arrecadação diminui, algo que muitos em vários governos parecem esquecer. 

A real solução para reduzir o déficit e transformá-lo em superávit é o controle das contas públicas, não há outra maneira e qualquer outra alternativa é enrolação.  O histórico do Brasil desde o fim da ditadura militar é do uso de inflação, endividamento e aumento de impostos para tapar os rombos.  Com o Plano Real a inflação, pelo menos a hiperinflação, deixou de ser uma opção e para se diminuir os custos a administração de Fernando Henrique Cardoso acelerou as privatizações o que trouxe o benefício de gerar caixa.  Vender ativos, ainda mais aqueles que dão prejuízos, é sempre necessário, mas seu efeito é de duração limitada.  Como a administração FHC, apesar de ter em momentos intuitos de reduzir custos não foi bem sucedida neste objetivo, então teve que passar o chapéu para conseguir empréstimos.

Quando alguém precisa coibir déficits pessoais, este não tem como emitir dinheiro, e se conseguir estará infringindo a lei falsificando dinheiro, ou cobrar impostos, a não ser que infrinja de novo a lei roubando dinheiro alheio.  Então sobram as opções de vender ativos ou pedir dinheiro emprestado.  Como venda de ativos nem sempre é possível, o jeito é apelar para empréstimos.  Os possíveis credores sempre olharão o histórico de crédito do futuro devedor e também a capacidade do sujeito ter como pagar o empréstimo, isto é em um dado momento o devedor tem que ser superavitário e não deficitário.  Ninguém consegue chegar em um banco bufando e proferindo retóricas e obter um empréstimo a juros camaradas sem demonstrar que conseguirá honrar os empréstimos.  Se conseguir pode desconfiar da instituição que emprestou os recursos!  E não levo em conta os empréstimos feitos por amigos e familiares pois estes muitas vezes são na verdade doações onde nunca mais se verá o dinheiro cedido.

Pois bem, quando o Brasil precisava de socorro, tínhamos a nossa reputação arranhada.  Havíamos declarado moratória no final do governo Sarney e a então oposição feita pelo PT e seu líder Lula alardeava sempre que possível que a solução para o Brasil era o calote.  Quem em sã consciência emprestaria dinheiro para nós com este panorama?  Para isso servia o FMI, uma instituição multinacional com o propósito de socorrer nações em desespero.  Obviamente esse dinheiro viria com um preço que era o escrutínio das contas brasileiras por parte dos credores.  Entre as várias exigências estão a apresentação de um superávit primário, que nossos governos só conseguem ou aumentando impostos ou cortando os gastos com investimentos, pois ai de quem mexer na máquina gorda e lenta do governo.

O problema para o devedor é o constrangimento público deste escrutínio.  É o orgulho ferido de quem esbanja mas não tem como arcar com a opulência.  Como diria Lobão, o músico, é Décadance avec Élégance.  No ocaso de seu mandato, FHC começou a ser atacado por se submeter aos “caprichos” do FMI.  Segundo o ultra populista Lindberg Farias, estávamos se curvando a engravatados que trabalhavam em escritórios com ar condicionado.

E então veio Lula e a euforia tomou conta deste país nos primeiros anos da administração lulopetista.  Como Lula, para nossa sorte, não deu o alardeado calote na dívida brasileira pois não era um completo irresponsável, a reputação brasileira perante o mercado financeiro melhorou e foi possível se trocar nossa dívida do FMI por a de outros credores, sendo que alguns imagino eu cobrem juros maiores pois antes de 2008 o Brasil não possuía grau de investimento.  O problema do déficit fiscal no início do lulopetismo era algo a ser atacado, pelo menos para o ministro da fazenda Antônio Palocci.  Como este sucumbiu a vários escândalos de corrupção, a condução da política econômica foi passada para Guido Mantega, um economista com incrível capacidade de fazer previsões furadas e elaborar medidas equivocadas.  Mas o país naquele instante vivenciava os louros do período quase-malthusiano em que nossas commodities eram vendidas a preço de ouro para financiar o esbanjamento do lulopetismo e sua corrupção.  A propaganda e a euforia fizeram com que a população não se desse conta que nossa dívida externa não está paga.

Agora, o rei está nu.  Quem não viu que as contas do Brasil estão em situação calamitosa, está vendo muito claramente isso.  No lugar de Mantega, veio Joaquim Levy, o homem com perfil que o mercado pedia.  O Brasil está sob o escrutínio de todo o mundo financeiro.  Não estamos devendo para o FMI então não precisamos apresentar superávit primário para este, mas à priori temos de mostrar isso para as agências de risco como Moody’s, Standard & Poor e Fitch, que tem histórico questionável pois erraram em suas previsões quase tanto como Mantega.  Já está difícil rolar a dívida brasileira, os investidores estão cautelosos, para não dizer receosos, com o Brasil e o vácuo que impera no executivo brasileiro.  O ajuste fiscal que Levy enfiou goela nossa abaixo é o preço da irresponsabilidade de se promover uma verdadeira farra com o dinheiro do contribuinte.  É pior do que aqueles que o FMI exigia, pois esse ajuste não inclui frear essa farra do governo com 39 ministérios e afins.  Não adianta alardear que somos credores do FMI pois isso só ilude os mais tolos orgulhosos xenófobos que se preocupam mais com aparência do que substância. 


sábado, 18 de abril de 2015

Os Tímpanos Brasileiros



Apesar de ter mais de 80 anos desde o lançamento de Tintin na Rússia (Tintin au Pays des Soviets) em 1930, as estórias do cartunista belga Georges Remi, o famoso Hergé, sobre as aventuras do protagonista Tintin e seus amigos ainda encontram bastante fãs e são capazes de gerar polêmicas.  O seu segundo livro, Tintin na África (Tintin au Congo), foi atingido pela onda do politicamente correto e considerado racista e, portanto, banido das editoras.  O detalhe é que quem leu Hergé, sabe que ele não tinha desprezo só pelos africanos, e sim por boa parte da população mundial exceto os europeus ocidentais.  O desprezo que tinha pelos japoneses, árabes, americanos, etc era explícito em seus livros, porém poupou os chineses e os ciganos.  E é claro que sobrou para os latinos americanos também, no qual dois livros são dedicados a esculhambar a política em geral dessas bandas.  O primeiro é o Ídolo Roubado (L'Oreille Cassée) de 1937 no qual cria o fictício país de San Theodoros onde o governante é o General Alcazar.  Este tinha uma miríade de coronéis ao seu redor, todos amigos deles e sem muito cacoete para terem alguma função importante no governo.  Alcazar gostava de passar o dia jogando xadrez, de preferência contra alguém que o deixasse ganhar.  As decisões mais importantes de Alcazar, como a declaração de guerra contra Nuevo Rico, eram tomadas de acordo com os interesses de multinacionais que o mantinham na folha de pagamento. 

Já em Tintin e os Tímpanos (Tintin et les Picaros) de 1976, a crítica aos governantes latino-americanos é igualmente ou até mais ácida.  A estória relata a tentativa do General Alcazar de retomar o governo do General Tapioca que o havia deposto e aprisionado amigos de Tintin.  Este úlitmo então resolve auxiliar seu velho amigo Alcazar e sua trupe de esfarrapados, os Tímpanos, a retomarem o governo.  No início da estória, o avião que traz amigos de Tintin para San Theodoros sobrevôa uma favela da capital onde há uma placa dizendo “Viva o General Tapioca”, e no final da estória após o golpe de estado ser consumado, quando todos voltam para a Europa, a placa diz “Viva o General Alcazar”, mas nada muda na favela.  Isso sem contar que a trupe que apoiava Tapioca rapidamente debanda e passa a apoiar o Alcazar.

Hergé era preconceituoso e, portanto, muito do que escrevia tinha que ser minimizado, mas em vários pontos ele tinha bastante razão.  O aparelhamento promovido pelo PT no governo federal é muito bem representado, a diferença é que muito poucos jogam xadrez, ao invés nem aparecem para trabalhar, pois quando aparecem são capazes de atrapalhar.  Os golpes militares que eram comuns nestas bandas no século passado muitas vezes só trocavam o nome na placa.  As condições precárias das favelas não mudaram ao longo dos anos.  E o que permanece é o conceito que soluções milagrosas para o país sairão de líderes autoritários.  Em 1964, os militares com algum apoio popular apearam do poder o “simpatizante do socialismo” Jango Goulart e em tese deveriam restabelecer a democracia logo em seguida.  O resultado foram 21 anos de ditadura que nos entregou uma hiperinflação de mais de 200% ao ano na época, uma corrupção endêmica no país, um endividamento monstro, a Lei Falcão que distorce a representação popular do congresso, argumentos inesgotáveis para todo esquerdista se achar um autêntico democrata e para a demonização da direita.

O Brasil padece de uma crise política sem precedentes, no qual o governo sucumbiu ao vácuo criado por ele mesmo, que impede que se ataque frontalmente a crise econômica.  Existem problemas estruturais no qual muito pouco é feito como infra-estrutura capenga, sistema tributário kafkiano, previdência pública que engole os recursos da nação, legislação trabalhista obtusa e um enorme contingente de brasileiros que carecem de instrução mínima para que possam sair da miséria.  Quais desses problemas os militares têm condições de sanar ou executar um plano para sanar?  Não que um militar não possa ser capaz de liderar uma nação e lidar com estes problemas, mas não consigo visualizar nenhum neste momento que possa fazer isso.  Pior, após consumado o golpe, impreterivelmente os golpistas se alinhariam com boa parte das oligarquias locais existentes.  É o que foi feito em 1964 e em 1985, e também pelo próprio PT quando este assumiu o governo!  As rêmoras que pegam carona com os tubarões atuais simplesmente se atracariam aos novos tubarões.  Algo semelhante ao que Hergé retratou em Tintim e os Tímpanos.

A argumentação daqueles que gostariam de um golpe de estado geralmente inclui que os militares defenestrariam o PT do poder acabando com a corrupção praticada pela turma de Lula, Dilma, Rui Falcão e cia.  Realmente um golpe poderia punir os corruptos do PT, que são os mais vorazes já vistos nestas terras, mas não acabaria com a corrupção no país pois como a turma do PT gosta de alardear ela é uma velha senhora.  Quem tem que combater a corrupção é a justiça, o que está sendo feita, e no momento que a população clama por ritos sumários ao invés de devidos processos é que há um problema maior do que imaginamos.  E além da justiça cabe a nós também combatermos a corrupção.  Em 2006, os eleitores de Lula simplesmente fecharam os olhos para o Mensalão.  Ou optaram por ignorar os fatos ou optaram pelo cinismo sabendo que havia um escândalo de corrupção mas relevaram isso a segundo plano.  No momento que um povo não pune nas urnas os corruptos, o país é punido como um todo pelos corruptos.  Paulo Maluf e o PT mostraram que não há limite para a ganância e um ladrão não tem uma meta a atingir para depois parar de roubar, o ímpeto de continuar roubando é infinito.  O Petrolão é a prova que a eleição de 2006 foi um duro golpe à nossa democracia.  E aí reside o problema que não será sanado com um golpe militar, pois boa parte da população brasileira continuará sendo conivente com a corrupção.  Nenhum militar será capaz de mudar nossa moral em primeiro instante, apenas um processo longo de educação nos fará sermos intolerantes com a corrupção.  Os militares que nos governaram por 21 anos não conseguiram e o PT certamente nunca teve como intenção mudar este panorama.

O alinhamento do PT com algumas das piores ditaduras do planeta é vergonhoso e qualquer outro partido no governo, que não seja algo como PSTU ou PSOL, teria uma política de relações externas muito mais digna que a atual.  Um golpe nos colocaria em par com estas ditaduras.  Que alguém me aponte um golpe de estado que retirou do poder um presidente eleito de maneira legítima e que realmente tenha colocado o país em rumo virtuoso.


O dano está feito após 12 anos de governo do PT e a crise está aí para quem quiser ver.  Precisaremos de uma justiça diligente e certa para passar a limpo pelo menos os escândalos que se têm conhecimento.  A população tem que entender que o caminho para se colocar o Brasil no rumo certo é longo e penoso, ou seja após a farra vem a ressaca.  Acreditar que soluções mágicas, como aquelas prometidas por Lula em 2002, resolverão os problemas do país é simplesmente trocar a placa da favela como na estória de Hergé.  Basta olharmos para trás para não incorrermos neste erro.