quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Direitos e Deveres de Martin Shkreli



O “Hitler dos remédios” foi um dos vários apelidos que o especulador americano Martin Shkreli, CEO da Turing Pharmaceuticals, ganhou após sua notória decisão de aumentar de US$13,50 para US$750,00 o preço do comprimido do medicamento Daraprim em junho de 2015, após comprar os direitos relativos a este dos Laboratórios Impax.  A medida repentina afetou severamente aqueles que dependiam do medicamento para combate de doenças como malária e toxoplasmose, no caso da última uma infecção oportunista comum em pacientes com AIDS.  Além de receber inúmeras críticas de associações médicas e farmacêuticas, de políticos americanos de todo o espectro desde Hillary Clinton até Donald Trump, Shkreli obteve bem mais que os habituais 15 minutos de fama, na verdade vários meses de infâmia.  Contratou lobistas e relações públicas, mas para certas atitudes e situações, não há marketing que resolva, nem João Santana faz milagre.  Recentemente, Shkreli foi preso por acusações de fraude, não relacionadas à celeuma do Daraprim, mas independente de sua culpa ou não, quem julgá-lo vai levar em conta, mesmo que inconscientemente, a ganância desenfreada de Shkreli demonstrada.

O que Shkreli fez com os usuários do Daraprim é claramente imoral e beira a chantagem descarada mesmo, por mais que teça inúmeras explicações para justificar o aumento abusivo.  Mas fica o questionamento, até onde vai o dever de um fabricante de medicamento em fornecer a um preço justo um produto mais que necessário para uma clientela que necessita deste para sobreviver, e até onde esse dever interfere com o direito de um dono de negócio de julgar como vender seus produtos e serviços e até mesmo de interromper o fornecimento destes produtos e serviços.  Shkreli mereceu todos os apelidos que ganhou nos últimos meses, mas sob certa ótica seguiu a regra os seus direitos como empresário.  Pergunte a qualquer outro empresário se ele gosta de sofrer ingerência governamental ou popular sobre como conduz seu negócio e com certeza obterá a mesma resposta: um não categórico.

A verdade é que o empresariado tem que ao tomar essas medidas controversas ter duas coisas em mente: primeiro esse tipo de medida é no mínimo antipática e deve ser evitada para se poupar o próprio empresário, e segundo que a longo prazo esse tipo de medida é pouco inteligente, para não dizer burra, pois apesar dos ganhos imediatos instiga a sociedade e o mercado a procurarem alternativas.  Publicidade negativa atrapalha e pode até castigar um negócio severamente, mas algumas vezes tem um efeito limitado.  Lembro quando a Microsoft era considerada uma corporação nociva por estar destruindo a concorrência com práticas abusivas, algo com bastante fundamento aliás, porém poucos ousavam em não usar o Word e o Excel para não incorrerem no risco de criar problemas para outros usuários.  Mas o risco maior é para o empresário.  Outra vez, Shkreli vai sentir o gosto dessa publicidade negativa em seu julgamento.  Além do que esse tipo de atitude serve para atrair carreiristas políticos que gostam de explorar essas situações.  Por muito menos Eliana Tranchesi foi presa por sonegação fiscal e condenada por 94 anos e meio.  Tranchesi passou a ter um alvo pintado nas costas no momento que inaugurou seu elefante branco em São Paulo, a Daslu.  Por mais que não fosse exatamente antipática, a ostentação desnecessária é interpretada como uma afronta por vários.

Na Idade Média, enquanto o Império Bizantino definhava e o Império Otomano conquistava os territórios por onde passavam as rotas das especiarias, os reinos ocidentais procuravam rotas alternativas para se atingir a Índia.  Com a queda de Constantinopla em 1453, os otomanos impuseram tarifas altas para os mercadores, impulsionando de vez as grandes navegações, marcando assim o início da Idade Moderna.  A necessidade sempre foi e será a mãe da invenção, conforme disse Platão, e tentativas de monopolizar um determinado produto ou serviço sempre foram contornadas com a criação de alternativas.  Tanto que a Imprimis Pharmaceuticals em outubro de 2015 anunciou a fabricação de um medicamento genérico que custa US$1,00.  Shkreli deveria ter aprendido com a OPEP a sempre estabelecer os preços de acordo com o mercado, em específico para não deixar produtos alternativos se tornarem mais economicamente vantajosos.  A própria Microsoft viu seu monopólio ser derrubado nos últimos anos.

Em um país onde o livre mercado é um pilar fundamental, a atitude de Shkreli é na verdade um atentado a este pilar.  Tentar lucrar com o desespero alheio é uma justificativa para ingerência.  O bom senso deveria prevalecer nestas situações, mas infelizmente ele é de difícil regulação.  Fabricantes de medicamentos como qualquer ramo de negócios têm direito ao lucro, os pesquisadores que muitas vezes gastam décadas e a vida tentando sintetizar uma droga específica que pode vir a demorar até mais para ser aprovada para uso têm direito a não terem após seu sucesso sua patente quebrada em nome de “um bem maior” para a comunidade.  A livre concorrência é e sempre será a melhor solução para os Shkrelis da vida e seus espasmos monopólicos de curta duração.


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