O “Hitler dos remédios” foi um dos vários
apelidos que o especulador americano Martin Shkreli, CEO da Turing
Pharmaceuticals, ganhou após sua notória decisão de aumentar de US$13,50 para
US$750,00 o preço do comprimido do medicamento Daraprim em junho de 2015, após comprar
os direitos relativos a este dos Laboratórios Impax. A medida repentina afetou severamente aqueles
que dependiam do medicamento para combate de doenças como malária e
toxoplasmose, no caso da última uma infecção oportunista comum em pacientes com
AIDS. Além de receber inúmeras críticas
de associações médicas e farmacêuticas, de políticos americanos de todo o
espectro desde Hillary Clinton até Donald Trump, Shkreli obteve bem mais que os
habituais 15 minutos de fama, na verdade vários meses de infâmia. Contratou lobistas e relações públicas, mas
para certas atitudes e situações, não há marketing que resolva, nem João
Santana faz milagre. Recentemente,
Shkreli foi preso por acusações de fraude, não relacionadas à celeuma do
Daraprim, mas independente de sua culpa ou não, quem julgá-lo vai levar em
conta, mesmo que inconscientemente, a ganância desenfreada de Shkreli
demonstrada.
O que Shkreli fez com os usuários do Daraprim é
claramente imoral e beira a chantagem descarada mesmo, por mais que teça
inúmeras explicações para justificar o aumento abusivo. Mas fica o questionamento, até onde vai o
dever de um fabricante de medicamento em fornecer a um preço justo um produto
mais que necessário para uma clientela que necessita deste para sobreviver, e
até onde esse dever interfere com o direito de um dono de negócio de julgar
como vender seus produtos e serviços e até mesmo de interromper o fornecimento
destes produtos e serviços. Shkreli
mereceu todos os apelidos que ganhou nos últimos meses, mas sob certa ótica seguiu
a regra os seus direitos como empresário.
Pergunte a qualquer outro empresário se ele gosta de sofrer ingerência
governamental ou popular sobre como conduz seu negócio e com certeza obterá a
mesma resposta: um não categórico.
A verdade é que o empresariado tem que ao tomar
essas medidas controversas ter duas coisas em mente: primeiro esse tipo de medida
é no mínimo antipática e deve ser evitada para se poupar o próprio empresário,
e segundo que a longo prazo esse tipo de medida é pouco inteligente, para não
dizer burra, pois apesar dos ganhos imediatos instiga a sociedade e o mercado a
procurarem alternativas. Publicidade
negativa atrapalha e pode até castigar um negócio severamente, mas algumas
vezes tem um efeito limitado. Lembro quando
a Microsoft era considerada uma corporação nociva por estar destruindo a
concorrência com práticas abusivas, algo com bastante fundamento aliás, porém
poucos ousavam em não usar o Word e o Excel para não incorrerem no risco de
criar problemas para outros usuários.
Mas o risco maior é para o empresário. Outra vez, Shkreli vai sentir o gosto dessa
publicidade negativa em seu julgamento.
Além do que esse tipo de atitude serve para atrair carreiristas
políticos que gostam de explorar essas situações. Por muito menos Eliana Tranchesi foi presa por
sonegação fiscal e condenada por 94 anos e meio. Tranchesi passou a ter um alvo pintado nas
costas no momento que inaugurou seu elefante branco em São Paulo, a Daslu. Por mais que não fosse exatamente antipática,
a ostentação desnecessária é interpretada como uma afronta por vários.
Na Idade Média, enquanto o Império Bizantino
definhava e o Império Otomano conquistava os territórios por onde passavam as
rotas das especiarias, os reinos ocidentais procuravam rotas alternativas para
se atingir a Índia. Com a queda de
Constantinopla em 1453, os otomanos impuseram tarifas altas para os mercadores,
impulsionando de vez as grandes navegações, marcando assim o início da Idade
Moderna. A necessidade sempre foi e será
a mãe da invenção, conforme disse Platão, e tentativas de monopolizar um
determinado produto ou serviço sempre foram contornadas com a criação de
alternativas. Tanto que a Imprimis
Pharmaceuticals em outubro de 2015 anunciou a fabricação de um medicamento
genérico que custa US$1,00. Shkreli
deveria ter aprendido com a OPEP a sempre estabelecer os preços de acordo com o
mercado, em específico para não deixar produtos alternativos se tornarem mais
economicamente vantajosos. A própria
Microsoft viu seu monopólio ser derrubado nos últimos anos.
Em um país onde o livre mercado é um pilar
fundamental, a atitude de Shkreli é na verdade um atentado a este pilar. Tentar lucrar com o desespero alheio é uma
justificativa para ingerência. O bom
senso deveria prevalecer nestas situações, mas infelizmente ele é de difícil
regulação. Fabricantes de medicamentos
como qualquer ramo de negócios têm direito ao lucro, os pesquisadores que
muitas vezes gastam décadas e a vida tentando sintetizar uma droga específica
que pode vir a demorar até mais para ser aprovada para uso têm direito a não
terem após seu sucesso sua patente quebrada em nome de “um bem maior” para a
comunidade. A livre concorrência é e
sempre será a melhor solução para os Shkrelis da vida e seus espasmos monopólicos
de curta duração.
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