sábado, 30 de julho de 2016

A Muralha de Trump

Em 122 DC, o imperador romano Adriano construiu a famosa muralha em solo britânico que leva seu nome, a Muralha de Adriano.  A razão para a construção de tal fortificação é atribuída à necessidade de proteger os territórios romanos na atual Inglaterra contra invasões bárbaras como as realizadas pelos pictos.  Porém, este é um ponto de questionamento, uma vez que a obra em questão se localizava ao sul de áreas controladas pelos romanos.  A muralha tinha cerca de 120 km de extensão, altura e profundidade variando de 3 a 5 metros.  Essa obra foi precedida 20 anos depois pela muralha de Antonino, imperador romano e enteado de Adriano, localizada mais ao norte da mais famosa muralha e com cerca da metade da extensão da obra de seu padrasto. A muralha de Adriano serviu de inspiração até para a obra "As Crônicas de Gelo e Fogo" de George Martin.  Indago se essa muralha também serviu de inspiração para a promessa de campanha do candidato republicano Donald Trump à presidência americana.

Claro que Trump pode também ter se inspirado na Grande Muralha da China, obra ainda mais famosa que às romanas com extensão na casa dos milhares de quilômetros e cerca de 300 anos mais antiga.  Ou no infame Muro de Berlim criado para aprisionar alemães dentro do regime socialista imposto pelos soviéticos.  Ou ainda no polêmico Muro da Cisjordânia, que na verdade é composto em parte por cercas de arame farpados, criado ou para impedir terroristas palestinos de adentrarem território israelense, segundo israelenses, ou para Israel expandir as suas fronteiras dentro de território palestino, segundo os que são contra Israel.

O que difere a Muralha de Trump das demais fronteiras físicas artificiais é que esta tem o intuito de criar uma barreira entre dois países de relativo bom relacionamento com extensos laços econômicos, comerciais e culturais.  A Muralha de Trump se estenderá pelos quatro estados americanos, Texas, Novo México, Arizona e Califórnia, que tem fronteira com o México.  Sim, o país latino tem graves problemas sociais além de parte do território ser infestado e dominado por cartéis de narcotráfico, mas o mexicano não é nenhum bárbaro que pilhará Washington ou terrorista que se explodirá em pleno Central Park.  Sem contar que os criminosos mexicanos já fazem uso de túneis em cidades fronteiriças (San Diego / Tijuana e El Paso / Ciudad Juarez) e até de submarinos para burlarem a fronteira entre os dois países.  Indago se caso Trump chegue realmente à Casa Branca, se tal projeto realmente não seja vetado pelo Congresso.

Recentemente, estive trabalhando em Michigan, estado americano com alta taxa de desemprego e até mesmo decréscimo populacional em seu grande centro urbano de Detroit, e ouvi algumas críticas aos sindicatos locais.  Um gerente de uma planta elogiou os trabalhadores mexicanos por estarem dispostos a trabalharem mais e melhor do que os americanos, que fazem questão de usar os sindicatos para imporem condições aos empregadores.  Claro que existem empregadores que abusam e exploram da agonia dos imigrantes para imporem condições trabalhistas abusivas, mas é inegável que os sindicatos americanos prejudicam o mercado de trabalho americano.  Ao invés de construir uma nababesca muralha, Trump poderia rever as relações trabalhistas.  Mas aí surge o problema é que o trabalhador americano sindicalizado vota e o imigrante ilegal não...

Outra proposta é a de se proibir (ou dificultar) a entrada de muçulmanos nos EUA.  Entendo que é uma afronta à Constituição Americana, mas isso é um tema para debate mais extenso.  Trump depois aparentemente recuou dizendo que barraria somente os muçulmanos de países comprometidos com o terrorismo.  Como o próprio Bush filho disse após os ataques de 11 de setembro de 2001, os EUA tinham sido atacados por um covarde sem face, isto é o terrorismo não tem uma bandeira identificável.  Fala se até em dificultar a entrada de franceses e alemães, países que segundo Trump foram permissivos com a entrada de terroristas e, portanto, sofrem agora com este problema. 

Qualquer candidato que se promova por propostas tão polêmicas e as apresente como soluções simplistas para problemas complexos deve ser observado com cautela.  Quando o Levy Fidelix se baseia em um programa como a canalização do Rio Tietê e a construção do aerotrem, ele é engraçado pois não tem chance de vitória, mas usa do nosso dinheiro para promover esses absurdos.  Trump assusta pois lidera as pesquisas de intenção.  E fica a questão do que Trump realmente planeja fazer caso ganhe a eleição.

Suas propostas na área de saúde e de educação não são nada absurdas e sob certa ótica até mesmo sensatas, mas há outras que assustam bastante, mais até que a construção da Muralha de Trump.  O discurso de dificultar estrangeiros de trabalhar nos EUA servirá para que outros países contratem bons profissionais estrangeiros, assim alavancando empresas não-americanas e criando uma considerável penalização às americanas.  Os EUA possuem um formidável contingente de profissionais capacitados, mas historicamente sempre atraiu profissionais estrangeiros altamente capacitados que ajudaram o país a ser a potência que é.

Também assusta o discurso de punir empresas que resolvam transferir suas linhas de produção para outros países.  A ameaça de Trump de punir a Apple caso esta produza o iPhone fora dos EUA é benéfica para companhias estrangeiras que poderão se valer de produzir um telefone celular mais barato e no futuro comercializá-lo a preços mais competitivos em território americano e estrangeiro.  Ou será que Trump irá sobretaxar produtos de alto valor agregado?  Se Trump soubesse o que foi a Lei da Informática no Brasil!

Isso sem contar as mais bravatas de impor restrições aos chineses, esquecendo que estes têm alto grau de entrelace comercial com os EUA e de participação no mercado financeiro, inclusive financiando a dívida americana.  É de arrepiar pensar uma reunião entre Trump com o déspota ardiloso Vladimir Putin.  Para aqueles que não nasceram durante a Guerra Fria, este é um pensamento sombrio.

A história nos ensina que movimentos migratórios podem ser catastróficos para algumas nações, mas o que Trump propõe não é solução e pode em um curto prazo resultar em algumas melhoras para os americanos.  No longo prazo, esse tipo de postura tem um custo alto.  A última coisa que se quer são os EUA abraçando um populismo raso, xenofobia e isolamento.  Não é benéfico para o mundo civilizado e não se conhece nações que tenham prosperado nessas condições.