sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Sem Paz para os Ímpios

No Brasil, existem algumas máximas que parecem nos assombrar.  A do momento é que nada não é ruim o suficiente que não possa piorar.  A situação atual é algo como a tempestade perfeita, ou a conjunção de planetas para abrir um portal dos infernos direto no território brasileiro.  É claro que se compararmos a nossa situação com a de países como Venezuela e Síria, ela é melhor, mas muito longe de ser boa.

Desemprego recorde, déficit público alarmante, corrupção alastrada e um cenário político caótico mina as esperanças de milhões de brasileiros.  Foram necessários vários anos de uma ação persistente e completamente equivocada para se chegar nesse cenário, ele não foi criado da noite para o dia.  Por anos o Brasil viveu uma ilusão e se estruturou encima de um castelo de areia.  Não há solução instantânea para nosso inferno astral, mas vários esperam que isso venha a acontecer imediatamente.

Os partidários de Dilma Rousseff e toda a sua inépcia infinita chamam Michel Temer de golpista e traíra.  Golpe é a narrativa da esquerda para se esconder as atrocidades cometida pela ex-presidente com a economia da nação.  Traição pode até ser, mas se realmente Dilma e o PT confiaram em Temer, o que não acredito, isso foi de uma ingenuidade ímpar.  Nunca percebi o PMDB como aliado, mas sim um caronista momentâneo.  O PMDB é o partido de "onde há governo, sou a favor", mas há mais de 20 anos não se interessa em assumir esse poder, apenas orbitá-lo.  Os partidários de Temer não são de esquerda ou de direita, são a favor do poder e de poderem parasitar o poder.  Não existe ideologia em figuras como Renan Calheiros, apenas interesses, conflitantes com os dos demais brasileiros.  Isso não quer dizer que o PMDB compactue das ideologias absurdas de Dilma, muito pelo contrário, mas esses "detalhes" podem ser relevados mediantes acordos.

Quando um partido aceita compor a vice-presidência da chapa de outro partido, ou faz isso por coincidência de ideias e ideais, ou por interesses momentâneos mutuamente benéficos.  Conforme dito, não acredito na primeira opção.  Sobra a segunda opção, o que eram estes interesses do PMDB em se aliar a o PT geram diversas teorias, todas inquietantes.  Portanto, Temer não é o mentor das atrocidades de Dilma, mas foi no mínimo conivente com elas, por um preço alto.

A situação que Temer herdou é uma das piores possíveis.  Os fundamentos da economia brasileira sofreram processo de corrosão intenso, e é necessário um esforço e um sacrifício enorme para repará-los.  A equipe econômica escolhida por Temer é boa, aliás qualquer uma sem Guido Mantega, Alessandro Tombini, Nelson Barbosa ou de simpatizantes destes seria já melhor.  Esta nova equipe está com a visão analítica correta dos atuais problemas e propôs alguns remédios amargos, mas necessários, para a reparação necessária.  Limitar gastos, repensar a previdência e as leis trabalhistas são atitudes que à primeira vista parecem ser contra a população, mas pelo contrário são a favor.  O brasileiro se ilude que a farra promovida não era financiada com nosso dinheiro e pior com a capacidade do país gerar novos negócios e empregos.  Mas sempre existirão as tentações populistas de soluções fáceis para se resolver os problemas estruturais, com consequências graves, é claro.

E eis que surgem os problemas do PMDB.  O primeiro é que apesar do partido não compactuar com as crenças políticas do PT, até certo ponto diga-se de passagem, ele não fez nada para evitar essa nefasta política econômica, pior deu apoio para que elas fossem mantidas via aliança política nas eleições de 2010 e 14.

O segundo é que o PMDB é um partido de órbita do poder, desacostumado a lidar com as cobranças diretas da população, não sabe fazer oposição e na situação não sabe transmitir à população a gravidade da herança econômica maldita e a necessidade de se tomar medidas austeras.  Falta alguém como João Santana ao lado de Temer para explicar a todos nós os rumos que o país tem que tomar.  É claro que esse alguém não precisa ser pilantra como Santana, apenas saber comunicar como ele.

O terceiro problema do PMDB é a própria essência do partido, ou melhor dizendo a falta de uma essência.  O partido é um amontoado de políticos profissionais, alguns da pior espécie, sem ideais em comuns a não ser o de se agarrarem ao poder e de lucrarem com o poder.  A Lava Jato avança de maneira devastadora no establishment político de Brasília e as últimas delações apontam para o alto escalão do PMDB.

O Brasil, portanto, se encontra em uma situação onde o atual partido que ocupa o Poder Executivo, eleito popularmente diga-se de passagem, não sabe se comunicar, quando se comunica faz isso de maneira atabalhoada muitas vezes, tem membros de reputação horrível e por inferência participou do esquema de corrupção dos governantes anteriores...

A turbulência atual é grave e cria um ambiente perfeito para que apareçam aventureiros de plantão.  Nomes de políticos em ascensão variando do espectro de Marina Silva a Jair Bolsonaro preocupam e muito.  Não vejo nenhum deles com propostas lúcidas ou sérias para colocar o país no trilhos.  Aliás, o discurso destes é similar àqueles proferidos lá em 1989!  A oposição ao PT foi inepta ao deixar que o monopólio das virtudes fosse tomado, quase que por usucapião, por este partido, e agora se mostra inepta ao se organizar para dar um rumo ao país.  E para piorar, as denúncias da Lava Jato também avançam rumo à oposição.

O PT volta à sua origem, que é do partido que atirava pedras nos telhados alheios.  Numa audácia quase que inacreditável culpa a atual situação do país no PMDB.  Até o impeachment de Dilma a crise não existia, agora ela não só existe como é culpa das atuais PECs.  O pior é que esse modus operandi do PT é bem feito, ou seja, o partido devastado pela inépcia de Dilma e o mar de corrupção exposto passa a lucrar à medida que a percepção da população é de que a crise foi criada por Temer, problema crônico de memória curta do brasileiro, e de que todos os corruptos estão no PMDB.

Tirar Dilma do poder era necessário para se evitar o cataclisma, basta ver o que é Cuba na realidade.  Mas daí achar que os problemas acabaram é ingenuidade.  O que não faltam ao Brasil neste momento são problemas, de toda a sorte e magnitude.  O que me preocupa são os rumos que o Brasil pode tomar diante dessa situação.  Os ímpios não só não têm paz como são constantemente tentados pelo populismo barato.


terça-feira, 13 de dezembro de 2016

O Que os Americanos nos Ensinaram


Contrariando todas as expectativas, os eleitores americanos que compareceram às urnas em novembro de 2016 elegeram como presidente o empresário, dublê de apresentador de reality show, populista e fanfarrão Donald Trump.  Os simpatizantes da esquerda ficaram estupefatos enquanto a ala da direita mais extrema saudou a vitória de Trump contra a “comunista” Hillary Clinton.  Como isto aconteceu?  O cineasta de esquerda Michael Moore já havia previsto este resultado, redigindo uma análise que listava vários pontos que levariam a este desfecho, inclusive que o eleitor americano teria a chance de na urna “avacalhar” a eleição.  Algo semelhante ao que brasileiro faz elegendo Tiririca para o congresso.  O seriado The Simpsons já havia previsto há bem mais tempo a eleição de Trump.  E agora?  Quem viver verá…

Em 1956, em um encontro de líderes do primeiro mundo com o premiê soviético Nikita Khruschev em Moscou, este último proferiu “Nós vamos enterrá-los”.  Khruschev, que como Trump era desprovido de bom senso e freio na língua, previa que o “imperialismo americano” iria fracassar e o socialismo triunfaria nos EUA quando o proletariado americano insurgisse.  O oposto ocorreu com a implosão da União Soviética e do Pacto de Varsóvia entre os anos de 1989 e 91.  Economistas renomados como John Kenneth Galbraith já haviam previsto o fracasso da URSS anos antes de Mikhail Gorbachev tentar salvar seu país com a Glasnost e a Perestroika.  As razões para o fracasso soviético são muito bem documentadas, embora na América Latina tenha surgiu o bolivarianismo ou o socialismo do século XXI, uma tentativa desastrada de se fazer dar certo o que deu muito errado.

Esse fracasso ofusca e tira a atenção dos problemas do capitalismo.  A máxima que o capitalismo é o menos ruim de todos os outros sistemas tem fundamento apesar de renomados economistas e comentaristas de direita e liberais dizerem que o capitalismo é perfeito.  Estes têm defendido Trump acusando a imprensa de ser parcial e pró-esquerda.  Não vejo em Trump o político que vai promover uma agenda liberal nos EUA, muito pelo contrário.  Suas propostas são de proteção à indústria americana e isolamento de aliados e parceiros comerciais.  Dificilmente uma agenda condizente com os ideais econômicos liberais.  A nação fundada por forte movimentos migratórios e cuja economia prosperou baseada em fundamentos libertários, agora se encontra rumo a território desconhecido se Trump cumprir um terço de suas bravatas populistas.

O capitalismo é o modelo econômico adotado pela direita e ao meu ver é fundamentado em dois pilares: a democracia e a meritocracia.  O primeiro é o que garante, na teoria pelo menos, que o governo responde ao povo, que por sua vez tem o direito de mudar o governo caso este não esteja agradando.  Democracias tendem a produzir governos menos sufocantes para os governados, assim mantendo em patamares aceitáveis a burocracia, o controle governamental e os impostos, três itens que em excesso podem aleijar qualquer economia.  Basta, é claro, o povo eleger representantes que persigam estes ideais e não o contrário.

A meritocracia é o pilar que garante que os melhores profissionais e as melhores empresas triunfarão.  A meritocracia é cega e fria no sentido que esta avalia um profissional somente pela sua capacidade profissional e valor que agrega e seu empregador, e que também premia a empresa que consegue prosperar oferecendo a seus clientes o produto com melhor custo-benefício.  Não existe uma economia 100% meritocrática.  Empresas mantém funcionários incompetentes em altos cargos por avaliações equivocados dos gestores, ou até mesmo por estes funcionários possuírem bom relacionamentos pessoais com os superiores.  Práticas de dumping, cartel, vendas casadas e outros abusos de poder econômico também minam a meritocracia.  Quanto menos meritocrática for uma nação, mais frágil será sua economia.

As constantes queixas de americanos contra empresas que estabelecem suas indústrias em países com mão de obra mais barata, e contra imigrantes que aceitam condições de trabalho menos satisfatórias que aquelas impostas pelos sindicatos americanos, surtiram efeito e Trump pode ser considerado como uma consequência disto.  Ao se imaginar um país capitalista, os EUA vêm a mente de quase 10 em 10 pessoas.  Pois os capitalistas americanos não previram que o próprio sistema que estes endossam poderia causar danos a eles mesmo.  A meritocracia ditou que empresas americanas e os próprios consumidores americanos conduzissem o país a esta situação que deixou uma parcela da força de trabalho do país em situação difícil.

Este é o ponto que o capitalismo falha.  Ele prevê a recompensa para aqueles com mais méritos, mas esquecem que aqueles que não conseguiram atingir o sucesso, que pode ser simplesmente estar empregado, não aceitam na maioria das vezes este resultado.  Em uma ditadura como a da China, os "fracassados" não teriam vez, mas o capitalismo para dar certo e não ser desvirtuado deve ser estabelecido em uma democracia.  E nas democracias modernas, baseadas no conceito de sufrágio universal, os bem-sucedidos, os medianos e os fracassados têm poder igual de voto.  A própria democracia tem brechas permitindo que aventureiros e políticos mal-intencionados sabotem a democracia, por meio de votos daqueles não bem-sucedidos.  Não vejo Trump propondo um governo menos sufocante, pelo contrário.  Até mesmo a redução de impostos pode causar um aumento do déficit público americano, que pode ser compensado com juros maiores, ou até mesmo inflação.

Quem pensa que um eleitor faz uma escolha analítica e racional de seu candidato está muito enganado.  O eleitor muitas vezes vota usando o emocional, fazendo pouca análise e até mesmo como Moore disse "avacalhando".  Trump é o resultado do capitalismo e uma ameaça do capitalismo a si próprio.  O eleitor fracassado em sua maioria não pensa em se "reinventar" para ser bem sucedido no mercado de trabalho, é mais fácil e bem mais solidarizado atacar os seus atuais ou ex empregadores, o governo atual, o sistema, etc.  Nesse momento, o mesmo Freud que disse que o comunismo não daria certo deveria ter imaginado que a inveja e a necessidade de atenuar o fracasso podem falar mais alto.  Trump fez seu discurso dirigido a estes eleitores.

É preocupante que a nação mais poderosa do mundo tenha oferecido como principais candidatos Donald Trump e Hillary Clinton, é de uma pobreza de opção inquietante.  O mundo estará de olho em como os EUA serão conduzidos 4 ou 8 anos por Trump.  No longo prazo, o mundo tem de repensar o capitalismo, pois esse não é perfeito e sua contraproposta, o socialismo, é uma opção muito pior.