sábado, 28 de fevereiro de 2015

Ilusões Trabalhistas



Desde os primeiros coletores-caçadores da pré-história, muito se mudou nas relações trabalhistas.  Naqueles tempos, o trabalho era literalmente achar comida, não para colocar no prato, mas para não ficar com fome.  Na Idade Antiga, veio o advento da agricultura e também o do comércio, mesmo que por escambo, e com isto o trabalho pode evoluir de se achar comida para outros serviços, como ferreiro, pedreiro, carpinteiro entre outros.  O comércio possibilitou que se criasse o salário que permitia remunerar todas estas profissões e é o pilar de todas as relações trabalhistas até hoje.  Mas também nesta época surgiu a praga da escravidão que só foi tornada ilegal, mas não extinta, em todos os países no Século XX.

Um dos eventos que mais possibilitou a erradicação da escravidão foi a Revolução Industrial na Idade Contemporânea.  Percebeu-se que os trabalhadores remunerados eram aqueles que poderiam comprar os bens manufaturados pela indústria enquanto os escravos não.  Mas a Revolução Industrial também teve impacto nas relação com estes trabalhadores.  As condições de trabalho nas primeiras indústrias muitas vezes eram atrozes, jornadas de até 18 horas, segurança mínima ou inexistente, salários ínfimos, trabalho infantil, entre outras.  O Século XIX testemunhou o início de uma verdadeira virada nas relações trabalhistas com o crescimento dos sindicatos, que tiveram origem no século anterior, que tinham como objetivo melhorar as condições trabalhistas.  Em 4 de maio de 1866 ocorre o massacre de Haymarket em Chicago, que foi usado como inspiração para a criação do Dia Internacional do Trabalho, que por sua vez é celebrado em 1º de maio.

No Brasil, a escravidão foi abolida pela Princesa Isabel tardiamente em 1888, a CLT foi consolidada por Getúlio Vargas em 1943, o 13º salário criado em 1962, e atualmente os sindicatos se esbaldam com contribuições obrigatórias sem precisar prestar contas ao TCU desde 2008.  Este é um resumo rápido da evolução das relações trabalhistas do país.  A primeira medida é inquestionável, a segunda necessária e consequência de abusos existentes semelhantes àqueles da Revolução Industrial, a terceira é sob certa ótica uma ilusão e a quarta é uma afronta pura e simples.

Atualmente, encaramos a dura realidade de nos depararmos com uma verdadeira onda de demissões.  É claro que a recessão que vem pela frente é a maior responsável por esta situação, mas se acredita, ou tentam nos fazer acreditar, que o trabalhador brasileiro é bem protegido por nossa legislação.  Será?  Analisando algum dos chamados benefícios mais cuidadosamente pode-se notar que ou são ilusões ou na verdade tem o efeito contrário do que se espera.

O 13º salário não é um salário adicional que ganhamos no ano, é apenas uma das 13 parcelas de um valor que a empresa paga a seu empregado no ano.  Parece óbvio, mas durante o governo Sarney um deputado quis propor a incorporação do 13º nas outras 12 parcelas.  Quase foi crucificado por estar querendo retirar um benefício do trabalhador brasileiro!  Outro exemplo são os vales ou tíquetes que muitos empregadores distribuem para o funcionário fazer as refeições.  Essa “moeda paralela de restaurantes” na verdade é um benefício para os atravessadores que são as empresas que fornecem os vales ou tíquetes.  O custo deste é calculado no salário de trabalhador e, portanto, este salário é reduzido de acordo.  Também os restaurantes incorporam no preço dos pratos o custo financeiro de trocar o vale ou tíquete por moeda corrente de verdade.

Nada pior que o FGTS.  É a ilusão mais bem sucedida entre os trabalhadores brasileiros.  Estes deixam de receber 8% de seu salário para que o governo o administre conforme os critérios dele.   Na teoria, o FGTS um dia retorna as mãos do empregado, mas antes o governo te remunera mal (abaixo da inflação) por este empréstimo compulsório.  Pior é quando te oferece ação de estatal em que o próprio governo, acionista majoritário, não dá a menor importância em remunerar o acionista.  Mas ai daquele que quiser mexer no FGTS, vai receber chumbo grosso.  Pois afinal como o trabalhador brasileiro irá poder dar uma entrada em um financiamento de imóvel sem o FGTS?  Poupando oras!  Se cada um receber 8% a mais e souber poupar este dinheiro e aplicar numa caderneta de poupança, o trabalhador terá maior rendimento do que tem atualmente.  É no final das contas uma maneira do governo impor mais um tributo a quem trabalha e por isso é aplaudido por vários.  Quanto à multa por rescisão, essa pode ser estipulada de outra maneira e não necessariamente ao FGTS.

Claro que alguns dos direitos trabalhistas são necessários, pois seria ingênuo acreditar que os empregadores são “mocinhos”.  Mas há um exagero de dispositivos legais que “protegem” os trabalhadores.  Estes dispositivos criados não só reduzem o nosso poder de compra mensal, mas também impactam o custo da folha do empregador.  Resumindo, quanto mais direitos trabalhistas, mais custo para os empregadores e menores os salários reais dos empregados.

E isso são os privilégios daqueles trabalhadores sujeitos à CLT, os funcionários públicos gozam de alguns privilégios diferentes.  Não têm FGTS mas têm estabilidade.  Muitos trabalham duramente durante suas carreiras, mas e os “encostados”?  O que se pode fazer com eles?  Como eliminar os cabides?  Como a nação se livra do ascensorista do senado que recebe mais de R$8 mil mensais?  Qualquer governo responsável diante destas circunstâncias ou contratará menos funcionários públicos ou usará de outros artifícios como contratação de prestadores de serviço.

Diante deste cenário onde cada vez que se dá mais direitos trabalhistas de maneira artificial, os potenciais empregadores não contratam ou contratam trabalhadores fora da CLT.  E aqueles que estão empregados aceitam condições ruins como salários baixos, burlas das CLT, ambientes de trabalho tóxicos, chefes sádicos e psicóticos porque sabem que para conseguirem outro emprego será difícil.  Por exemplo, quantos de nós estamos dispostos a assinar a carteira de trabalho de uma doméstica?  Mais fácil contratar alguém para vir 2 dias por semana, mesmo que conseguisse pagar por 3 ou mais dias, do que arcar com tributos indiretos e ainda estar vulnerável a ações trabalhistas, essas aliás outro fator de inibição para criação de empregos.

O pleno emprego é uma situação que sob certa ótica deve ser evitada pois gera inflação e os trabalhadores passam a ter um poder de barganha capaz de dificultar o dia a dia das empresas.  Mas uma situação onde existe um contingente de desempregados muito grande traz este poder de barganha para os empregadores.  O melhor direito trabalhista será aquele que se pode abandonar um emprego ruim e rapidamente se recolocar em outro melhor onde o trabalhador é respeitado.  Em 2010, quando quis mudar de emprego, obtive 5 entrevistas em 1 mês, em 2014 em uma situação semelhante, obtive 1 entrevista em 5 meses.  Perdi meus direitos trabalhistas.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

O Governo sob Vácuo



O vácuo total é definido pela condição de pressão absoluta igual a zero.  Ocorre quando não há matéria como no espaço sideral.  No vácuo o som não se propaga, a temperatura é também zero absoluto e qualquer líquido evapora.  Não há vida no vácuo, qualquer humano que for submetido ao vácuo morre quase que instantaneamente.  Existe o vácuo parcial no qual a pressão é intermediária entre o vácuo total e a pressão atmosférica.  O vácuo administrativo ocorre quando um governo é fraco demais ou incompetente demais para conseguir fazer qualquer coisa.  Como na física e na engenharia, o vácuo administrativo pode ser parcial ou total, sendo que no último caso seria algo equivalente à anarquia ou a fragmentação completa da nação.  O exemplo mais clássico foi a desintegração do Império Romano que de tantas más administrações sucumbiu às várias invasões bárbaras e acabou em 476 DC.

O Brasil se encontra sob vácuo administrativo parcial, essa é a conclusão após pouco mais de um mês do segundo mandato de Dilma Rousseff que se iniciou em 2015 e começa a mostrar sérios indícios de desintegração.  Na verdade os indícios eram previstos por vários antes da reeleição dela, mas logo nos primeiros dias se tornaram visíveis até demais para os mais pessimistas.  Começou quando Nelson Barbosa queria mexer na correção do salário mínimo e um dia depois foi desmentido publicamente e severamente pela presidente.  A bronca é um sinal de que Dilma não mudou seu estilo autoritário de governar que serve para afastar bons profissionais, alienar sua equipe e criar desafetos e inimigos.  Para tirar o país do atoleiro que ela mesma nos conduziu, diga-se de passagem com ajuda de seu antecessor, precisaria de bons profissionais, estar interada com sua equipe e ter mais aliados que inimigos...

E eis que veio a eleição da presidência da câmara onde Dilma sofreu dura derrota.  A escolha de Eduardo Cunha mostra duas coisas: a aliança com o PMDB durará até o momento que este partido julgar satisfatório estar aliado à Dilma e que o próprio PT está se fragmentando e há bastante partidários insatisfeitos com o atual governo o bastante até para sabotá-lo.  Até um certo ponto é bom saber que Dilma está perdendo apoio, assim ela dificilmente conseguirá aprovar qualquer de seus decretos bolivarianos, mas a razão para o mal estar com o PMDB e a dissidência interna do PT não têm raízes em motivos nobres e sim em insatisfação com a distribuição de cargos e dinheiro para os projetos paroquiais desses insurgentes.  Não há honra entre os ratos.

A eleição no congresso foi um duro golpe no projeto de poder do PT e pode se esperar que Dilma seja chantageada de maneira mais escancarada do que tem sido até agora.  Os projetos de lei que poderiam ser realizados para diminuir os gastos do governo e o notório Custo Brasil só serão aprovados salvo grandes incentivos aos ratos rebeldes.  Incentivos como verbas para projetos particulares destes ratos ou como cargos em empresas estatais, autarquias e ministérios agravam as crises das estatais e dificultam ainda mais a quase impossível composição de um ministério qualificado.

Mas os problemas de Dilma não estão só limitados à escolha de Cunha, um desafeto declarado.  Eles são muito bem conhecidos para os brasileiros.  A Operação Lava-Jato a cada dia desenterra um podre de arrepiar os cabelos, a Petrobras flerta com a insolvência, uma crise energética se aproxima no horizonte e o único paliativo para ela no momento é a recessão na qual o país se afunda.  Recessão que significará desemprego e mais perda de popularidade para Dilma, o que já foi comprovado nas últimas pesquisas.  Dilma já é uma pessoa com graves limitações de comunicação, seja pela prepotência e truculência ou pela incapacidade de se expressar claramente, o que a isola como líder e agora passa a ser alguém que sistematicamente vai ser isolada e evitada por vários inclusive seus antigos aliados.

Em suma, Dilma governará sob grandes restrições ou simplesmente não governará.  É o vácuo administrativo.  Além de nada ou muito pouco ser feito para melhorar a situação do país, outra consequência previsível desta situação é o crescimento da oposição.  Não falo necessariamente de PSDB, PSB e DEM se tornarem mais fortes, mas sim do próprio PT sabotar o governo de Dilma.  Joaquim Levy já vem sofrendo vários ataques de “fogo amigo” o que coloca em dúvida se ele vai conseguir estar no cargo em 2018.  No vácuo administrativo rapidamente lideranças menores farejam o momento de mostrarem força e tomarem parte do poder, ainda mais com Dilma sangrando e isolada.  Isso ocorre tanto no Congresso, quanto nos quadros do PT insatisfeitos com Dilma e até em movimentos de rua quase criminosos como o MTST.  Serão quatro anos difíceis pela frente.  Em monarquias ou ditaduras, governantes fracos tinham que ser depostos por golpe ou então governavam por décadas arrasando a nação, vide Cuba.  Em democracias, temos a chance de em 2018 colocar um fim ao vácuo administrativo.  Ou sofreremos as consequências de temperatura baixa, ebulição do sangue e falta de oxigênio.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Uma Meretriz no Trono



Em 2012, quando foi amplamente divulgado que a Grécia estava no vermelho colocando em risco toda a União Européia, brinquei que a última vez que aquele país tinha tido tanto impacto na geopolítica tinha sido em 1453 quando os Turcos Otomanos finalmente tomaram Constantinopla decretando o fim do Império Bizantino, ou também conhecido como Império Romano Oriental.  Esse evento para alguns historiadores decreta o fim da Idade Média, sendo uma força motriz para as nações do oeste europeu procurarem novas rotas de navegação para o comércio com as nações asiáticas.  O Império Bizantino não era só o herdeiro do que foi uma época o Império Romano, mas também era a nação grega que no auge, após a queda de Roma em 476, chegou a reconquistar boa parte do que era o Império Romano Ocidental.  Porém o Império Bizantino muito antes de sua queda já definhava e o evento que praticamente sacramentou esse declínio foi a Quarta Cruzada.

As cruzadas começaram no Século XI quando o Império Bizantino começou a sofrer derrotas contínuas no Oriente Médio para os Turcos Seljúcidas, inclusive na Terra Santa.  Os bizantinos apelaram por ajuda e sob o comando do Vaticano exércitos de europeus, em boa parte dos reinos do oeste, foram reunidos para combaterem o avanço turco e retomarem os territórios perdidos, na teoria para os bizantinos.  Apesar do relativo sucesso inicial, os territórios raramente eram devolvidos aos bizantinos e para piorar estes territórios gradualmente foram perdidos para os turcos que nunca cessaram os ataques.  Em 1202, a  Quarta Cruzada tinha como objetivo atacar o Egito, mas praticamente jamais deixou o continente europeu.  Os cruzadinos tinham como motivação dinheiro e atacaram a cidade cristã de Zara, atual Zadar na Croácia, para pilhar recursos.  E nesse meio tempo pleiteantes do trono bizantino convenceram os cruzadinos a auxiliarem um golpe de estado, com dinheiro que o Império Bizantino não tinha.  Em outras palavras criaram uma dívida que não podiam pagar.  Após várias reviravoltas e golpes no trono de Constantinopla, capital bizantina, em 1204 a situação era que um exército de cruzadinos sem motivação para atacar os turcos, mas com muita motivação para atacarem os bizantinos, saquearam Constantinopla.  A barbárie dos cruzadinos incluiu a pilhagem da cidade, assassinato do clero local, estupro de várias mulheres, incêndio de prédios.  Mas o auge do insulto foi colocar uma prostituta no trono do patriarca da igreja ortodoxa grega.  Era o ápice de uma richa entre católicos e ortodoxos sendo que o Vaticano só foi se retratar com João Paulo II.

Demorou quase 50 anos para os bizantinos reconquistarem Constantinopla e reerguerem o império, mas o dano resultante da Quarta Cruzada foi severo e a capitulação aos turcos veio 250 anos depois.  A Grécia só foi obter independência quase 400 depois em 1822 e hoje o país ocupa só uma fração do que foi um dos maiores impérios das Idades Antiga e Média e a cidade de Constantinopla ficou em território turco se tornando a atual Istambul.  Atualmente o país é o patinho feio da União Européia, teve farto acesso a crédito fácil, gastou o que não podia naquilo que não devia, fez dívidas colossais que de novo não podia pagar, escondeu de todos a situação grave e flerta com a insolvência há algum tempo.  Como na época das cruzadas, teve que pedir ajuda ao oeste europeu para tentar equilibrar as contas e, é claro, quem paga a conta é a população.  A ajuda é claro vem com custo, ou juros altos ou ingerência em assuntos internos.  Não existe solução fácil e nem dinheiro fácil.  A ingerência de FMI e União Européia resultou em um programa de austeridade fiscal que apesar de não ter sido eficaz afetou os benefícios dos cidadãos gregos e o orgulho destes.  Ninguém gosta de assumir que está falido e precisa de dinheiro, mas menos ainda de aturar outros dizendo o que deve fazer ou não, mesmo estes outros tendo razão.

O resultado é que os gregos de orgulho ferido elegeram o Syriza, um partido de esquerda, que alguns definem com extrema esquerda, cujo líder Alexis Tsipras assume como primeiro ministro.  Este há poucos anos defendeu abertamente a moratória na dívida grega.  Os gregos argumentam que o governo anterior do Nea Dimokratia era corrupto e colocou a Grécia de joelhos, e que agora com o Syriza no poder a Grécia irá negociar com seus credores de pé.  Basta saber se eles esperam que os credores fiquem de joelhos diante do Syriza.  A verdade é que na história recente poucos são os casos onde calotes resultaram em melhoras para a economia da nação.  No Brasil, até o PT que no auge de sua inconsequência como oposição alardeava para todos que tinha que se dar calote na dívida externa revisou sua posição.  Espera-se que o atual governo grego não seja tão inconsequente, mas estou para conhecer um governo de esquerda que tenha conduzido reformas necessárias para tirar o país do poço seguindo a cartilha da esquerda.  E estou para conhecer um político populista de discurso irresponsável conduzir uma nação para o caminho da virtuosidade.

A dúvida que paira sobre Atenas é se a Grécia permanece na União Européia.  Na Idade Média, o Império Bizantino conseguiu estancar o avanço turco no leste europeu até o século XV quando estes avançaram até quase Viena.  Há o temor que a Grécia saindo a União Européia possa sofrer um abalo equivalente à queda final do decadente Império Bizantino.  Quando os cruzadinos colocaram a prostituta no trono, ela entoava canções obscenas e bebendo vinho,  agora se coloca no poder alguém que entoa canções irresponsáveis.