terça-feira, 13 de dezembro de 2016

O Que os Americanos nos Ensinaram


Contrariando todas as expectativas, os eleitores americanos que compareceram às urnas em novembro de 2016 elegeram como presidente o empresário, dublê de apresentador de reality show, populista e fanfarrão Donald Trump.  Os simpatizantes da esquerda ficaram estupefatos enquanto a ala da direita mais extrema saudou a vitória de Trump contra a “comunista” Hillary Clinton.  Como isto aconteceu?  O cineasta de esquerda Michael Moore já havia previsto este resultado, redigindo uma análise que listava vários pontos que levariam a este desfecho, inclusive que o eleitor americano teria a chance de na urna “avacalhar” a eleição.  Algo semelhante ao que brasileiro faz elegendo Tiririca para o congresso.  O seriado The Simpsons já havia previsto há bem mais tempo a eleição de Trump.  E agora?  Quem viver verá…

Em 1956, em um encontro de líderes do primeiro mundo com o premiê soviético Nikita Khruschev em Moscou, este último proferiu “Nós vamos enterrá-los”.  Khruschev, que como Trump era desprovido de bom senso e freio na língua, previa que o “imperialismo americano” iria fracassar e o socialismo triunfaria nos EUA quando o proletariado americano insurgisse.  O oposto ocorreu com a implosão da União Soviética e do Pacto de Varsóvia entre os anos de 1989 e 91.  Economistas renomados como John Kenneth Galbraith já haviam previsto o fracasso da URSS anos antes de Mikhail Gorbachev tentar salvar seu país com a Glasnost e a Perestroika.  As razões para o fracasso soviético são muito bem documentadas, embora na América Latina tenha surgiu o bolivarianismo ou o socialismo do século XXI, uma tentativa desastrada de se fazer dar certo o que deu muito errado.

Esse fracasso ofusca e tira a atenção dos problemas do capitalismo.  A máxima que o capitalismo é o menos ruim de todos os outros sistemas tem fundamento apesar de renomados economistas e comentaristas de direita e liberais dizerem que o capitalismo é perfeito.  Estes têm defendido Trump acusando a imprensa de ser parcial e pró-esquerda.  Não vejo em Trump o político que vai promover uma agenda liberal nos EUA, muito pelo contrário.  Suas propostas são de proteção à indústria americana e isolamento de aliados e parceiros comerciais.  Dificilmente uma agenda condizente com os ideais econômicos liberais.  A nação fundada por forte movimentos migratórios e cuja economia prosperou baseada em fundamentos libertários, agora se encontra rumo a território desconhecido se Trump cumprir um terço de suas bravatas populistas.

O capitalismo é o modelo econômico adotado pela direita e ao meu ver é fundamentado em dois pilares: a democracia e a meritocracia.  O primeiro é o que garante, na teoria pelo menos, que o governo responde ao povo, que por sua vez tem o direito de mudar o governo caso este não esteja agradando.  Democracias tendem a produzir governos menos sufocantes para os governados, assim mantendo em patamares aceitáveis a burocracia, o controle governamental e os impostos, três itens que em excesso podem aleijar qualquer economia.  Basta, é claro, o povo eleger representantes que persigam estes ideais e não o contrário.

A meritocracia é o pilar que garante que os melhores profissionais e as melhores empresas triunfarão.  A meritocracia é cega e fria no sentido que esta avalia um profissional somente pela sua capacidade profissional e valor que agrega e seu empregador, e que também premia a empresa que consegue prosperar oferecendo a seus clientes o produto com melhor custo-benefício.  Não existe uma economia 100% meritocrática.  Empresas mantém funcionários incompetentes em altos cargos por avaliações equivocados dos gestores, ou até mesmo por estes funcionários possuírem bom relacionamentos pessoais com os superiores.  Práticas de dumping, cartel, vendas casadas e outros abusos de poder econômico também minam a meritocracia.  Quanto menos meritocrática for uma nação, mais frágil será sua economia.

As constantes queixas de americanos contra empresas que estabelecem suas indústrias em países com mão de obra mais barata, e contra imigrantes que aceitam condições de trabalho menos satisfatórias que aquelas impostas pelos sindicatos americanos, surtiram efeito e Trump pode ser considerado como uma consequência disto.  Ao se imaginar um país capitalista, os EUA vêm a mente de quase 10 em 10 pessoas.  Pois os capitalistas americanos não previram que o próprio sistema que estes endossam poderia causar danos a eles mesmo.  A meritocracia ditou que empresas americanas e os próprios consumidores americanos conduzissem o país a esta situação que deixou uma parcela da força de trabalho do país em situação difícil.

Este é o ponto que o capitalismo falha.  Ele prevê a recompensa para aqueles com mais méritos, mas esquecem que aqueles que não conseguiram atingir o sucesso, que pode ser simplesmente estar empregado, não aceitam na maioria das vezes este resultado.  Em uma ditadura como a da China, os "fracassados" não teriam vez, mas o capitalismo para dar certo e não ser desvirtuado deve ser estabelecido em uma democracia.  E nas democracias modernas, baseadas no conceito de sufrágio universal, os bem-sucedidos, os medianos e os fracassados têm poder igual de voto.  A própria democracia tem brechas permitindo que aventureiros e políticos mal-intencionados sabotem a democracia, por meio de votos daqueles não bem-sucedidos.  Não vejo Trump propondo um governo menos sufocante, pelo contrário.  Até mesmo a redução de impostos pode causar um aumento do déficit público americano, que pode ser compensado com juros maiores, ou até mesmo inflação.

Quem pensa que um eleitor faz uma escolha analítica e racional de seu candidato está muito enganado.  O eleitor muitas vezes vota usando o emocional, fazendo pouca análise e até mesmo como Moore disse "avacalhando".  Trump é o resultado do capitalismo e uma ameaça do capitalismo a si próprio.  O eleitor fracassado em sua maioria não pensa em se "reinventar" para ser bem sucedido no mercado de trabalho, é mais fácil e bem mais solidarizado atacar os seus atuais ou ex empregadores, o governo atual, o sistema, etc.  Nesse momento, o mesmo Freud que disse que o comunismo não daria certo deveria ter imaginado que a inveja e a necessidade de atenuar o fracasso podem falar mais alto.  Trump fez seu discurso dirigido a estes eleitores.

É preocupante que a nação mais poderosa do mundo tenha oferecido como principais candidatos Donald Trump e Hillary Clinton, é de uma pobreza de opção inquietante.  O mundo estará de olho em como os EUA serão conduzidos 4 ou 8 anos por Trump.  No longo prazo, o mundo tem de repensar o capitalismo, pois esse não é perfeito e sua contraproposta, o socialismo, é uma opção muito pior.

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