sábado, 8 de agosto de 2015

Da Elba à Ferrari



No dia 14 de julho de 2015, os franceses comemoraram a data da queda da Bastilha, simbólico evento que é considerado o início da Revolução Francesa.  Aqui no Brasil assistimos ao espetáculo pirotécnico da Polícia Federal conduzir uma busca nas residências do ex-presidente e atual senador alagoano Fernando Collor de Mello em Brasília e em Maceió.  Nesta ação integrada à Operação Lava-Jato foram encontrados uma Ferrari, um Porsche e uma Lamborghini.  Na teoria, não há nada de ilegal em possuir carros esportivos, desde que tenham sido adquiridos usando recursos legais e estejam devidamente regularizados perante a lei.  Fica a dúvida de onde Collor pretende andar com estes carros em Maceió, já que as ruas do bairro da Jatiúca não são adequados para se desenvolver altas velocidades, inclusive no quarteirão da residência dele há uma lombada que é uma verdadeira “assassina de suspensões”.  Imagino que se ele tentar passar por esta lombada com um dos seus (ex-)carros o prejuízo será grande.

Em se tratando de Collor, não dá para esperar que as coisas estejam dentro dos conformes, muito menos que a imprensa e a opinião pública tenham um jugamento imparcial dele depois do que aprontou durante sua passagem na presidência do país.  Como atenuante do desastre administrativo, deve-se lembrar que Collor recebeu o país na beira do precipício.  Segundo o ex-presidente do Banco Central, Ibrahim Eris, na verdade o Brasil já estava dentro do precipício.  A inflação em fevereiro de 1990 atingiu inacreditáveis 80% ao mês, a moratória declarada por Sarney arruinou a reputação brasileira por mais de uma década, nossas reservas cambiais eram uma fração da atual, etc.  Medidas drásticas eram necessárias, e surgiu o tal do revólver com uma bala só.  O problema era que quem atirou tinha uma mira muito ruim e não só errou o alvo como atingiu toda a população, que rapidamente passou a odiar Collor com todas as forças.

O confisco do dinheiro declarado no início de seu governo não só arruinou financeiramente várias famílias e jogou o Brasil em uma recessão sem precedentes, como também foi uma forma disfarçada do governo dar um calote generalizado na população brasileira.  Afinal o dinheiro confiscado foi remunerado em quase 1% para um mês de 80% de inflação!  Seu plano deveria ser estudado como exemplo de fracasso, pois em menos de 1 ano, o volume de dinheiro em circulação já havia sido retomado e a inflação disparou de novo.  Não dava para levar a sério um governo cercado de ministros de 5º escalão para baixo como Zélia Cardoso.  Rapidamente, o congresso se tornou hostil ao frustrado caçador de marajás que habitava a Casa dos Jardins Suspensos da Dinda, não só criando enormes dificuldades para um mínimo de governabilidade como procurando um pretexto para abreviar o mandato de Collor.  Qualquer motivo, como a notória Fiat Elba, serviria para expurgar alguém que a BBC definiu como o presidente playboy do Brasil.  O impeachment veio com um alívio de uma nação que simplesmente não suportava mais a aventura de alguém tão despreparado e amador, mas também com uma oportunidade de vários opositores tentarem lucrar com a euforia que assolou o país com a destituição de Collor.

Do lado positivo, Collor deu início a uma abertura do nosso mais do que fechado mercado e também às privatizações.  Este também tentou enxugar o número de ministérios extinguindo vários existentes na época de Sarney e unificando outros, resultando num total de 13, número que foi inflacionado no governo de seu vice-presidente Itamar Franco.  O Brasil mostrou resiliência e em um pouco mais de 4 anos com o Plano Real voltou a crescer e domou a inflação.  Servem de alento essas memórias que podemos emergir de crises sérias.

Quase 24 anos depois da derrocada de Collor, Dilma enfrenta um índice de rejeição de fazer inveja ao fluminense radicado em Alagoas, bem como um congresso hostil que a sabota com todas as forças não pensando se prejudicará o país ou não, apesar de enterrar as aspirações bolivarianas de Dilma e do PT.  Dilma não tem o olhar de alguém alucinado como Collor mas tem um péssimo temperamento e uma incapacidade ímpar de conseguir expressar qualquer pensamento lógico.  Como Collor, Dilma não consegue mais transitar pelo país sem ser vaiada ou insultada, a população simplesmente cansou da “Mandioca sapiens”.  É possível, infelizmente, que Dilma consiga terminar seu segundo mandato pois possui ainda um mínimo de sustentação partidária.  Dilma não recebeu o país na beira do precipício mas fez um notável trabalho de conduzi-lo até lá.  Fica a reflexão: quem foi o pior presidente Collor ou Dilma?  Qual aquele que mais estragos causou ao país?

O PT foi peça importante no embate com Collor durante o governo deste último.  A lógica ditaria que Collor estivesse na oposição do atual governo tentando lucrar com as auguras da atual presidente.  Mas como coerência e falta de vergonha na cara são raras neste país, Collor notoriamente se tornou aliado do PT!  No país da piada pronta, nos divertimos vendo que o escândalo da simpática Elba se tornou um delito menor perante ao incidente onde foram encontrada uma verdadeira coleção de carros esportivos.  Talvez alguém um dia contabilize, mas fica a impressão que Collor lucrou mais com o dinheiro alheio como senador de Alagoas do que como presidente.  Após seu calvário pós-impeachment, Collor foi até defender o aero-trem de Lavyr Fidélix no horário eleitoral, hoje é defendido por PT, PC do B, blogueiros chapas brancas entre outros.  O fato de Collor ter ressurgido com relativo sucesso é uma mostra de que o país passa por uma crise moral séria com efeitos sob certa ótica mais deletérios que aqueles decorrentes do famingerado Plano Collor.

Qualquer um que teve seu dinheiro confiscado, para não dizer roubado, em 1990 vai sempre repudiar Collor, mas o estrago de Dilma, e até mesmo de seu antecessor Lula, é menos evidente, apesar de não ser exatamente sutil.  Dilma e o PT difundiram país afora uma mentalidade que a culpa da miséria no país é da classe rica, que exclui os milionários e bilionários membros da alta cúpula do partido, que os problemas do país podem ser resolvidos com soluções simplistas como redução forçada de juros e de preços administrados, além de exarcebar rixas entre as regiões brasileiras e a animosidade racial.  Não que essas crenças já não existissem, mas elas foram amplificadas perigosamente.  Isso sem contar que programas de assistência social foram convertidos em programas de compra de votos, alianças foram feitas com a escória do planeta e ainda por cima ajuda a regimes ditatorias estão sendo fornecidas com dinheiro do contribuinte.  O pior foi ver o PT convencer o eleitorado que como estava “do lado do povo”, a corrupção praticada pelo partido era aceitável.  O Brasil endossou uma quadrilha em 2006 ao re-eleger Lula, ao invés de rejeitá-la como em 1992.

Mesmo que Dilma seja destituída, vai demorar para se livrarmos da crença que a distribuição de riquezas – dinheiro da classe média alta destinado em pequena parte para os miseráveis e em maioria para a elite (parasitas do governo) – é a meta superior de todo o governo e não fomentar um crescimento sustentável que possa impulsionar a população a pegar carona nele.  Cuspimos na cara de países com estreitos laços sociais e econômicos como a Itália para nos tornarmos aliados de protoditaduras como a da Venezuela.  Apesar de toda a rejeição à Dilma, boa parte da população ainda acredita nas bandeiras que o PT sempre defendeu, só não acredita que o PT seja mais capaz de realizá-las.  O prejuízo moral é incalculável.

Devemos nos atentar sim que o símbolo da corrupção deixa de ser um carro popular para ser um esportivo de alto luxo importado.