sábado, 23 de janeiro de 2016

De Edirne à Colônia


Os 2.170 km que separam as cidades de Colônia na Alemanha e Edirne na Turquia podem ser percorridos em cerca de 21 horas passando por outros 6 países.  Ambas cidades foram fundadas pelos romanos na antiguidade, mas outra coincidência pode ser traçada entre as duas por incidentes envolvendo imigrantes.  Colônia recentemente foi marcada, na última Véspera de Ano Novo, pela onda de ataques sexuais a cerca de 100 mulheres locais por grupos formados por refugiados da Síria e imigrantes ilegais, pelo menos os que foram identificados pela polícia local pertenciam a estas categorias.  Este foi um episódio marcante que chocou a Europa e também a opinião global e que tem várias similaridades com a histórica Batalha de Adrianópolis travada no ano de 378 DC.

No século IV, os bárbaros começaram a ser cada vez mais incômodos ao Império Romano, que já havia se dividido em dois.  Os constantes embates com os romanos na fronteira dos dois impérios erodiriam a integridade da nação mais poderosa da Idade Antiga.  Entretanto, os bárbaros passavam longe de ser uma comunidade unida e amistosa entre si.  Os temidos Hunos avançavam da Ásia para o Leste Europeu obrigando os povos desta região a se deslocar para outras áreas, entre eles os Godos que começaram a emigrar para dentro do território romano, em específico ao sul do Rio Danúbio nos Balcãs.  A motivação dos godos era em parte semelhante à dos sírios fugindo do terror praticado pelo Estado Islâmico em suas terras.

Inicialmente, o movimento migratório iniciado em 376 era satisfatório para ambas as partes, os godos poderiam obter refúgio dos hunos em território romano e os romanos compensariam o seu encolhimento demográfico usando os godos para se tornarem soldados, fazendeiros e trabalhadores necessários para reerguer a decadente economia do império.  Mas o tratamento injusto dispensado pelas autoridades romanas locais aos godos rapidamente colocou os dois povos em pé de guerra.  Os romanos subestimaram a quantidade de refugiados godos que atravessaram o Danúbio e não tinham comida suficiente para alimentá-los.  Para piorar, os governadores locais começaram a cobrar preços exorbitantes pelos alimentos, forçando os godos a até venderem suas crianças como escravos.  Enquanto os romanos deslocavam suas tropas para confrontos com os iranianos, um novo inimigo surgia no coração do império, que menosprezou a capacidade de organização dos imigrantes e também a capacidade militar destes.

Temendo pela agressividade dos godos, que se rebelaram e começaram a saquear cidades romanas, o imperador romano oriental Valente chamou de volta suas tropas no Oriente Médio e pediu ajuda à sua contraparte ocidental, seu sobrinho Graciano, que enviou reforços para lidar com as crescentes hostilidades.  Graciano havia obtido vitórias contra tropas bárbaras no oeste europeu o que causou inveja em Valente.  Em 6 de agosto de 378, ainda sem os reforços ocidentais, Valente foi informado de uma tropa de godos se aproximando da cidade de Adrianópolis, atual Edirne.  Movido pela tentação de obter uma vitória contra os godos sem o auxílio de Graciano, Valente resolveu atacar os godos, que eram comandados por Fritigern, um líder godo que os romanos já tentaram assassinar anteriormente.  O que Valente não contava era que a informação do número de godos era incorreta, na verdade as tropas de Fritigern eram mais numerosas que o informado.  O líder godo ainda tentou um acordo com os romanos, mas Valente apesar de conselhos para esperar os reforços rejeitou o acordo e marchou para o combate.  Após várias horas de caminhada, as tropas romanas chegaram aos arredores de Adrianópolis exauridas debaixo de um sol castigador e contra uma tropa mais numerosa e muito mais bem equipada que se imaginava, e bem descansada.  O massacre era um resultado mais do que previsível diante de tanta prepotência e falta de preparo por parte dos romanos.  O imperador Valente foi morto, as tropas foram dizimadas, sem contar que os godos incapacitaram a produção de armas pelos romanos por um bom tempo naquela região.   Os godos com tropas reforçadas até mesmo com hunos continuaram atacando cidades do império apesar de não conseguirem vitórias contra as principais fortificações romanas.  Um acordo entre os povos beligerantes foi obtido posteriormente em 382, no qual os godos obtiveram vantagens importantes como novos “cidadãos” romanos.  Em 410, os visigodos saquearam Roma, em mais um passo para o declínio do império, um resultado do fracasso completo da estratégia de incorporar uma população estrangeira à nação romana.

Movimentos migratórios sempre existiram e continuarão existindo, nações foram formadas graças a estes, a cultura de um país pode se beneficiar em muito, isso sem contar que muitas vezes imigrantes contribuem significativamente para a força de trabalho do país.  O Brasil se beneficiou e muito dos movimentos migratórios ao longo dos séculos.  Hoje, o país possui uma cultura diversificada e rica graças a estes imigrantes.  A imigração é benéfica quando ela adiciona à nação, quando as gerações de imigrantes são assimiladas dentro da população local.  Mas se a imigração cria “uma nação dentro de uma nação”, os problemas surgirão como a história do Império Romano nos ensina.

Muito se mudou, para melhor, entre 376 até os dias atuais.  Hoje seria impensável, ainda bem, imigrantes vendendo crianças como escravas, mas a falta de preparo das autoridades da nação que recebe os imigrantes não mudou muito para o espanto geral.  Como os godos, os refugiados sírios chegaram à Europa em número maior que se previa e sem um planejamento adequado para estes serem absorvidos pelo mercado de trabalho local.  Em grandes números, os imigrantes tendem a se isolar da população local.  Xenofobia e discriminação não resolvem e até agravam, em algumas vezes, o problema.  Aliás, genocídios são iniciados a partir de preconceito como a história nos ensina.  Mas achar que os problemas de discriminação serão resolvidos só com boas intenções é ignorar as possíveis consequências de uma imigração maciça e desordeira.

Os romanos queriam soldados, enquanto a comunidade europeia procura profissionais com um certo grau de qualificação.  Muito se fala que os refugiados sírios possuem alto grau de instrução e podem trabalhar em empregos para o qual o encolhimento demográfico da Europa subtraiu profissionais.  Não duvido que hajam sírios bem formados e competentes, agora achar que a maioria da população tem essa capacidade é exageradamente otimista ao meu ver, ainda mais para um país com uma posição tão medíocre no índice de educação da ONU.  O resultado é que um mercado de trabalho exigente como o europeu não tem vagas para tantos refugiados, que vão acabar se ocupando de tarefas menos qualificadas que os europeus não gostam de realizar, isso se estas estiverem disponíveis.  A barreira da língua é outra que atrapalha e isola os imigrantes, dificultando a integração destes com a população local.  Mas a barreira cultural é o maior problema, ainda mais vindo de uma região onde os direitos das mulheres e a liberdade religiosa são pouco respeitados.  Qualquer concessão nesses pontos por parte dos europeus devido a “diferenças culturais” é inaceitável.  Os padrões de sufrágio, liberdade e direitos existentes nas nações desenvolvidas são aqueles que os imigrantes devem se adequar e não vice-versa.  O império da lei não pode ser alterado.


Os ataques às mulheres em Colônia mostram que há um conflito étnico existente em progresso e uma evidente subestimação do problema pelos europeus.  Como Valente em 378, a polícia local de Colônia não quis reforços e perdeu o controle da situação.  A postura “paz e amor” dos governos europeus não é eficaz e atiçará ainda mais a extrema direita, que é por definição xenófoba.  Não há solução fácil e nem evidente para este problema, sendo que este ainda pode se agravar.  E os ataques terroristas em Paris mostram que os bárbaros já cruzaram o Danúbio há muito tempo.


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