Os fãs de ficção científica e leitores as obras de Isaac Asimov e Arthur C. Clarke vão lembrar que na maioria das estórias a raça humana e a Terra eram unificadas em uma única nação. A série Jornadas das Estrelas vai então além, cria um universo no que não só essa unificação é consolidada na forma de uma utopia esquerdista onde não existe miséria, todos são felizes e o dinheiro foi abolido, mas como ela é expandida para outros planetas habitados por outras raças, como os vulcanos. Todos eles vivendo de acordo com o American Way of Life. Até Babylon 5 abraçou esse conceito, menos utópico, mas com as unidades imperiais não sendo substituídas pelas métricas e com o beisebol sendo mais popular que o futebol em Marte.
Viagens interplanetares, inteligência artificial, robótica avançada, contato com alienígenas e outros conceitos futuristas talvez só sejam atingidas daqui a séculos, mas a unificação da raça humana na Terra sob uma única nação deve demorar mais que estes. O Brexit é a prova da dificuldade de se obter esta união, apesar de grandes avanços feitos nos últimos séculos e contínuos esforços para um maior entendimento entre os diferentes povos. Os cidadãos do Reino Unido resolvem regredir um pouco mais no caminho desta maior união, mostrando que o ser humano tem resquícios sim de desconfiança dos seus vizinhos e que um sentimento saudável de nacionalismo se degenera facilmente em uma tendência ao isolamento.
A história da humanidade é repleta de exemplos em que povos mantiveram por séculos um ranço que resultaram em guerras, diásporas e movimentos separatistas. O Canadá, por exemplo, em 1995 esteve muito próximo de se separar em dois, numa demonstração que mesmo em um país rico e com sólidos fundamentos democráticos, o conceito de união entre povos diferentes pode ser fugaz. Mas um dos mais marcantes eventos é a Catástrofe.
Gregos e turcos nunca se deram. Por séculos na Idade Média, os gregos do Império Bizantino travaram uma árdua e ineficaz batalha para conter primeiro o avanço dos turcos seljúcidas e depois dos turcos otomanos. Antes mesmo da queda de Constantinopla em 1453, os bizantinos já estavam em acentuado declínio e foram subjugados pelos turcos por quase 400 anos. Durante o jugo otomano, gregos e turcos não se miscigenaram muito, mas suas populações se misturaram consideravelmente. Cidades como Constantinopla, Adrianópolis, Esmirna e Tessalônica eram habitadas por turcos e gregos em razoável harmonia. Com a independência da Grécia em 1829, a tendência foi a de se piorar as relações entre estes povos.
Mas até o início da I Guerra Mundial, gregos e turcos ainda coabitavam as mesmas cidades, sendo estas em território grego ou turco. Como o Império Otomano se uniu aos Poderes Centrais liderados pela Alemanha, houve receio dos turcos que os gregos morando dentro das fronteiras otomanas viessem a se tornar insurgentes. O resultado foi o início da expulsão de vários gregos de território otomano e por fim o genocídio grego que só foi interrompido com a derrota otomana para os Aliados no final da guerra. A Grécia sentindo a fraqueza de seus adversários, invadiu em 1919, um ano após o fim da I Guerra Mundial, o Império Otomano no intuito de se reconquistar territórios que historicamente pertenceram aos gregos. Essa guerra local terminou em 1922 quando os turcos rechaçaram todo o avanço grego. Ao fim desta guerra, o Império Otomano tinha sido dissolvido e a República da Turquia formada, mas havia o problema que mesmo com o genocídio grego, ainda haviam bastante gregos em território turco, e vice-versa!
A resolução para aquela situação é conhecida como a Catástrofe da Ásia Menor, no qual as populações turcas e gregas em territórios opostos foram deportadas simultaneamente. A definição de quem era turco ou grego era baseada praticamente na religião do cidadão. Apesar do jugo turco muçulmano sobre os gregos ortodoxos, os primeiros sempre foram tolerantes com a crença dos segundos. Cerca de 300 mil gregos ainda permaneceram em Istambul, novo nome de Constantinopla, mas gradualmente foram forçados a emigrarem para a Grécia devido a perseguições dos habitantes locais e do próprio governo turco. Apesar de Grécia e Turquia terem fechado um acordo de compensação entre os dois países, o prejuízo individual de cada um dos deportados é incalculável. Gerações de cidadãos de repente se viram na situação de deixarem suas cidades natais para emigrarem para uma terra até um certo ponto estranha, praticamente sem bens e com um futuro incerto pela frente. Cidades inteiras na região da Anatólia foram abandonadas, causando certo prejuízo à economia turca.
Não consigo vislumbrar os britânicos agindo como os turcos fizeram no passado, mas com certeza o Brexit vai causar problemas graves. Milhares de trabalhadores estrangeiros com passaporte comunitário participando ativamente da economia britânica se encontraram da noite para o dia em uma situação à priori irregular. Empresas alemãs, francesas, italianas, etc. em solo britânico, que empregam britânicos, também terão dúvidas de como a situação destas ficará. Ninguém em sã consciência promoverá deportações em massa ou confiscos de propriedades de estrangeiros, mas espere um gasto enorme com advogados e burocracia para se resolver essa situação. E esta deve ser regularizada rapidamente, pois sempre haverão os aproveitadores tentando obter lucro da confusão inicial. O problema é que qualquer solução justa e sensata demorará para ser atingida.
Na antiguidade, a extensão de uma nação era limitada basicamente pela capacidade de se mobilizar tropas e distribuir alimentos em todo o território. Com os avanços tecnológicos, essa capacidade foi aprimorada permitindo que as nações se tornassem mais íntegras e extensas. Industrialização, globalização, integração das cadeias de suprimento, parcerias de pesquisa entre outros fatores contribuíram para que desde o fim da II Guerra Mundial não houvessem mais conflitos entre os principais atores do cenário político mundial. Sim, é claro que EUA e URSS não chegaram "as vias de fato" pelo temor da destruição mútua também. Mas houve avanço notáveis desde então no quesito de integração entre as nações.
Mas o que impressiona, é que mesmo apesar de todos estes avanços, continuamos suspeitando de nossos vizinhos, às vezes com razão mesmo. Quanto mais fragmentada for a humanidade, mais difícil será a resolução de problemas que espreitam no horizonte, como escassez de recursos naturais. Aliás esse é um bordão repetido por vários que no instante seguinte criticam americanos, argentinos, russos, japonenses, ou seja lá quem for a vez de serem criticados. Basta esse vizinho falar uma língua diferente, ter uma religião diferente ou não parecer conosco. Gregos e turcos ainda brigam hoje por território no Mediterrâneo, mesmo ambos sendo membros da OTAN. É difícil mesmo...
A história da humanidade é repleta de exemplos em que povos mantiveram por séculos um ranço que resultaram em guerras, diásporas e movimentos separatistas. O Canadá, por exemplo, em 1995 esteve muito próximo de se separar em dois, numa demonstração que mesmo em um país rico e com sólidos fundamentos democráticos, o conceito de união entre povos diferentes pode ser fugaz. Mas um dos mais marcantes eventos é a Catástrofe.
Gregos e turcos nunca se deram. Por séculos na Idade Média, os gregos do Império Bizantino travaram uma árdua e ineficaz batalha para conter primeiro o avanço dos turcos seljúcidas e depois dos turcos otomanos. Antes mesmo da queda de Constantinopla em 1453, os bizantinos já estavam em acentuado declínio e foram subjugados pelos turcos por quase 400 anos. Durante o jugo otomano, gregos e turcos não se miscigenaram muito, mas suas populações se misturaram consideravelmente. Cidades como Constantinopla, Adrianópolis, Esmirna e Tessalônica eram habitadas por turcos e gregos em razoável harmonia. Com a independência da Grécia em 1829, a tendência foi a de se piorar as relações entre estes povos.
Mas até o início da I Guerra Mundial, gregos e turcos ainda coabitavam as mesmas cidades, sendo estas em território grego ou turco. Como o Império Otomano se uniu aos Poderes Centrais liderados pela Alemanha, houve receio dos turcos que os gregos morando dentro das fronteiras otomanas viessem a se tornar insurgentes. O resultado foi o início da expulsão de vários gregos de território otomano e por fim o genocídio grego que só foi interrompido com a derrota otomana para os Aliados no final da guerra. A Grécia sentindo a fraqueza de seus adversários, invadiu em 1919, um ano após o fim da I Guerra Mundial, o Império Otomano no intuito de se reconquistar territórios que historicamente pertenceram aos gregos. Essa guerra local terminou em 1922 quando os turcos rechaçaram todo o avanço grego. Ao fim desta guerra, o Império Otomano tinha sido dissolvido e a República da Turquia formada, mas havia o problema que mesmo com o genocídio grego, ainda haviam bastante gregos em território turco, e vice-versa!
A resolução para aquela situação é conhecida como a Catástrofe da Ásia Menor, no qual as populações turcas e gregas em territórios opostos foram deportadas simultaneamente. A definição de quem era turco ou grego era baseada praticamente na religião do cidadão. Apesar do jugo turco muçulmano sobre os gregos ortodoxos, os primeiros sempre foram tolerantes com a crença dos segundos. Cerca de 300 mil gregos ainda permaneceram em Istambul, novo nome de Constantinopla, mas gradualmente foram forçados a emigrarem para a Grécia devido a perseguições dos habitantes locais e do próprio governo turco. Apesar de Grécia e Turquia terem fechado um acordo de compensação entre os dois países, o prejuízo individual de cada um dos deportados é incalculável. Gerações de cidadãos de repente se viram na situação de deixarem suas cidades natais para emigrarem para uma terra até um certo ponto estranha, praticamente sem bens e com um futuro incerto pela frente. Cidades inteiras na região da Anatólia foram abandonadas, causando certo prejuízo à economia turca.
Não consigo vislumbrar os britânicos agindo como os turcos fizeram no passado, mas com certeza o Brexit vai causar problemas graves. Milhares de trabalhadores estrangeiros com passaporte comunitário participando ativamente da economia britânica se encontraram da noite para o dia em uma situação à priori irregular. Empresas alemãs, francesas, italianas, etc. em solo britânico, que empregam britânicos, também terão dúvidas de como a situação destas ficará. Ninguém em sã consciência promoverá deportações em massa ou confiscos de propriedades de estrangeiros, mas espere um gasto enorme com advogados e burocracia para se resolver essa situação. E esta deve ser regularizada rapidamente, pois sempre haverão os aproveitadores tentando obter lucro da confusão inicial. O problema é que qualquer solução justa e sensata demorará para ser atingida.
Na antiguidade, a extensão de uma nação era limitada basicamente pela capacidade de se mobilizar tropas e distribuir alimentos em todo o território. Com os avanços tecnológicos, essa capacidade foi aprimorada permitindo que as nações se tornassem mais íntegras e extensas. Industrialização, globalização, integração das cadeias de suprimento, parcerias de pesquisa entre outros fatores contribuíram para que desde o fim da II Guerra Mundial não houvessem mais conflitos entre os principais atores do cenário político mundial. Sim, é claro que EUA e URSS não chegaram "as vias de fato" pelo temor da destruição mútua também. Mas houve avanço notáveis desde então no quesito de integração entre as nações.
Mas o que impressiona, é que mesmo apesar de todos estes avanços, continuamos suspeitando de nossos vizinhos, às vezes com razão mesmo. Quanto mais fragmentada for a humanidade, mais difícil será a resolução de problemas que espreitam no horizonte, como escassez de recursos naturais. Aliás esse é um bordão repetido por vários que no instante seguinte criticam americanos, argentinos, russos, japonenses, ou seja lá quem for a vez de serem criticados. Basta esse vizinho falar uma língua diferente, ter uma religião diferente ou não parecer conosco. Gregos e turcos ainda brigam hoje por território no Mediterrâneo, mesmo ambos sendo membros da OTAN. É difícil mesmo...