quarta-feira, 23 de setembro de 2015

A Dura Realidade dos Fatos

Muitos não lembram que em 1998, o mundo financeiro foi abalado pela moratória russa declarada pelo então presidente daquele país, Boris Ieltsin.  Foi o suficiente para causar pânico nos investidores e acelerar a ascensão do protoditador Vladimir Putin.  O agravante foi que a Rússia atraiu investimentos estrangeiros ávidos por maiores retornos aceitando um risco maior.  Investidores de renome e pouco juízo quebraram a cara.  Em 2001, a Argentina foi a bola da vez.  Deram tantos poderes extraordinários para o ministro Domingo Cavallo tentar salvar o que não dava par ser salvo e a economia da Argentina veio abaixo.  Neste período turbulento, que já havia se iniciado em 1997 com a crise dos Tigres Asiáticos, o mundo dos prognósticos econômicos parecia ter virado ao avesso.  Ninguém conseguia fazer uma única previsão sensata, muito menos as agências de avaliação de risco. 

O Brasil naquela época foi considerado o próximo caloteiro, afinal o país estava vulnerável de acordo com as próprias palavras de Pedro Malan em 1999 e foi sugado para o olho do furacão financeiro.  Agências de risco que falhavam constantemente nos tratavam com séria descrença.  As reservas cambiais eram baixas, pois o Banco Central em ano eleitoral inutilmente tentou segurar a cotação do dólar após a moratória russa.  Para piorar havia uma oposição irresponsável que prometia calote e centralização do câmbio.  O PT crescia nas pesquisas e não tinha como qualquer agência de avaliação de risco nos avaliar bem com esse tipo de “promessa”.  Mas quando em 2001 houve o “Apagão”, tinha gente até consultando almanaque para saber se ia chover mais ou menos em 2002 o que permitiria ou não que o Brasil pudesse crescer de novo.  Nada pior que investidor em pânico, não sabe o que fazer, tem medo de perder dinheiro, tem medo de arriscar, tem medo de não fazer nada, e quando faz algo, é besteira na certa.  Em suma, não raciocina e age de maneira completamente emocional.  Veio a crise de 2008, e as agências de risco mostraram toda a sua capacidade de errarem, chego a julgar que nesses casos quem usasse de serviço de cartomante talvez fosse mais bem orientado.

A realidade e a idealização da realidade são duas coisas distintas.  Lembro que além das crises financeiras dos anos 90, naquela época participava de várias dinâmicas de grupo em busca de emprego melhor.  Não que algumas dinâmicas de grupo não tenham sido bem feitas, mas participei de algumas dinâmicas que beiravam o insólito, conduzidas nitidamente por profissionais medíocres e que se julgavam os experts em psicologia e administração.  A realidade era que os candidatos não deveriam confrontar estes profissionais “meia boca” e sim saber como lidar com eles e se portar para receber uma boa avaliação, afinal o objetivo era ser contratado e não apontar os erros daqueles picaretas.  Agências de avaliação de risco com históricos de erros não deveriam ser tão levadas a sério, mas são.  Então qualquer nação soberana que queira atrair investimento estrangeiro terá que lidar com Standard & Poor’s, Moody’s e Fitch.  Fundos de investimento têm cláusulas em seus estatutos de não investir em países com avaliações baixas, abaixo do grau de investimento.  Isso não é pouco dinheiro, e sim muito dinheiro, a ponto de Dilma ter que aturar um ministro “neoliberal” e “ortodoxo” como Joaquim Levy e dispensar Guido Mantega, alguém com previsões ainda mais absurdas.  Não adianta espernear, temos que nos saber portar diante destes profissionais para sermos bem avaliados, mesmo que boa parte deles seja picareta, inclusive porque existem outros que não são.

Lamentavelmente, nos preparamos mal para as “dinâmicas” com as agências de risco.  Beira o ridículo enviar um orçamento com déficit para o congresso, e isso por só próprio já era merecedor de rebaixamento.  Mas o problema é que desde algum tempo, o Brasil vem dando sinais de falta de seriedade com as finanças públicas.  Ganhamos o grau de investimento em 2008, porque, após anos de uma política monetária séria com comprometimento com superávit, pagamento de dívidas e respeito ao investidor, mostramos merecer esse grau.  Agora, com anos de maquiagem das contas públicas, pouca preocupação com o crescente déficit nas contas públicas, não tinha como não sermos rebaixados.  Não adianta apontar os erros passados das agências de avaliação de risco, os erros do país atuais são gritantes e evidentes.  Mesmo porque ainda que os investidores continuem agindo sem muito critério ou racionalidade, o Brasil demonstra sinais que qualquer um com bom senso não queira investir aqui.  Tanto que o governo está agora desnorteado, sem ter ideia do que fazer para ficar “bonito na foto de novo” e desesperado para conseguir aprovar qualquer remendo para tentar algo parecido com um ajuste fiscal.  Aumento de impostos, manutenção no cargo de um desprestigiado Joaquim Levy, cortes pouco substanciais na pesada máquina do governo não enganam mais.  O governo entendeu meio tarde a realidade destas avaliações e a seriedade  de um rebaixamento.

A realidade é que o capital financeiro está com aversão ao Brasil.  Os investidores são muitas vezes irracionais e se baseiam na opinião de quem já errou bastante.  Mas não são tão irracionais a ponto de investirem em países cujos líderes dão demonstrações inequívocas de amadorismo.  Agora o estrago está feito, mas não precisou ser feito pelas agências de avaliação de risco, bastaram 13 anos de PT.

sábado, 5 de setembro de 2015

A Conquista dos Planetas dos Herbívoros

O recente acidente com o caminhão transportando 110 porcos em Carapicuíba causou uma comoção, até um certo ponto grande, em virtude do sofrimento dos animais presos debaixo das ferragens.  O “final feliz” para os porcos resgatados é até emocionante.  O sofrimento alheio, mesmo de animais, é algo que deve ser evitado e combatido, embora nesse caso não houve dolo e sim um acidente.  Apesar dos porcos terem como destino o matadouro, estes devem ser respeitados até o fim.  Algumas religiões até exigem rituais específicos para abates de animais, mostrando o devido respeito a estes animais, por sinal merecido.  Não existe justificativa para tortura e sadismo, mesmo que o animal venha a se tornar salame ou rosbife e, portanto, em touradas sempre torço pelo touro.

Antes essas exibições de crueldade eram aplaudidas quase que unanimemente, mas à medida que a (parte da) raça humana evoluiu, rodeios, farras e espancamentos de animais em gerais estão sendo condenados publicamente, e mesmo assim ainda existem os fãs destas barbáries.  O direito dos animais ganhou uma atenção maior recentemente, mas fica a dúvida de até onde eles têm direitos.  Bovinos e suínos são mamíferos artiodáctilos que possuem uma inteligência limitada, mas considerável e sentem dor e tristeza.  Seria justo condená-los a uma vida de cárcere cujo encarcerador decide quando estes serão executados?  Dizem que porcos são ótimos animais de estimação, o que torna quase impossível algum dono de porco de estimação comer presunto.  Quem assistiu Babe e City Slickers talvez tenha virado vegetariano.  Quem gosta do The Smiths, provavelmente concorda que Meat is Murder.  Duvido que algum dono de cachorro vá à Ásia e procure comer carne de cachorro em restaurantes.

Quem estudou ecologia, a ciência e não o modismo, sabe que porcos e vacas ocupam o segundo nível na pirâmide trófica, acima apenas dos seres autótrofos, os vegetais.  O ser humano no seu despertar não estava no topo desta pirâmide, mas escalamos até o topo basicamente eliminando os nossos predadores.  Estou para conhecer alguém que queira, em sã consciência e livre de hipocrisia, ter um nível trófico acima do nosso atual.  Se todos nós nos tornássemos vegetarianos, então o ser humano deixaria de ser o predador dos porcos e das vacas, e estes por sua vez se tornariam nossos competidores.  Para se minimizar o sofrimento animal, a pirâmide trófica teria dois níveis só.  Faço a pergunta, existiria alimento suficiente para 8 bilhões de pessoas, 2 bilhões de vacas e 1 bilhão de porcos (populações estimadas)?  Isso sem contar os outros herbívoros existentes. Vale lembrar que planejamento familiar não é exatamente um forte do reino animal e, portanto, alguns animais sem um controle por predadores tendem a se tornarem pragas.  Os quase inúmeros roedores e insetos ao longo da história sempre competiram por alimentos conosco, e muitas vezes nos derrotaram.

Sem predadores, os herbívoros podem até se expandir além da capacidade de geração de alimentos pelo ecossistema, para esse caso Thomas Malthus estaria certo, o que causaria uma inevitável escassez de alimentos, possível extinção de vegetais e futura fome disseminada entre os herbívoros.  Se nos tornássemos todos vegetarianos, a motivação de prover alimentos para nossos novos competidores desapareceria e, pior, apareceria bastante motivação de lutarmos com eles pela quantidade limitada dos alimentos disponíveis.  Aliás, de acordo com a ecologia, duas espécies não ocupam o mesmo nicho ecológico.

E a pergunta que não quer calar, mesmo que a raça humana se torne herbívora, o que fazer com os seres carnívoros?  Nos aliamos a dois seres, cães e gatos, por estes possuírem hábitos carnívoros.  Aliás, os nossos amigos felinos são exclusivamente carnívoros.  E ainda não ouvi falar de cachorro vegano.  Imagino que depois do homem, os maiores predadores de vacas e porcos são os cães e os gatos, ou algum defensor dos animais tem outra explicação para a origem das rações para cães e gatos?  Na Idade Antiga, para se controlar a população de roedores que dizimavam colheitas estocadas em celeiros, os gatos foram introduzidos à sociedade para manter sob controle esse tipo de praga.  Pode se dizer que a humanidade prosperou graças a eles e suas sanhas assassinas.

A evolução das espécies aqui neste planeta começou com seres autótrofos e depois surgiram os heterótrofos, como nós.  Por definição, a sobrevivência dos heterótrofos depende da alimentação de outros seres.  Vai demorar um pouco para alguém descobrir como os seres humanos, e cães e gatos, possam fazer fotossíntese.

Crueldade é algo indesculpável, definitivamente não é kosher.  Os ativistas devem continuar sua luta por um tratamento justo aos animais, inclusive àqueles que servirão de alimentos.  Mas até alguém me responder o que fazer para me tornar um ser autótrofo e como ensinar às vacas e aos porcos que todos temos direito aos alimentos, eu vou assumir publicamente minha posição na pirâmide trófica.  Respeito a opção alheia, mas continuarei apreciando churrasco.  Mesmo que um dia, H.G. Wells venha a ter razão e meus descendentes se tornem elóis, ou seja alimentos dos morlocks, conforme retratado na obra A Máquina do Tempo.