quarta-feira, 27 de maio de 2015

A Descoberta de Leif Erikson



O explorador islandês Leif Erikson segundo os dados históricos mais precisos viveu de 970 a 1020.  Não é exatamente alguém lembrado pela maioria das aulas de história como Cristóvão Colombo, mas Leif esteve na América quase 500 anos antes de Colombo.  Suas viagens são contadas, com certo grau de imprecisão, na Saga de Erik o Vermelho e na Saga dos Groenlandeses.  Os motivos para as Américas falarem em sua grande maioria espanhol, inglês e português ao invés de uma língua nórdica são vários e merecem uma certa reflexão.

No ano 1000, em plena Idade Média, as principais nações européias estavam fragmentadas e sofriam para repelir os vários invasores bárbaros.  Espanha e Portugal travavam lutas por sua independências dos invasores árabes que dominaram por quase 500 anos a Península Ibérica.  A França apesar de Carlos Magno se fragmentou em vários feudos por volta desta época.  A Inglaterra também feudal lutava contra as constantes invasões vikings, sendo que estes naquela época chegaram a estabelecer domínio sob parte de território inglês que incluía a cidade de York.

Os vikings eram grandes exploradores, segundo relatos estiveram além da Grã-Bretanha no norte da África, Sicília, Rússia, Ucrânia e até em Bagdá.  Mas foram imortalizados na memória popular pelo terror que os saques em território inglês impunham na população local.  Apesar das pilhagens, os vikings tinham uma extensa rede de comércio pela Europa e oeste da Ásia, avançados conhecimento de navegação e tecnologia naval.  Os povos nórdicos estabeleceram colônias em ilhas do Atlântico Norte como as Faroe e principalmente na Islândia.  Mas não pararam por aí e estabeleceram uma colônia na Groenlândia, inicialmente mal-sucedida.  Tecnicamente a maior ilha do mundo já é no continente americano, então a data da primeira colônia americana é, de acordo com relatos das sagas, 985 quando Erik o Vermelho chegou à ilha americana com 14 navios.  A primeira colonização da Groenlândia durou pouco mais de 500 anos, por motivos ainda não esclarecidos a população nórdica naquela ilha simplesmente sumiu.

O mais impressionante é que o filho de Erik o Vermelho, Leif Erikson, foi além de seu pai.  Após ouvir relatos de um outro navegador, Bjarni Herjólfsson, de ter avistado terras ao oeste da Groenlândia, Leif montou sua expedição para descobrir estas terras.  Chamou seu pai, mas este pelos relatos caiu de um cavalo e não embarcou na expedição por ter machucado o pé.  Mesmo assim Leif reuniu cerca de 35 corajosos para ir além da Groenlândia.  Leif e seus bravos seguidores chegaram na América, no atual leste canadense, em três locais sendo que o último deles foi batizado de Vinlândia, que alguns acreditam ser na ilha canadense de Terra Nova.  Atualmente, acredita-se que a Vinlândia seria no Golfo do Rio São Lourenço, no Labrador.  Os relatos das duas sagas são um tanto questionáveis, mas acredita-se que a viagem de Leif tenha sido em torno de 1001.  Leif e seus irmão exploraram a Vinlândia por quase uma década, tentaram criar um pequeno estabelecimento em solo americano, mas notadamente não foram bem sucedidos.  Um de seus irmãos, Thorvald, foi morto em um confronto com nativos americanos em 1004 e outro, Thorstein, morreu antes de zarpar da Groenlândia para a Vinlândia.  Apesar de relatarem uma terra rica em salmão, uvas e madeira, o fato é que a colonização nórdica fracassou.  Hoje o que resta na são as ruínas de L’Anse aux Meadows na Terra Nova, uma aldeia que talvez tenha sido construída para reparos nos navios dos exploradores nórdicos.

Algumas hipóteses podem ser tecidas para explicar este fracasso, vários historiadores atribuem às hostilidades entre os nativos e os exploradores o fato destes últimos desistirem de se aventurar mais no continente americano.  Acredito que os povos nórdicos naquela época não tinham recursos para se aventurarem tão distante.  Os vikings tinham seus negócios focados na Europa e na Ásia, e um empreendimento tão distante era nada atrativo.  A população nórdica pelas estimativas históricas não deve nem ter chegado perto de 1 milhão de habitantes.  Simplesmente não havia nórdico suficiente para se colonizar muito além da Islândia.  O custo de se trazer produtos da Terra Nova seria proibitivo em comparação com os custos de produtos semelhantes oriundos da Europa e da Ásia, o que traria inevitáveis prejuízos.  E, é claro, Erik o Vermelho e sesu filhos apesar de todo o empreendedorismo não tinham capacidade e nem o conhecimento de criar uma indústria local, estabelecer um diálogo com os nativos americanos, divulgar sua descoberta, comercializar os produtos americanos em outros locais, em suma faltou marketing para eles serem bem sucedidos.

O fracasso da primeira colonização na Groenlândia mostra que havia uma limitação para a expansão colonial nórdica.   Quando Colombo chegou à América, quase 500 anos depois de Leif, a Espanha tinha um contingente maior de recursos para investir naquela empreitadas, sem contar a motivação de buscar novas rotas de comércio após a queda do Império Bizantino e a dificuldade em se restabelecer as rotas pelo Oriente Médio.  Inglaterra e Portugal também foram bem sucedidos na colonização do continente americano, enquanto França e Holanda tiveram resultados pífios em comparação com estas três nações.  A Rússia também chegou ao continente americano bem depois mas desistiu oficialmente da empreitada vendendo o Alaska para os americanos.  Este aliás um negócio à primeira vista ruim para os russos dado a quantidade de ouro e petróleo naquelas terras, mas justificável sob a ótica que era difícil o acesso de Moscou ao Alaska uma vez que a rota de suprimentos teria de atravessar o vasto e pouco desenvolvido norte do continente asiático.

A primeira descoberta da América nos deixa a lição que nem sempre os pioneiros de um avanço tecnológico ou de uma descoberta científica serão aqueles que colherão os louros do sucesso.  No Brasil, podemos lembrar que fomos pioneiros no uso de etanol como combustível de automóveis, mas isso não garantiu que nos mantivéssemos na vanguarda da tecnologia sucroalcooleira.  Apesar das condições ótimas para o cultivo da cana de açúcar, passamos pelo vexame de importar etanol.  Pode-se dizer que o Brasil dormiu no ponto.  Não é um fracasso retumbante como a colonização nórdica na América, mas algumas questões são levantadas para justificar termos sido ultrapassados.  Faltou ao Brasil uma busca maior por aprimoramento tecnológico, recursos humanos necessários para se pesquisar mais sobre este processo, tanto no aspecto tecnológico como mercadológico, e também uma visão empresarial mais arrojada e menos acomodada.  Não custa lembrar que este último fator resultou na década de 1990 na reversão da frota que era quase de 90% de carros a etanol para quase 90% de carros a gasolina, após os usineiros deixarem todos os consumidores sem etanol nos postos para produzir açúcar.  É claro que as condições macroeconômicas atuais não favorecem tanto o etanol, mas certamente o Brasil deveria estar em melhor colocado.

Vários exemplos podem ser comparados com este fracasso histórico.  Nações, empresas, indivíduos muitas vezes serão pioneiros em algum momento, mas sem os recursos necessários rapidamente perderão a dianteira.  Os cientistas brasileiros que conseguirem nestas terras ter a capacidade de triunfar diante de tantas adversidades muito provavelmente serão convidados para continuarem suas pesquisas em outros países com melhores condições, algo que já é bem comum diga-se de passagem e não exclusivo ao Brasil.  Faltam recursos de todos os tipos para o Brasil desenvolver inúmeros tipos de tecnologias pioneiras.  Empresas pequenas que desenvolvem novos produtos são muitas vezes compradas por empresas bem maiores que possuem recursos financeiros muito mais abastados.  Basta ver o que aconteceu com o Waze e o WhatsApp recentemente adquiridos por Google e Facebook.  Na contramão, pode se lembrar da Netscape que resolveu enfrentar a Microsoft e se deu mal.

Acredito que se Leif Erikson tivesse nascido 500 anos depois, teria sido contratado ou pelos ingleses ou pelos espanhóis para tocar expedições para a América.

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