“A burguesia fede / A burguesia quer ficar rica
/ Enquanto houver burguesia / Não vai haver poesia”. Para aqueles que têm mais de 30 anos, a
música Burguesia de Cazuza será familiar.
É provavelmente uma das canções mais estúpidas já compostas no país, uma
diatribe, composta por um artista super-valorizado. A música ataca a direita, um ataque feito por
alguém que se confessava burguês mas de esquerda, apesar de nunca ter vivido em
qualquer país socialista. Se tivesse um
mínimo conhecimento de história e coerência, saberia que a burguesia teve
grande importância no estabelecimento de princípios republicanos e
democráticos.
Com o fim da Guerra dos 7 Anos em 1763, a
França perdeu para a Grã-Bretanha a maioria de suas colônias na América do
Norte, mas ambos franceses e britânicos sobraram com dívidas volumosas para
pagar. Como nos dias de hoje, quando uma
nação se endivida, quem paga a conta é a população. No caso da Grã-Bretanha, a conta foi passada
para as colônias americanas que, obviamente, não gostaram nenhum pouco e
alegaram que as colônias pagaram um preço alto com a vida de vários colonos na
guerra. A coroa britânica subestimou
gravemente a capacidade de organização dos colonos, bem como o alto de grau de
insatisfação entre eles. Os treze anos
que sucederam ao fim da guerra marcou uma escalada de conflitos entre a coroa e
as colônias, em específico a de Massachussetts, em que cada medida imposta para
ampliar a arrecadação na América era respondida com crescente insurgência. As colônias britânicas na América eram
prósperas, mas não tinham representação no parlamento britânico, o que
enfurecia uma grande parte dos americanos.
Apesar de apenas cerca de 45% dos colonos, os Patriotas, apoiarem a
independência, esta foi declarada em 4 de Julho de 1776. Muitos dos Patriotas eram profissionais
liberais, fazendeiros e comerciantes que exigiam sufrágio universal, entre os
homens brancos pelo menos.
O início da Guerra da Independência Americana
foi duro para os Patriotas, uma vez que enfrentavam uma das maiores potências
militares, senão a maior, na época. Mas
o exército de George Washington combatia em seu solo e obteve importantes
vitórias contra os britânicos como na Batalha de Saratoga em 1777. Esta foi o convite para os ressentidos
franceses se aliarem aos Patriotas contra seus tradicionais rivais. Se este não foi o ponto de inflexão no
conflito, com certeza sacramentou a investida americana para conseguirem
expulsar os britânicos em 1783. Os
franceses tinham como objetivo retomar parte de seus territórios perdidos em
1763, mas só conseguiram ao final do conflito tomar Tobago no Caribe e Senegal
na África. No final, o único objetivo
prático foi a pirraça. Muito pouco para
um país altamente endividado pelo conflito anterior e que ainda por cima perdeu
boa parte de sua frota naval no conflito americano. O resultado foi que a França ficou ainda mais
endividada.
A França era um país de contrastes, pois
enquanto tinha uma população basicamente rural e até locais onde o feudalismo
persistia, possuía uma classe média bem estabelecida em suas principais
cidades, principalmente Paris, que era conhecida como a burguesia. Mas o poder era dividido entre o clero e a
nobreza, respectivamente o primeiro e o segundo estado. Estes possuíam a maior parte das terras no
país e eram basicamente isentos de impostos.
Quem arcava com os impostos era a burguesia, o terceiro estado, e quem
levava o pior era a população mais pobre, que nos anos seguintes amargou até
fome devido a safras ruins que encareciam os alimentos, inclusive o pão. Apesar da escalada da crise, o clero e a
nobreza da França não se mostraram realmente dispostos a mudar de postura e
continuaram sua política de apertar cada vez mais a população. O aparelhamento das instituições públicas era
extenso e uma maneira de nobres e parentes dos nobres ganharem dinheiro de
impostos sem ter que trabalhar.
O resultado foi conhecido, no dia 14 de julho
de 1789, após a demissão do ministro das finanças Jacques Necker, que era bem
visto pela burguesia, os conflitos finalmente escalaram ao ponto que o rei Luís
XVI perdeu o controle da nação. Uma
turba invadiu a Bastilha, a infame prisão parisiense, e apesar de ter basicamente
só liberado alguns loucos e falsificadores a invasão é o marco do início da
Revolução Francesa. Os anos seguintes à
queda da Bastilha foram marcados por extrema instabilidade política, a
burguesia apesar de estar unida contra o clero e a nobreza, não era exatamente unida
entre si. Veio o Reino do Terror com os
Jacobinos em 1793 e dezenas de milhares de franceses foram para guilhotina,
inclusive a rainha Maria Antonieta, aquela a quem atribuíram a infame frase
“Que comam bolo” quando supostamente a informaram que o povo não tinha pão para
comer. A situação demorou para se tornar
estável na França. Napoleão Bonaparte
ascendeu ao poder com um golpe em 1799 e só foi destituído com a famosa derrota
em Waterloo para uma aliança de nações lideradas pelo Reino Unido. A democracia demorou muito mais para se consolidar
naquele país.
Apesar disso, a Revolução Francesa trouxe
importantes reformas sociais, políticas e econômicas à França. Foram abolidos os privilégios hereditários da
nobreza e do clero, e estes dois perderam suas terras e poderes, o feudalismo
foi abolido, e um sistema de meritocracia foi implementado inclusive nas Forças
Armadas francesas. A Revolução Francesa
para vários historiadores é considerada como o marco do início da Idade
Contemporânea e o fim da Idade Moderna.
A burguesia em 1789, e também em parte em 1776,
se rebelou contra governos autoritários e parasitas. Governos que oprimiam a classe trabalhadora e
geradora de riquezas para benefício próprio.
Estas insurgências resultaram em ganhos de direitos civis não só para a
própria burguesia como para toda a população.
É claro que outros direitos só foram obtidos posteriormente, como o fim
da escravidão em 1861 nos EUA.
Com a proliferação do populismo no Século XX e
XXI, principalmente o de esquerda, as castas governantes aprenderam a defletir
a responsabilidade das mazelas da população em geral para a burguesia, que
ganhou a pecha de vilã não só perante a população mais humilde como diante de
uma parcela da própria burguesia. Como o
intitulado “poeta do rock” já cantava “Eu sou burguês, mas eu sou artista /
Estou do lado do povo, do povo”. A
burguesia deveria ter orgulho de seu passado glorioso.
Se João Santana viajasse no tempo para o
período anterior a 1789, ele teria ensinado a Luís XVI a distribuir uma parcela
(muito) reduzida dos impostos arrecadados para a população mais humilde para
ganhar o apoio desta, a culpar a classe média e o imperialismo britânico pelas
mazelas destes humildes para defletir a atenção dos reais problemas estruturais. Mesmo assim, invariavelmente a monarquia
francesa não teria resistido, pois o marketing por si só não é um fim. Que a cabeça dos nossos primeira e segundo
estados terminem na guilhotina moral. É
hora da burguesia exigir os direitos que estão sendo usurpados de nós.
Nenhum comentário:
Postar um comentário