quinta-feira, 5 de março de 2015

O Voto de Edmund Ross



Poucos vão saber quem foi o americano Edmund Ross, um senador republicano do estado do Kansas que em maio de 1868 teve em suas mãos o destino daquela nação.  O auge da carreira de Ross foi no senado, para qual não foi eleito mais após esse mandato no qual mudou a história americana.

Muitos vão lembrar que em 1998 Bill Clinton sofreu impeachment na Câmara dos Representantes, equivalente à Câmara de Deputados brasileiros, mas foi absolvido no senado, uma vez que eram necessários 67 votos de 100 senadores para destituírem Clinton e só 50 votaram a favor desta destituição.  A acusação contra Clinton era de perjúrio e obstrução da justiça, uma vez que o popular e até certo ponto folclórico presidente teve suas aventuras extra conjugais escancaradas na mídia após negá-las sob juramento.  Todo este imbróglio teve motivações políticas mas os congressistas republicanos não conseguiram minar o presidente democrata.

O que poucos vão lembrar é que este não foi o primeiro presidente americano a sofrer impeachment e que a primeira ocasião teve contornos muito mais dramáticos e com possíveis consequências drásticas caso Ross agisse de maneira diferente do que agiu. 

Em 1864, os Estados Unidos da América estavam imersos na sangrenta Guerra Civil no qual os Estados Confederados da América, formado por estados separatistas do sul americano, se opunham ao norte que sob o comando de Abraham Lincoln, o presidente que aboliu a escravidão naquele país.  A guerra civil caminhava para uma vitória da União contra a Confederação, mas existia o risco do republicano Lincoln não ser reeleito, curiosamente o seu adversário naquele ano foi um dos seus principais generais na guerra, George McClellan.  Pensando em uma futura reconciliação com os estados separatistas, Lincoln resolveu substituir em sua chapa o então vice-presidente Hannibal Hamlin, pelo democrata Andrew Johnson, um sulista que não apoiou a Confederação.  Lincoln ganhou a eleição e os EUA aprenderam que é bom tomar cuidado com quem é eleito vice-presidente.

Andrew Johnson nasceu pobre no estado do Tennessee, logo ficou órfão, não teve muita escolaridade e se tornou aprendiz de alfaiate na adolescência.  Mas Johnson era um sujeito determinado e procurou se auto-instruir e logo conseguiu abrir seu próprio negócio como alfaiate, e com sucesso.  Ingressou na política local, sendo que era conhecido por ter um discurso bem-sucedido com a população local mais humilde, a plebe como ele mesmo denominava.  Antes do início da guerra, no qual o Tennessee fazia parte da Confederação, Johnson foi eleito primeiro governador e depois senador.

Após a eleição de 1864, veio o prenúncio dos problemas quando, em seu discurso inaugural, Johnson se dirigiu ao Congresso bêbado.  E em 1865, Lincoln foi assassinado, numa trama que também alvejou Johnson, apesar dos teóricos da conspiração discordarem e alegarem que o próprio Johnson seria um mandante do assassinato.  Com o fim da Guerra Civil, o vitorioso norte queria ditar condições aos participantes da Confederação e eis que a veia sulista de Johnson veio à tona e ele não procurou nem conceder muitos direitos aos recém-libertos escravos e nem procurar uma punição mais rigorosa aos seus conterrâneos separatistas.  Foi o suficiente para enfurecer os republicanos que começaram a se mexer para destituir Johnson.

As eleições legislativas de 1866 foram determinantes para a desgraça de Johnson, pois os estados do sul estavam exclusos desse evento e o norte elegeu para o congresso americano mais de 2/3 de republicanos .  Isso auxiliado pelos vários discursos públicos desastrosos do destemperado Johnson que insistia em trocar insultos com aqueles que o afrontavam.  O novo Congresso era ainda mais hostil em relação a Johnson e resolveu minar sua autoridade criando o Ato da Estabilidade  (Tenure Act) em 1867.  Este ato simplesmente impedia o presidente de demitir um ministro sem a autorização do senado.  Simplesmente era uma lei que colocava o Poder Executivo de joelhos diante do Legislativo, e sob certa ótica era um passo importante em transformar os EUA em um regime parlamentarista.  Johnson resolveu enfrentar o congresso e fez de tudo para demitir seu desafeto Edwin Stanton, Ministro da Guerra indicado por Lincoln.  O congresso retaliou e abriu processo de impeachment contra Johnson pela demissão de Stanton, e a Câmara dos Representantes por 126 a 47 votos ratificou o impeachment. 

Era necessário, porém, que pelo menos 2/3 do Senado americano votassem pela destituição de Johnson.  No julgamento no senado, os advogados do presidente conseguiram o convencer a falar o mínimo possível, pois ele já havia dado todas as demonstrações imagináveis que poderia se enforcar sozinho com suas declarações.  Em um senado de maioria esmagadora republicana, mais de 2/3 das cadeiras, a derrocada de Johnson parecia certa.  Porém, alguns poucos senadores republicanos entenderam que apesar de sua presidência desastrosa, não havia um motivo para destituí-lo do cargo e que o Ato da Estabilidade era inconstitucional como Johnson alegava.  A votação terminou em 35 a 19 a favor de sua destituição, ou seja faltou 1 voto apenas.  Esse voto era para ter sido dado por Edmund Ross que não aceitou as alegações de seus partidários.  Ross e outros 6 senadores republicanos mantiveram o equilíbrio entre os 3 poderes.  Se foram corrompidos ou se acreditaram que não caberia ao Legislativo usurpar o poderes do Executivo, isso só eles poderiam responder.  No final, Johnson sequer conseguiu ganhar as primárias do Partido Democrata para a eleição de 1868, mas foi depois eleito senador novamente pelo Tennessee, Ross não se reelegeu senador e em 1887 o Ato da Estabilidade foi considerado inconstitucional pela Suprema Corte americana.  Para vários historiadores, Johnson é considerado um dos piores presidentes da história americana.

Comparando Johnson a Dilma, pode se enxergar várias semelhanças e diferenças.  Como Johnson, Dilma perde a oportunidade de ficar calada em vários momentos, ambos chegaram à presidência por méritos de outros e enfrentaram um congresso hostil.  As diferenças são que mesmo os EUA atravessando um período de guerra não estavam à beira do precipício econômico; Johnson por méritos próprios ascendeu de menino pobre para alfaiate bem sucedido e depois para um político eminente de seu estado, enquanto Dilma fracassou como assaltante de banco e gerente de loja de R$1,99; o congresso hostil a Johnson era formado pela oposição, e Dilma enfrenta aliados descontentes e oposição. 

Impeachment é um processo político e não um processo judicial.  Fernando Collor só caiu pois o nosso congresso vislumbrou um ganho político em derrubá-lo.  A baixa popularidade de um presidente é sempre um incentivo a processos de impeachment.  Neste momento, o PT está cogitando rifar Dilma para ela não destruir as chances do partido em 2018, o PMDB vislumbra uma oportunidade de conseguir mais poder e o PSDB e oposição parecem que timidamente vão agir como oposição e que é possível que uma atitude semelhante a de Edmund Ross não será tomada, como foi feito em 2005 por Fernando Henrique Cardoso no caso do mensalão.  Dado as condições favoráveis, como clamor popular, o congresso encontrará motivos ou pretextos para o impeachment de Dilma.

Os EUA tiveram em quase 250 anos de regime presidencialista apenas 2 presidentes impedidos, quase 3 se formos considerar Richard Nixon e o Watergate, enquanto nós podemos ter 2 processos de impeachment em 25 anos!  Fica a lição para o povo brasileiro escolher melhor seus candidatos.

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