quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Uma Meretriz no Trono



Em 2012, quando foi amplamente divulgado que a Grécia estava no vermelho colocando em risco toda a União Européia, brinquei que a última vez que aquele país tinha tido tanto impacto na geopolítica tinha sido em 1453 quando os Turcos Otomanos finalmente tomaram Constantinopla decretando o fim do Império Bizantino, ou também conhecido como Império Romano Oriental.  Esse evento para alguns historiadores decreta o fim da Idade Média, sendo uma força motriz para as nações do oeste europeu procurarem novas rotas de navegação para o comércio com as nações asiáticas.  O Império Bizantino não era só o herdeiro do que foi uma época o Império Romano, mas também era a nação grega que no auge, após a queda de Roma em 476, chegou a reconquistar boa parte do que era o Império Romano Ocidental.  Porém o Império Bizantino muito antes de sua queda já definhava e o evento que praticamente sacramentou esse declínio foi a Quarta Cruzada.

As cruzadas começaram no Século XI quando o Império Bizantino começou a sofrer derrotas contínuas no Oriente Médio para os Turcos Seljúcidas, inclusive na Terra Santa.  Os bizantinos apelaram por ajuda e sob o comando do Vaticano exércitos de europeus, em boa parte dos reinos do oeste, foram reunidos para combaterem o avanço turco e retomarem os territórios perdidos, na teoria para os bizantinos.  Apesar do relativo sucesso inicial, os territórios raramente eram devolvidos aos bizantinos e para piorar estes territórios gradualmente foram perdidos para os turcos que nunca cessaram os ataques.  Em 1202, a  Quarta Cruzada tinha como objetivo atacar o Egito, mas praticamente jamais deixou o continente europeu.  Os cruzadinos tinham como motivação dinheiro e atacaram a cidade cristã de Zara, atual Zadar na Croácia, para pilhar recursos.  E nesse meio tempo pleiteantes do trono bizantino convenceram os cruzadinos a auxiliarem um golpe de estado, com dinheiro que o Império Bizantino não tinha.  Em outras palavras criaram uma dívida que não podiam pagar.  Após várias reviravoltas e golpes no trono de Constantinopla, capital bizantina, em 1204 a situação era que um exército de cruzadinos sem motivação para atacar os turcos, mas com muita motivação para atacarem os bizantinos, saquearam Constantinopla.  A barbárie dos cruzadinos incluiu a pilhagem da cidade, assassinato do clero local, estupro de várias mulheres, incêndio de prédios.  Mas o auge do insulto foi colocar uma prostituta no trono do patriarca da igreja ortodoxa grega.  Era o ápice de uma richa entre católicos e ortodoxos sendo que o Vaticano só foi se retratar com João Paulo II.

Demorou quase 50 anos para os bizantinos reconquistarem Constantinopla e reerguerem o império, mas o dano resultante da Quarta Cruzada foi severo e a capitulação aos turcos veio 250 anos depois.  A Grécia só foi obter independência quase 400 depois em 1822 e hoje o país ocupa só uma fração do que foi um dos maiores impérios das Idades Antiga e Média e a cidade de Constantinopla ficou em território turco se tornando a atual Istambul.  Atualmente o país é o patinho feio da União Européia, teve farto acesso a crédito fácil, gastou o que não podia naquilo que não devia, fez dívidas colossais que de novo não podia pagar, escondeu de todos a situação grave e flerta com a insolvência há algum tempo.  Como na época das cruzadas, teve que pedir ajuda ao oeste europeu para tentar equilibrar as contas e, é claro, quem paga a conta é a população.  A ajuda é claro vem com custo, ou juros altos ou ingerência em assuntos internos.  Não existe solução fácil e nem dinheiro fácil.  A ingerência de FMI e União Européia resultou em um programa de austeridade fiscal que apesar de não ter sido eficaz afetou os benefícios dos cidadãos gregos e o orgulho destes.  Ninguém gosta de assumir que está falido e precisa de dinheiro, mas menos ainda de aturar outros dizendo o que deve fazer ou não, mesmo estes outros tendo razão.

O resultado é que os gregos de orgulho ferido elegeram o Syriza, um partido de esquerda, que alguns definem com extrema esquerda, cujo líder Alexis Tsipras assume como primeiro ministro.  Este há poucos anos defendeu abertamente a moratória na dívida grega.  Os gregos argumentam que o governo anterior do Nea Dimokratia era corrupto e colocou a Grécia de joelhos, e que agora com o Syriza no poder a Grécia irá negociar com seus credores de pé.  Basta saber se eles esperam que os credores fiquem de joelhos diante do Syriza.  A verdade é que na história recente poucos são os casos onde calotes resultaram em melhoras para a economia da nação.  No Brasil, até o PT que no auge de sua inconsequência como oposição alardeava para todos que tinha que se dar calote na dívida externa revisou sua posição.  Espera-se que o atual governo grego não seja tão inconsequente, mas estou para conhecer um governo de esquerda que tenha conduzido reformas necessárias para tirar o país do poço seguindo a cartilha da esquerda.  E estou para conhecer um político populista de discurso irresponsável conduzir uma nação para o caminho da virtuosidade.

A dúvida que paira sobre Atenas é se a Grécia permanece na União Européia.  Na Idade Média, o Império Bizantino conseguiu estancar o avanço turco no leste europeu até o século XV quando estes avançaram até quase Viena.  Há o temor que a Grécia saindo a União Européia possa sofrer um abalo equivalente à queda final do decadente Império Bizantino.  Quando os cruzadinos colocaram a prostituta no trono, ela entoava canções obscenas e bebendo vinho,  agora se coloca no poder alguém que entoa canções irresponsáveis. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário