Em 2012, quando foi amplamente divulgado que a
Grécia estava no vermelho colocando em risco toda a União Européia, brinquei
que a última vez que aquele país tinha tido tanto impacto na geopolítica tinha
sido em 1453 quando os Turcos Otomanos finalmente tomaram Constantinopla decretando
o fim do Império Bizantino, ou também conhecido como Império Romano
Oriental. Esse evento para alguns
historiadores decreta o fim da Idade Média, sendo uma força motriz para as
nações do oeste europeu procurarem novas rotas de navegação para o comércio com
as nações asiáticas. O Império Bizantino
não era só o herdeiro do que foi uma época o Império Romano, mas também era a
nação grega que no auge, após a queda de Roma em 476, chegou a reconquistar boa
parte do que era o Império Romano Ocidental.
Porém o Império Bizantino muito antes de sua queda já definhava e o
evento que praticamente sacramentou esse declínio foi a Quarta Cruzada.
As cruzadas começaram no Século XI quando o
Império Bizantino começou a sofrer derrotas contínuas no Oriente Médio para os
Turcos Seljúcidas, inclusive na Terra Santa.
Os bizantinos apelaram por ajuda e sob o comando do Vaticano exércitos
de europeus, em boa parte dos reinos do oeste, foram reunidos para combaterem o
avanço turco e retomarem os territórios perdidos, na teoria para os
bizantinos. Apesar do relativo sucesso
inicial, os territórios raramente eram devolvidos aos bizantinos e para piorar
estes territórios gradualmente foram perdidos para os turcos que nunca cessaram
os ataques. Em 1202, a Quarta Cruzada tinha como objetivo atacar o
Egito, mas praticamente jamais deixou o continente europeu. Os cruzadinos tinham como motivação dinheiro
e atacaram a cidade cristã de Zara, atual Zadar na Croácia, para pilhar recursos. E nesse meio tempo pleiteantes do trono
bizantino convenceram os cruzadinos a auxiliarem um golpe de estado, com
dinheiro que o Império Bizantino não tinha.
Em outras palavras criaram uma dívida que não podiam pagar. Após várias reviravoltas e golpes no trono de
Constantinopla, capital bizantina, em 1204 a situação era que um exército de
cruzadinos sem motivação para atacar os turcos, mas com muita motivação para
atacarem os bizantinos, saquearam Constantinopla. A barbárie dos cruzadinos incluiu a pilhagem da
cidade, assassinato do clero local, estupro de várias mulheres, incêndio de prédios. Mas o auge do insulto foi colocar uma
prostituta no trono do patriarca da igreja ortodoxa grega. Era o ápice de uma richa entre católicos e
ortodoxos sendo que o Vaticano só foi se retratar com João Paulo II.
Demorou quase 50 anos para os bizantinos
reconquistarem Constantinopla e reerguerem o império, mas o dano resultante da
Quarta Cruzada foi severo e a capitulação aos turcos veio 250 anos depois. A Grécia só foi obter independência quase 400
depois em 1822 e hoje o país ocupa só uma fração do que foi um dos maiores impérios
das Idades Antiga e Média e a cidade de Constantinopla ficou em território
turco se tornando a atual Istambul. Atualmente
o país é o patinho feio da União Européia, teve farto acesso a crédito fácil,
gastou o que não podia naquilo que não devia, fez dívidas colossais que de novo
não podia pagar, escondeu de todos a situação grave e flerta com a insolvência
há algum tempo. Como na época das
cruzadas, teve que pedir ajuda ao oeste europeu para tentar equilibrar as
contas e, é claro, quem paga a conta é a população. A ajuda é claro vem com custo, ou juros altos
ou ingerência em assuntos internos. Não
existe solução fácil e nem dinheiro fácil.
A ingerência de FMI e União Européia resultou em um programa de austeridade
fiscal que apesar de não ter sido eficaz afetou os benefícios dos cidadãos
gregos e o orgulho destes. Ninguém gosta
de assumir que está falido e precisa de dinheiro, mas menos ainda de aturar
outros dizendo o que deve fazer ou não, mesmo estes outros tendo razão.
O resultado é que os gregos de orgulho ferido
elegeram o Syriza, um partido de esquerda, que alguns definem com extrema
esquerda, cujo líder Alexis Tsipras assume como primeiro ministro. Este há poucos anos defendeu abertamente a
moratória na dívida grega. Os gregos
argumentam que o governo anterior do Nea Dimokratia era corrupto e colocou a Grécia
de joelhos, e que agora com o Syriza no poder a Grécia irá negociar com seus
credores de pé. Basta saber se eles
esperam que os credores fiquem de joelhos diante do Syriza. A verdade é que na história recente poucos
são os casos onde calotes resultaram em melhoras para a economia da nação. No Brasil, até o PT que no auge de sua
inconsequência como oposição alardeava para todos que tinha que se dar calote
na dívida externa revisou sua posição.
Espera-se que o atual governo grego não seja tão inconsequente, mas
estou para conhecer um governo de esquerda que tenha conduzido reformas
necessárias para tirar o país do poço seguindo a cartilha da esquerda. E
estou para conhecer um político populista de discurso irresponsável conduzir
uma nação para o caminho da virtuosidade.
A dúvida que paira sobre Atenas é se a Grécia
permanece na União Européia. Na Idade
Média, o Império Bizantino conseguiu estancar o avanço turco no leste europeu
até o século XV quando estes avançaram até quase Viena. Há o temor que a Grécia saindo a União
Européia possa sofrer um abalo equivalente à queda final do decadente Império
Bizantino. Quando os cruzadinos
colocaram a prostituta no trono, ela entoava canções obscenas e bebendo
vinho, agora se coloca no poder alguém
que entoa canções irresponsáveis.
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