sábado, 12 de abril de 2014

Ecos de 1987

Este post é só para quem tem paciência de discutir futebol.

Já que o STJ resolveu dar seu parecer nesta questão, então resolvi fazer uma análise detalhada do assunto.

Ainda 1987, ainda a infindável discussão de quem é realmente o campeão brasileiro daquele ano. O Sport sempre mostrou o acórdão de 1994 no qual foi julgado na justiça comum, diga-se de passagem, que é o campeão legítimo perante a CBF, e agora a decisão do STJ, e a justiça comum e ameaça todos com processo que disserem o contrário. O Flamengo diz que venceu a final que interessa e o campeonato de verdade organizado e disputado pelos principais clubes e que a CBF no meio do caminho mudou o regulamento. A verdade é que a história de 1987 é repleta de erros e demagogia de todos os lados, incluindo CBF, Clube dos 13, Flamengo, Sport, São Paulo, imprensa e demais.

A CBF é a maior culpada da situação, sem dúvida. Criou um monstrengo de campeonato de 1986, que fazendo uso de critérios técnicos obscuros não incluiu entre os 44 clubes da 1ª fase o Brasil de Pelotas (semifinalista em 1985) e a Internacional-SP (campeã paulista de 1986), estes dois clubes foram parar no Torneio Paralelo, uma espécie de 2ª divisão. Daí teve a criação de 4 vagas biônicas para a segunda fase para resolver o problema jurídico envolvendo Vasco e Joinville. Mas o cúmulo foi a breve desclassificação da Portuguesa, rapidamente revista após os times paulistas, num raro ato de coragem e bom senso, ameaçarem abandonar o torneio caso se mantivesse a punição ao time do Canindé. Os problemas do campeonato não terminaram após a eletrizante final do torneio (disputada em 1987!) entre Guarani e São Paulo, já que o torneio de 1986 serviria de classificatório para a 1ª divisão de 1987. Botafogo (na justiça desportiva) e Coritiba (na justiça comum) conseguiram pleitear vagas na 1ª divisão com sucesso e evitar o vexame destes dois clubes disputarem a 2ª divisão já que não estavam entre os 28 primeiros do torneio de 1986. Abriu se a porta para outros times pleitearem vagas na justiça. Nesse meio tempo, a CBF anunciou que estava sem dinheiro para organizar o torneio nacional. O que se espera da entidade de futebol maior de um país é que tenha as condições mínimas necessárias para organizar o certame nacional, o mais importante de todos a nível nacional. O que ficou patente é que a CBF era um poço de incompetência sem fim, que o campeonato brasileiro de 1987 não tinha condições jurídicas e financeiras de ser disputado como se propôs 1 ano antes e que foi aberta brecha para o rompimento do Clube dos 13.

E o rompimento aconteceu, segundo o Clube dos 13 com a anuência da própria CBF. Otávio Pinto Guimarães e Nabi Abi Chedid ficaram perdidos. Estavam pressionados por um lado pelos clubes excluídos para organizarem um torneio para eles e de outro pela FIFA que não gostou nenhum pouco de saber que existia um “torneio pirata” em curso no Brasil. De início a CBF tentou mostrar força impondo sua tabela para a 1ª rodada que foi humilhantemente ignorada pelo Clube dos 13 que havia não só elaborado toda a tabela da Copa União como criado um regulamento para o torneio. A CBF simplesmente nem tinha regulamento para qualquer torneio. No final a CBF englobou a Copa União criada pelo Clube dos 13 e criou um Módulo Amarelo copiando o exato modelo e regulamento concebido pelo Clube dos 13 para o seu torneio. Até copiaram a final prevista para definir o campeão da Copa União. O cúmulo foi o abandono da disputa de pênaltis da final do Módulo Amarelo, pois Sport e Guarani definiram que aquela decisão não valia muita coisa. A seqüência de atitudes patéticas ajudou a culminar na derrocada de Guimarães e Chedid dois anos depois.

O Clube dos 13 tinha várias condições para vingar no vácuo administrativo deixado pela CBF. Mas pecou em vários pontos. O primeiro erro foi a truculência na concepção da Copa União. De maneira autoritária passou por cima de todos e definiu 13 clubes para disputar o torneio de maneira autoritária e desprezando qualquer critério técnico, e ali começava a ruir seu plano de estabelecer uma nova ordem. Por mais que o torneio de 1986 não prezasse por critérios técnicos, o Clube dos 13 não podia ignorá-los. Faltou humildade e a percepção que poderia exercer uma liderança não só para os “eleitos” e sim para todos os clubes de futebol brasileiros. Se incluísse a estes 16 “eleitos” o Guarani e o América-RJ, teria dado um golpe duro naqueles que reclamavam da falta de critério técnico, por mais que ainda houvesse distorções. Claro que para organizar um torneio com 18 clubes seria mais difícil, mas seria mais difícil “deslegitimizar” o torneio.

Estabelecido os 16 clubes que iriam disputar a Copa União, o regulamento e a promoção do torneio, o Clube dos 13 cometeu o segundo erro ao vacilar em manter seus objetivos iniciais. O rompimento total se tornou parcial, provavelmente por medo de retaliações por parte da FIFA e da própria CBF, o Clube dos 13 se aproximou da CBF. Ou se rompe ou não se rompe, meio termo neste caso era uma porta aberta para criar os problemas que vieram depois. Era o momento de impor um cruzamento entre os módulos verde e amarelo nas condições do Clube dos 13, como, por exemplo, os 3 primeiros do módulo verde disputariam o título com o melhor do módulo amarelo, ou simplesmente dizer que os participantes da Copa União não iriam disputar qualquer partida naquele ano sob a chancela da CBF. Fez a opção pelo segundo caminho. Só que Carlos Miguel Aidar, presidente do Clube dos 13 e do São Paulo, ou não teve pulso firme suficiente para conduzir seus aliados nesta direção ou foi sabotado por outros membros do Clube dos 13 (i.e. Eurico Miranda), ou foi uma mistura das duas situações. Apesar de ser notória a aparente intenção dos membros do Clube dos 13 de não participar do cruzamento, esta entidade sempre flertou com o reconhecimento do torneio pela CBF. A solução de tentar tornar o Flamengo como campeão legítimo via CND foi juridicamente míope. Isso sem contar que se a CBF realmente se dispôs a entregar a organização do torneio para o Clube dos 13, este último deveria ter formalizado isto. Faltou coragem de assumirem publicamente que o torneio da Copa União não era o campeonato brasileiro “oficial” e sim outra competição. Em suma, romper com uma entidade para organizar seu torneio depois querer que esta entidade oficialize o título do torneio foi incoerente para não dizer um erro primário.

O terceiro erro do Clube dos 13 foi a falta de união, ironicamente algo alardeado no próprio título da Copa União. O casuísmo aos poucos foi falando mais alto dentro da própria entidade que não percebeu que se mantivesse a postura de conclamar o Flamengo como campeão nacional, mesmo que não o da CBF, o resultado seria uma vitória sobre a CBF e que a organização do torneio passaria da enfraquecida CBF para o Clube dos 13. Possivelmente, a entidade rebelde sucumbiu ao receio de retaliação aos seus membros pela FIFA e de prejuízos financeiros caso mantivesse a rebelião. O próprio Aidar reconheceu que o Clube dos 13 não teve a percepção do momento histórico de então e não conseguiram tirar proveito dele. Dado que o Clube dos 13 na década de 90 se mostrou mais interessada em proteger seus membros do rebaixamento que de reorganizar o futebol brasileiro, talvez o fato da CBF recuperar a organização de um único campeonato brasileiro não tenha sido de todo ruim, apesar de ser longe do ideal. A Copa João Havelange de 2000 organizada pelo Clube dos 13 para salvar o Botafogo do rebaixamento e tirar Fluminense e Bahia da segunda divisão foi um fiasco de público e de organização. Os próprios membros do Clube dos 13 já publicamente desprezavam o título do Flamengo em 1987. Isso tudo mostrava que os ideais de 1987 pertenciam a um passado distante. Faltaram ao Clube dos 13 o estabelecimento de objetivos claros e maior ambição. Os interesses mesquinhos imperavam na organização que se esfacelou anos depois.

Já o Flamengo não pode se considerar vítima do casuísmo ou silêncio mostrado pelos outros 15 membros originais do Clube dos 13. O Flamengo sob a liderança de Márcio Braga idealizou com o São Paulo de Aidar a Copa União e abraçou até o fim o seu torneio. Faltou perceber que iria ser fatalmente “traído” com o tempo por seus “parceiros no crime” e iria brigar sozinho contra todos? Realmente, se disputasse o famingerado quadrangular teria enterrado o projeto do Clube dos 13 para revolucionar o campeonato brasileiro. Só que os outros clubes já tinham na verdade deixado o Flamengo sozinho nesta empreitada e abandonado o projeto inicial. Pelo menos o Internacional não foi de um oportunismo indigno e também não disputou o quadrangular. Parece que faltou visão estratégica ao clube carioca. Quando o Sport recorreu à justiça comum para definir o campeão brasileiro de 1987, onde estava o clube para pressionar a CBF e a FIFA para retaliar o time pernambucano? Kléber Leite condicionou a entrada do Sport no Clube dos 13 à divisão do título de 1987 entre os dois rubro-negros e fez o Sport assinar uma ata reconhecendo esta condição. Sério, uma ata de reunião do Clube dos 13? Que tal se fosse uma declaração pública ou jurídica disto, de preferência ambas? Isso teria resultado em bem menos polêmica atualmente.

O Sport se vangloria de ser o campeão legítimo, de jure, oficial e único de 1987 e acusa para quem quiser ouvir que o Flamengo desrespeitou o regulamento. Por mais que seja o campeão reconhecido pela CBF, o Sport em sua postura é demagógico. Muitos dos argumentos pró-Sport, inclusive aqueles manifestados pelo próprio clube, é de que a Copa União não era legítima, pois não incluía o vice-campeão (Guarani) e semifinalista (América-RJ) de 1986. Só que se esquece de dizer que se não fosse a criação da Copa União pelo Clube dos 13, o Sport teria disputado a segunda divisão, pois não ficou entre os 28 primeiro colocados de 1986, a não ser que conseguisse uma vaga via justiça comum ou desportiva. E para completar, o reconhecimento da CBF é manifestado via decisão jurídica comum. Ninguém que argumenta a favor do Sport contra a imoralidade do Clube dos 13 se atentou que o Sport não respeitou uma norma internacional da própria FIFA que não se deve recorrer à justiça comum nestes casos? Ou que a punição em casos como este deveria ser até de desfiliação do clube? Em 2009, o Sport ameaçou todo mundo que dissesse que o Flamengo era hexacampeão com processo e ficou na ameaça. Fazer isto quando seu time era rebaixado é um tanto ridículo, ainda mais que a Placar sempre publicou que o Flamengo era campeão de 1987 e nunca, aparentemente, foi processada pelo Sport. Sem contar que vários periódicos que disseram que o Flamengo se tornou hexacampeão naquele ano não foram processados. Quando a CBF resolveu reconhecer o Flamengo também como campeão de 1987, o Sport daí se mexeu na justiça. Sob certa ótica, me parece que o maior mérito do clube pernambucano é seu departamento jurídico, e seu maior troféu o acórdão de 1994 e não o troféu conquistado em campo contra o Guarani no início de 1988.

Se o Sport flerta com a demagogia, o São Paulo a abraça por completo. O time sob a liderança de Aidar foi o principal mentor do Clube dos 13. Aidar fez questão de entregar o troféu ao Flamengo em 1987 após derrotar o Internacional. E depois fez questão de se proclamar primeiro pentacampeão nacional e pleitear por definitivo a Taça das Bolinhas? Cadê a hombridade da diretoria são-paulina? Aidar parece ao menos coerente, e dispor do mínimo de vergonha, ao querer dividir o troféu com o Flamengo. Mas conforme mencionado, o Clube dos 13 foi tomado por interesses mesquinhos, e essa divisão não deve ocorrer.

A imprensa deu grande destaque à Copa União na época. Após a conquista do título da Copa União pelo Flamengo, vários órgãos da imprensa anunciaram o time como campeão, mas rapidamente abandonaram a posição. “Corneteiros” de carreira como Milton Neves adoram tripudiar encima do Flamengo, mas esquecem convenientemente de suas posições durante a Copa União em 1987. Procurar informações sobre o que houve realmente durante a Copa União resulta em inúmeras informações desencontradas e poucas balizadas por objetividade.

Voltando à pergunta inicial de quem é o campeão brasileiro de 1987, a resposta parece óbvia de que o Sport é o campeão do torneio organizado pela CBF. Afinal o time ganhou o quadrangular previsto no regulamento da CBF e recebeu o troféu previsto pela entidade. A CBF é soberana para definir o campeão dos torneios que organiza. Ressalta-se só que neste caso isso é feito sob decisão jurídica. O que me faz indagar é o que diabo de investigação a CBF pretendeu fazer em 2007 do real campeão brasileiro se na verdade não podia ser proclamar o Flamengo sob ameaça de punição jurídica?

O Flamengo é também campeão nacional de 1987. Ganhou um torneio concebido, organizado e promovido pela entidade que ajudou a criar, que contou com a participação de vários times importantes. O título do Flamengo foi reconhecido por estes participantes logo em seguida. O casuísmo e a amnésia seletiva dos demais membros do Clube dos 13 não tiram este reconhecimento dado em 1987 ao Flamengo. O único detalhe que o Flamengo esquece é que esse título não é o da organização afiliada à FIFA, e sim de outra entidade. Os erros estratégicos é que fazem com que esta conquista seja contestada e time seja conhecido como o campeão do asterisco.

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