Tentei mas não descobri de onde
vem a expressão “amarrar o burro na sombra”.
Mas o significado é bem conhecido. É o de estar com a vida ganha. O detalhe é que muitos esquecem que devido à
rotação da Terra, as sombras mudam de lugar durante o dia, o que pode ocasionar
em o equídeo em questão ficar exposto ao sol.
Conheço alguns amigos e colegas que mesmo sabendo do “deslocamento do
Sol no horizonte”, não se preocupam em procurar novas sombras. Alguns se queimam, outros conseguem sobreviver
a este momento de exposição passando certo sufoco.
Ao visitar uma fazenda de
crocodilos na Austrália, lembro-me do guia falar que os crocodilos faziam
basicamente duas coisas: armazenar energia e se reproduzir, o que ele admitiu
serem as suas favoritas. Podemos
extrapolar para boa parte da população que existe uma tendência natural de
procurarmos nos acomodar ao longo do tempo.
Outros não conseguem sequer imaginar a sua vida resumida a estas
atividades prosaicas, precisam estar sempre progredindo ou sentindo que estão
progredindo, apesar de poderem estar estagnados. Esses diferenciados são necessários à
civilização, pois graças a estes, negócios são gerados, avanços científicos são
desenvolvidos e empregos são criados.
Mas e os demais que querem
“armazenar energia”, o que os leva a se acomodarem? Apesar de todo guru de RH tecer uma miríade
de conceitos do que deve ser feito para se progredir na carreira, a verdade é
que muitos não querem ou não enxergam nisso uma prioridade. Um bom supervisor não necessariamente quer
ser um gerente, e um bom gerente não necessariamente quer ser um diretor. Quanto mais se ascende na carreira, mais
responsabilidades serão incumbidas, mais tempo será consumido no trabalho, e
mais será exigido das capacidades do profissional. Conheço bons profissionais que simplesmente
não almejam qualquer tipo de promoção, gostam do que fazem, até se dedicam mais
do que o necessário.
Dois problemas surgem com esse
tipo de atitude, o primeiro mais óbvio é de se expor à concorrência de
profissionais mais jovens com mais ambição e menor custo muitas vezes, o que
pode fazer com que a empresa promova uma “reciclagem”. Funções com baixo grau de complexidade e na
qual a experiência do profissional é pouco exigida são onde profissionais estão
mais vulneráveis a serem “reciclados”. Os acomodados algumas vezes superestimam suas importâncias
em uma empresa e menosprezam a capacidade e o ímpeto de recém-formados. Esses acomodados até não acreditam que vão se
aposentar como assistentes e auxiliares, mas são tomados por uma letargia que
os impedem de se mexerem. Algumas
empresas institucionalizam esses acomodados numa simbiose frágil, muitas vezes
por receio de não encontrarem alguém no mercado de trabalho que possua a mesma
dedicação, ou até pela formação de um vínculo emocional do patrão com o
empregado. No Brasil, esse tipo de
simbiose é perigosa devido à nossa obtusa legislação trabalhista, uma vez que
um funcionário antigo tem em várias ocasiões aumentos consecutivos de salário
(dissídios) acima do crescimento da empresa, além do crescimento da multa rescisória
do FGTS.
O segundo problema é o de se
menosprezar as lentas, mas constantes, mudanças na macroeconomia e no mercado
de trabalho. O maior erro que um
funcionário pode cometer é o de se achar imprescindível à sua empresa. Poucos são capazes de enxergar mudanças e
tendências no mercado de trabalho que podem resultar até na extinção de setores
da economia. Mas a minha impressão é que
menos ainda são aqueles dispostos a tomarem atitudes para se recolocarem mesmo
sabendo de riscos eminentes. Quantos bons
datilógrafos perderam seus empregos quando as empresas começaram a passar a
usar processadores de texto tipo Word
Perfect ou Microsoft Word? Acredito que alguns deles mesmo sabendo do
avanço da informatização, não acreditaram que seriam atingidos. Outras vezes, o sinal dos tempos não precisa
ser no macro, basta ser no micro, a empresa pode estar dando sinais de que
promoverá cortes, mas são poucos que buscam refúgio em águas menos turbulentas. Preferem agonizar por meses imaginando se vão
ser demitidos ou não. Em tempos de crise
como a atual, fico surpreso que aqueles que mais procuram headhunters, empresas de recolocação, agências de emprego e outros são
aqueles que estão desempregados.
Procurar emprego não é uma tarefa
fácil e é demorada. Exige dedicação,
tempo e também resgatar contatos para se fazer o famoso networking. Quantos de nós,
ao final do dia queremos simplesmente relaxar com a família, assistir TV e nos
desligarmos do trabalho ao final do dia?
E quantos de nós iremos ao final do dia redigir currículos ao gosto de
empresas e agências na esperança que dentro de meses isso resulte em uma oferta
de emprego? É mais cômodo tocarmos o dia
a dia no local de trabalho e torcer pelo fim das tormentas de momento e ignorar
os fatos. Além do que, quem quer perder as
férias acumuladas ou na pior hipótese perder 40% de multa do FGTS
depositado? Mesmo que o prejuízo do
desemprego seja superior a multa, essas tentações momentâneas fazem com que
muitos fiquem na sombra mesmo com o Sol se movendo no horizonte.
É claro que a precipitação é um
mau motivador para tomarmos atitude, às vezes passamos de um emprego com situação
momentânea ruim para um emprego com situação permanente pior. Há que sermos cuidadosos de não se mudar de
emprego com frequência alta para não ganharmos a pecha de mercenário, no qual
as empresas contratantes terão sérias dúvidas do comprometimento do
funcionário. Mas alguns sinais que o sol
está se movendo devem ser observados: ociosidade, disparidade com a idade média
dos equivalentes, estagnação em tarefas simples, distanciamento da chefia,
entre outros bem menos sutis. Observado
isto, é hora de se procurar uma nova sombra.
As empresas devem tomar cuidado
em não criar climas de insegurança generalizada e nem em exigir que todo
funcionário almeje ser o diretor superintendente um dia, erro ainda comum cometido
pelas chefias e os departamentos de RH. Empresas
que promovem excessivas “reciclagens” reduzem o moral de seus quadros,
resultando em possíveis perdas de bons empregados, e incorrem no risco de
contratarem substitutos pouco qualificados.
Afinal, os primeiros a saírem de empresas em turbulência são os mais
qualificados, pois tem mais capacidade de se recolocarem, e só depois os
acomodados. Este é o motivo que as
reciclagens devem ser feitas com muito critério e cautela.
Mas as empresas não são família e
nem resort no Caribe para providenciar
conforto e acomodação para seus empregados.
A sensação de tranquilidade e acomodação quem deve procurar somos nós e
não esperar que isso venha de uma empresa.
É claro que é sempre bom trabalharmos em um local onde temos respeito e
reconhecimento do histórico, da experiência e do legado de anos de bons
serviços, mas não devemos esperar que isso seja certo e merecido. Civilizações entraram em declínio por se
acomodarem em situações transientes e o mesmo raciocínio é válido para nós.
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