sábado, 18 de abril de 2015

Os Tímpanos Brasileiros



Apesar de ter mais de 80 anos desde o lançamento de Tintin na Rússia (Tintin au Pays des Soviets) em 1930, as estórias do cartunista belga Georges Remi, o famoso Hergé, sobre as aventuras do protagonista Tintin e seus amigos ainda encontram bastante fãs e são capazes de gerar polêmicas.  O seu segundo livro, Tintin na África (Tintin au Congo), foi atingido pela onda do politicamente correto e considerado racista e, portanto, banido das editoras.  O detalhe é que quem leu Hergé, sabe que ele não tinha desprezo só pelos africanos, e sim por boa parte da população mundial exceto os europeus ocidentais.  O desprezo que tinha pelos japoneses, árabes, americanos, etc era explícito em seus livros, porém poupou os chineses e os ciganos.  E é claro que sobrou para os latinos americanos também, no qual dois livros são dedicados a esculhambar a política em geral dessas bandas.  O primeiro é o Ídolo Roubado (L'Oreille Cassée) de 1937 no qual cria o fictício país de San Theodoros onde o governante é o General Alcazar.  Este tinha uma miríade de coronéis ao seu redor, todos amigos deles e sem muito cacoete para terem alguma função importante no governo.  Alcazar gostava de passar o dia jogando xadrez, de preferência contra alguém que o deixasse ganhar.  As decisões mais importantes de Alcazar, como a declaração de guerra contra Nuevo Rico, eram tomadas de acordo com os interesses de multinacionais que o mantinham na folha de pagamento. 

Já em Tintin e os Tímpanos (Tintin et les Picaros) de 1976, a crítica aos governantes latino-americanos é igualmente ou até mais ácida.  A estória relata a tentativa do General Alcazar de retomar o governo do General Tapioca que o havia deposto e aprisionado amigos de Tintin.  Este úlitmo então resolve auxiliar seu velho amigo Alcazar e sua trupe de esfarrapados, os Tímpanos, a retomarem o governo.  No início da estória, o avião que traz amigos de Tintin para San Theodoros sobrevôa uma favela da capital onde há uma placa dizendo “Viva o General Tapioca”, e no final da estória após o golpe de estado ser consumado, quando todos voltam para a Europa, a placa diz “Viva o General Alcazar”, mas nada muda na favela.  Isso sem contar que a trupe que apoiava Tapioca rapidamente debanda e passa a apoiar o Alcazar.

Hergé era preconceituoso e, portanto, muito do que escrevia tinha que ser minimizado, mas em vários pontos ele tinha bastante razão.  O aparelhamento promovido pelo PT no governo federal é muito bem representado, a diferença é que muito poucos jogam xadrez, ao invés nem aparecem para trabalhar, pois quando aparecem são capazes de atrapalhar.  Os golpes militares que eram comuns nestas bandas no século passado muitas vezes só trocavam o nome na placa.  As condições precárias das favelas não mudaram ao longo dos anos.  E o que permanece é o conceito que soluções milagrosas para o país sairão de líderes autoritários.  Em 1964, os militares com algum apoio popular apearam do poder o “simpatizante do socialismo” Jango Goulart e em tese deveriam restabelecer a democracia logo em seguida.  O resultado foram 21 anos de ditadura que nos entregou uma hiperinflação de mais de 200% ao ano na época, uma corrupção endêmica no país, um endividamento monstro, a Lei Falcão que distorce a representação popular do congresso, argumentos inesgotáveis para todo esquerdista se achar um autêntico democrata e para a demonização da direita.

O Brasil padece de uma crise política sem precedentes, no qual o governo sucumbiu ao vácuo criado por ele mesmo, que impede que se ataque frontalmente a crise econômica.  Existem problemas estruturais no qual muito pouco é feito como infra-estrutura capenga, sistema tributário kafkiano, previdência pública que engole os recursos da nação, legislação trabalhista obtusa e um enorme contingente de brasileiros que carecem de instrução mínima para que possam sair da miséria.  Quais desses problemas os militares têm condições de sanar ou executar um plano para sanar?  Não que um militar não possa ser capaz de liderar uma nação e lidar com estes problemas, mas não consigo visualizar nenhum neste momento que possa fazer isso.  Pior, após consumado o golpe, impreterivelmente os golpistas se alinhariam com boa parte das oligarquias locais existentes.  É o que foi feito em 1964 e em 1985, e também pelo próprio PT quando este assumiu o governo!  As rêmoras que pegam carona com os tubarões atuais simplesmente se atracariam aos novos tubarões.  Algo semelhante ao que Hergé retratou em Tintim e os Tímpanos.

A argumentação daqueles que gostariam de um golpe de estado geralmente inclui que os militares defenestrariam o PT do poder acabando com a corrupção praticada pela turma de Lula, Dilma, Rui Falcão e cia.  Realmente um golpe poderia punir os corruptos do PT, que são os mais vorazes já vistos nestas terras, mas não acabaria com a corrupção no país pois como a turma do PT gosta de alardear ela é uma velha senhora.  Quem tem que combater a corrupção é a justiça, o que está sendo feita, e no momento que a população clama por ritos sumários ao invés de devidos processos é que há um problema maior do que imaginamos.  E além da justiça cabe a nós também combatermos a corrupção.  Em 2006, os eleitores de Lula simplesmente fecharam os olhos para o Mensalão.  Ou optaram por ignorar os fatos ou optaram pelo cinismo sabendo que havia um escândalo de corrupção mas relevaram isso a segundo plano.  No momento que um povo não pune nas urnas os corruptos, o país é punido como um todo pelos corruptos.  Paulo Maluf e o PT mostraram que não há limite para a ganância e um ladrão não tem uma meta a atingir para depois parar de roubar, o ímpeto de continuar roubando é infinito.  O Petrolão é a prova que a eleição de 2006 foi um duro golpe à nossa democracia.  E aí reside o problema que não será sanado com um golpe militar, pois boa parte da população brasileira continuará sendo conivente com a corrupção.  Nenhum militar será capaz de mudar nossa moral em primeiro instante, apenas um processo longo de educação nos fará sermos intolerantes com a corrupção.  Os militares que nos governaram por 21 anos não conseguiram e o PT certamente nunca teve como intenção mudar este panorama.

O alinhamento do PT com algumas das piores ditaduras do planeta é vergonhoso e qualquer outro partido no governo, que não seja algo como PSTU ou PSOL, teria uma política de relações externas muito mais digna que a atual.  Um golpe nos colocaria em par com estas ditaduras.  Que alguém me aponte um golpe de estado que retirou do poder um presidente eleito de maneira legítima e que realmente tenha colocado o país em rumo virtuoso.


O dano está feito após 12 anos de governo do PT e a crise está aí para quem quiser ver.  Precisaremos de uma justiça diligente e certa para passar a limpo pelo menos os escândalos que se têm conhecimento.  A população tem que entender que o caminho para se colocar o Brasil no rumo certo é longo e penoso, ou seja após a farra vem a ressaca.  Acreditar que soluções mágicas, como aquelas prometidas por Lula em 2002, resolverão os problemas do país é simplesmente trocar a placa da favela como na estória de Hergé.  Basta olharmos para trás para não incorrermos neste erro.

quinta-feira, 2 de abril de 2015

O Estudo do Oxigênio



O oxigênio é o segundo gás mais abundante na atmosfera terrestre.  O átomo de oxigênio tem número atômico 8 e massa atômica 16.  Ele compõe cerca de 23% em massa da atmosfera, o que o faz o segundo gás mais abundante da atmosfera.  Sua forma mais comum é o gás diatômico, O2, mas também é de suma importância para o planeta o outro alótropo conhecido como ozônio, O3.  O oxigênio é extremamente reativo, somente os gases nobres não combinam com ele, e graças a isso há vida na terra e é possível fazer fogo para gerar energia térmica.  Os seres vivos dependem do oxigênio para a respiração aeróbia no qual este gás combina com glicose gerando energia, dióxido de carbono e água.  Os combustíveis só reagem desprendendo energia se haver a presença de um comburente, o oxigênio, para possibilitar a combustão.

Esses factóides são de conhecimento de quem terminou o colegial e pensa em ingressar em uma faculdade, especialmente uma de medicina, ou de engenharia ou até outras.  Pelo menos é o que se espera.  Mas será mesmo que os egressos do ensino básico têm este conhecimento?  Na verdade, deveriam até saber em mais detalhe a química do oxigênio para melhor compreenderem as disciplinas ministradas em um curso superior.  Na medicina, por exemplo, este conhecimento é necessário para o estudo do sistema respiratório, e na engenharia para o estudo da combustão.  Se o aluno que cursa uma faculdade não tem este conhecimento dificilmente terá capacidade de acompanhar um curso sério.  E aí reside um dos maiores problemas da educação brasileira que é a crença que o diploma universitário é sinônimo de conhecimento e garantia para o sucesso.

O aluno ao ingressar em uma faculdade deveria possuir conhecimento além dos gases que compõe a atmosfera terrestre.  Um bom início seria falar português corretamente, o que nos dias atuais é considerado como um elemento discriminador das camadas mais humildes que se julgam no direito de conjugar os verbos na 3ª pessoa do singular mesmo com o sujeito exigindo a 1ª pessoa do plural.  Devido à quase falência do ensino público e aos preços exorbitantes do ensino privado, uma boa parcela de jovens brasileiros foram e continuam sendo alijados de ensino básico.  A solução criada em terras tupiniquins, apesar de não ser exclusiva ao Brasil, foi a de se “corrigir” este problema facilitando o acesso ao ensino superior, não necessariamente ao ensino superior de qualidade.  O problema é que este alijamento resulta em um alto número de aspirantes ao ensino superior completamente despreparados.  A maioria vai saber que o oxigênio é necessário para a vida, mas se bobear não sabem nem que nitrogênio é o gás mais abundante na atmosfera.

Na década de 90, foi criada a verdadeira farra das universidades, sendo que qualquer picareta abria na esquina uma universidade oferecendo inúmeros cursos de exatas e humanas.  Não é um fenômeno exclusivo brasileiro, como disse, mas o surgimento maciço dessas universidades talvez seja único a este país.  Estas universidades funcionavam ao melhor “estilo Vampeta” fingindo que ensinavam e os alunos fingindo que aprendiam.  Imprimiam o diploma de pouco valor, mas o aluno pagava um valor considerável para aquela instituição. 

Mesmo os professores universitários sendo os melhores, eles não vão operar milagres e cabe aos estudantes um mínimo de conhecimento para poderem acompanharem os cursos.  Além do mais cabe aos estudantes empenho e capacidade de aprendizagem também.  Várias universidades particulares têm uma sanha de maximizar a arrecadação no curto prazo e impõem aos professores metas de aprovação bem complacentes, o que por sua vez faz despencar a qualidade do curso.  Ao longo prazo isso é péssimo para a instituição cuja reputação é irreversivelmente destruída.  O “Provão”, atual ENADE, foi criado com o intuito de frear essa escalada de impressoras de diplomas, mas apesar de alguns cursos e até algumas faculdades fecharem, muitas perduram com a (falta de) qualidade de sempre.

O FIES, que conseguiu atualmente ser destaque noticiário pelos motivos errados, era para ser o instrumento que proporcionaria o acesso a esses excluídos nas faculdades particulares.  O custo de uma faculdade particular realmente é um desafio grande que impossibilita vários de conseguiram cursar uma faculdade, mas acreditar que este é o único problema é ignorar o problema maior.  Aliás em alguns casos, empresta-se dinheiro a alguém que não tem condições de cursar uma faculdade, nem de devolver este empréstimo e quanto mais de aprender...

Mas eis que surge finalmente o ápice do populismo: garantir vaga em universidades públicas para alunos da rede pública e de auto-intituladas minorias, as famosas cotas.  Pois bem, mesmo com vagas garantidas para estes “desfavorecidos”, quem garante que eles têm condição de se formarem?  A não ser que o nível do curso despenque para facilitar a aprovação, os cotistas terão um desafio árduo pela frente, pois terão além de aprender a matéria ensinada na faculdade, como também aquela que deveriam saber antes de entrar na universidade.  E é neste instante que a qualidade de boas universidades públicas é colocada em xeque.  Resolve-se o problema de acesso dos “menos privilegiados” minando o nosso problemático ensino superior.  É claro que tanto os beneficiados pelos atuais critérios frouxos do FIES como pelo sistema de cotas são potenciais eleitores de governos populistas, como o atual, enquanto que alunos do ensino básico, que deveriam ser o foco das metas de educação do país, não são.

A noção que o problema da equalização de oportunidades para toda a população é simplesmente resolvida com um diploma universitário não pode ser menos equivocada.  Quem passou por dinâmicas de grupo para vagas de estágio e trainees vai lembrar que os participantes eram egressos de universidades públicas e das melhores universidades particulares.  Em São Paulo, nas dinâmicas de grupo que participei estas eram basicamente USP, UNICAMP, FEI e Mauá.  Claro que existem outras no mesmo patamar de qualidade que estas quatro que citei.  Empresas sérias não aceitam profissionais despreparados, então descartavam qualquer pseudo-formado simplesmente nem os selecionando na triagem inicial.  E se aceitarem estarão comprometendo a qualidade da própria empresa.  Na teoria, ninguém deveria ser obrigado a contratar profissionais de menos qualificação.  Quem discorda, que então procure um médico mal formado para ser atendido em caso de emergência.

Na teoria os melhores empregos públicos são reservados para aqueles que se sobressaem em concursos, mas estes já são alvos do populismo que também vai criando cotas para repartições públicas.  Mesmo assim, é difícil se esperar que alguém que não tinha condições de ingressar em uma boa faculdade vá conseguir passar em um concurso concorrido.


A triste verdade é que enquanto não for compreendido que oportunidades para os mais desfavorecidos serão só conquistadas quando estes tiverem uma educação básico sólida, a educação superior estará em xeque.  O país carece de bons profissionais em várias áreas e essa carência não será resolvida com voluntarismo e muito menos com populismo.  Infelizmente é um trabalho que tem de ser iniciado agora para se colher frutos daqui a quase 15 anos.