Apesar de ter mais de 80 anos desde o
lançamento de Tintin na Rússia (Tintin au
Pays des Soviets) em 1930, as estórias do cartunista belga Georges Remi, o
famoso Hergé, sobre as aventuras do protagonista Tintin e seus amigos ainda encontram
bastante fãs e são capazes de gerar polêmicas.
O seu segundo livro, Tintin na África (Tintin au Congo), foi atingido pela onda do politicamente correto e
considerado racista e, portanto, banido das editoras. O detalhe é que quem leu Hergé, sabe que ele
não tinha desprezo só pelos africanos, e sim por boa parte da população mundial
exceto os europeus ocidentais. O
desprezo que tinha pelos japoneses, árabes, americanos, etc era explícito em
seus livros, porém poupou os chineses e os ciganos. E é claro que sobrou para os latinos
americanos também, no qual dois livros são dedicados a esculhambar a política
em geral dessas bandas. O primeiro é o
Ídolo Roubado (L'Oreille Cassée) de
1937 no qual cria o fictício país de San Theodoros onde o governante é o
General Alcazar. Este tinha uma miríade
de coronéis ao seu redor, todos amigos deles e sem muito cacoete para terem
alguma função importante no governo.
Alcazar gostava de passar o dia jogando xadrez, de preferência contra
alguém que o deixasse ganhar. As
decisões mais importantes de Alcazar, como a declaração de guerra contra Nuevo
Rico, eram tomadas de acordo com os interesses de multinacionais que o
mantinham na folha de pagamento.
Já em Tintin e os Tímpanos (Tintin et les Picaros) de 1976, a crítica
aos governantes latino-americanos é igualmente ou até mais ácida. A estória relata a tentativa do General
Alcazar de retomar o governo do General Tapioca que o havia deposto e
aprisionado amigos de Tintin. Este
úlitmo então resolve auxiliar seu velho amigo Alcazar e sua trupe de
esfarrapados, os Tímpanos, a retomarem o governo. No início da estória, o avião que traz amigos
de Tintin para San Theodoros sobrevôa uma favela da capital onde há uma placa
dizendo “Viva o General Tapioca”, e no final da estória após o golpe de estado
ser consumado, quando todos voltam para a Europa, a placa diz “Viva o General
Alcazar”, mas nada muda na favela. Isso
sem contar que a trupe que apoiava Tapioca rapidamente debanda e passa a apoiar
o Alcazar.
Hergé era preconceituoso e, portanto, muito do
que escrevia tinha que ser minimizado, mas em vários pontos ele tinha bastante
razão. O aparelhamento promovido pelo PT
no governo federal é muito bem representado, a diferença é que muito poucos
jogam xadrez, ao invés nem aparecem para trabalhar, pois quando aparecem são
capazes de atrapalhar. Os golpes
militares que eram comuns nestas bandas no século passado muitas vezes só
trocavam o nome na placa. As condições
precárias das favelas não mudaram ao longo dos anos. E o que permanece é o conceito que soluções
milagrosas para o país sairão de líderes autoritários. Em 1964, os militares com algum apoio popular
apearam do poder o “simpatizante do socialismo” Jango Goulart e em tese deveriam
restabelecer a democracia logo em seguida.
O resultado foram 21 anos de ditadura que nos entregou uma hiperinflação
de mais de 200% ao ano na época, uma corrupção endêmica no país, um
endividamento monstro, a Lei Falcão que distorce a representação popular do
congresso, argumentos inesgotáveis para todo esquerdista se achar um autêntico
democrata e para a demonização da direita.
O Brasil padece de uma crise política sem
precedentes, no qual o governo sucumbiu ao vácuo criado por ele mesmo, que
impede que se ataque frontalmente a crise econômica. Existem problemas estruturais no qual muito
pouco é feito como infra-estrutura capenga, sistema tributário kafkiano,
previdência pública que engole os recursos da nação, legislação trabalhista obtusa
e um enorme contingente de brasileiros que carecem de instrução mínima para que
possam sair da miséria. Quais desses
problemas os militares têm condições de sanar ou executar um plano para sanar? Não que um militar não possa ser capaz de
liderar uma nação e lidar com estes problemas, mas não consigo visualizar
nenhum neste momento que possa fazer isso.
Pior, após consumado o golpe, impreterivelmente os golpistas se
alinhariam com boa parte das oligarquias locais existentes. É o que foi feito em 1964 e em 1985, e também
pelo próprio PT quando este assumiu o governo!
As rêmoras que pegam carona com os tubarões atuais simplesmente se
atracariam aos novos tubarões. Algo
semelhante ao que Hergé retratou em Tintim e os Tímpanos.
A argumentação daqueles que gostariam de um
golpe de estado geralmente inclui que os militares defenestrariam o PT do poder
acabando com a corrupção praticada pela turma de Lula, Dilma, Rui Falcão e
cia. Realmente um golpe poderia punir os
corruptos do PT, que são os mais vorazes já vistos nestas terras, mas não
acabaria com a corrupção no país pois como a turma do PT gosta de alardear ela
é uma velha senhora. Quem tem que
combater a corrupção é a justiça, o que está sendo feita, e no momento que a
população clama por ritos sumários ao invés de devidos processos é que há um
problema maior do que imaginamos. E além
da justiça cabe a nós também combatermos a corrupção. Em 2006, os eleitores de Lula simplesmente
fecharam os olhos para o Mensalão. Ou
optaram por ignorar os fatos ou optaram pelo cinismo sabendo que havia um escândalo
de corrupção mas relevaram isso a segundo plano. No momento que um povo não pune nas urnas os
corruptos, o país é punido como um todo pelos corruptos. Paulo Maluf e o PT mostraram que não há
limite para a ganância e um ladrão não tem uma meta a atingir para depois parar
de roubar, o ímpeto de continuar roubando é infinito. O Petrolão é a prova que a eleição de 2006
foi um duro golpe à nossa democracia. E
aí reside o problema que não será sanado com um golpe militar, pois boa parte
da população brasileira continuará sendo conivente com a corrupção. Nenhum militar será capaz de mudar nossa
moral em primeiro instante, apenas um processo longo de educação nos fará
sermos intolerantes com a corrupção. Os
militares que nos governaram por 21 anos não conseguiram e o PT certamente
nunca teve como intenção mudar este panorama.
O alinhamento do PT com algumas das piores
ditaduras do planeta é vergonhoso e qualquer outro partido no governo, que não
seja algo como PSTU ou PSOL, teria uma política de relações externas muito mais
digna que a atual. Um golpe nos
colocaria em par com estas ditaduras.
Que alguém me aponte um golpe de estado que retirou do poder um
presidente eleito de maneira legítima e que realmente tenha colocado o país em
rumo virtuoso.
O dano está feito após 12 anos de governo do PT
e a crise está aí para quem quiser ver.
Precisaremos de uma justiça diligente e certa para passar a limpo pelo
menos os escândalos que se têm conhecimento.
A população tem que entender que o caminho para se colocar o Brasil no
rumo certo é longo e penoso, ou seja após a farra vem a ressaca. Acreditar que soluções mágicas, como aquelas
prometidas por Lula em 2002, resolverão os problemas do país é simplesmente
trocar a placa da favela como na estória de Hergé. Basta olharmos para trás para não incorrermos
neste erro.
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